- Folha de S. Paulo
Há duas hipóteses sobre o impacto no sistema político das delações da Odebrecht, que enfim começam a se descortinar. A primeira, bastante difundida, é o juízo final, segundo a qual não restará pedra sobre pedra e todo resquício de governabilidade será destruído.
Embora variantes dessa ideia sejam frequentes no opinionismo jornalístico e populares no "circus maximus" das redes sociais, a boa prática investigativa recomenda iniciar a análise com a hipótese complementar, mais conservadora, e pela peça central do tabuleiro, o presidente.
Michel Temer e seu círculo dificilmente sucumbirão às saraivadas iniciais da Odebrecht arrependida. Investirão no contraditório, na tentativa de desqualificar depoimentos ainda não homologados e na ausência de fatos indisputáveis —contas suíças, gravações— a reforçar suspeitas.
Debaixo de bala, seria o suficiente para o presidente atravessar os 19 dias que nos separam da virada do ano, data a partir da qual a eleição para substituí-lo em caso de queda seria indireta, realizada no Congresso. Sai Temer e entra um parlamentar ou um outsider escolhido pelo mais desmoralizado colégio eleitoral da Nova República. Quem topa a aventura?
Uma emenda à Constituição para realizar eleições diretas teria os custos de atropelar uma cláusula pétrea e de laçar o país numa campanha presidencial eivada de incertezas e insanidades. Quem topa?
A dispersão de acusações da Odebrecht sobre autoridades com foro especial terá ainda o efeito de alongar na comunidade política as expectativas de punição. Se Procuradoria e Supremo foram incapazes de dar vazão célere à maioria dos inquéritos do petrolão até aqui, que dirá após a chegada de centenas de casos novos.
Tudo somado, a hipótese conservadora, de o sistema acomodar-se num equilíbrio cínico após o episódio da delação da Odebrecht, ainda não está descartada.
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