- O Globo
A balbúrdia criada pela decisão monocrática do ministro Marco Aurélio, afastando o senador Renan Calheiros da presidência do Senado, seguida pela decisão da Mesa Diretora desta Casa em não seguir a decisão judicial, assim como a não validação desta liminar pelo Plenário do Supremo, é uma amostra, particularmente sofrível, da crise institucional na qual o país está mergulhado.
Seria simplesmente hilário se não expusesse a gravidade de nossa situação. Não dá para rir, embora seja cômico.
Não há vencidos nem vencedores, embora alguns especialmente vaidosos queiram se atribuir tal protagonismo. Quem perde é o Brasil, vítima de manobras irresponsáveis, que em nada contribuem para tirar o país do buraco no qual foi lançado pelo lulopetismo.
Satisfazer-se com as dificuldades do governo Temer só mostra pequenez de espírito e, na verdade, o que também se poderia denominar de falta de patriotismo, falta de cuidado e preocupação com o bem coletivo. O Brasil ficou para trás.
Recapitulemos alguns fatos que nos mostram a forte repercussão de todo esse processo. Seriam simplesmente episódios de uma ópera bufa, não fossem seus intensos efeitos no agravamento da crise. É inconcebível que o Supremo e o Senado tenham se prestado a tal pantomina.
O ministro Marco Aurélio proferiu uma decisão monocrática, em caráter de liminar, sobre um assunto já em pauta no Supremo, aos cuidados do ministro Toffoli, que tinha pedido vistas ao processo. Tratou-se de uma clara ingerência em assunto a cargo de outro colega, que estava dentro do prazo, evidenciando uma disputa interna na Corte.
Ademais, não havia nenhuma urgência no caso, pois o senador Renan Calheiros só teria — e terá — efetivamente mais 15 dias no exercício da presidência do Senado, pois a Casa entra logo em recesso e novas eleições ocorrerão em fevereiro.
Foi um nítido açodamento relativo a um processo contra o Senador que dorme há nove anos no Supremo. Tanta pressa agora não faz nenhum sentido. Denota uma intenção política.
Goste-se ou não do Senador Renan Calheiros, o fato primeiro consiste em ser ele presidente do Senado. Ele é aqui uma figura jurídico-institucional. Sua destituição por decisão monocrática e em caráter liminar é uma arbitrariedade. Por outro lado, o senador deve prestar contas à Justiça, porém não de uma maneira que ponha a perigo nossas instituições.
Não se pode tampouco desconsiderar o efeito político de uma decisão judicial de tal tipo. Tal efeito deveria ter merecido cuidadosa atenção. Ela poderia ter interferido diretamente na aprovação do segundo turno da PEC do teto e, também, na agora enviada reforma da Previdência. As consequências de uma decisão judicial deveriam fazer parte de sua própria elaboração.
Imagine-se um vice-presidente petista, Jorge Viana, assumindo a presidência da Casa e fazendo a política de seu partido. Poderia em muito prejudicar o governo Temer e, acima de tudo, o país. Seria a política do quanto pior melhor! Ressalte-se que o senador teve uma atitude responsável, porém seu partido não segue esta linha.
Ato seguinte desta esculhambação foi a posição do presidente do Senado, secundado pela Mesa Diretora, de não acatar a decisão monocrática do ministro Marco Aurélio. Se já ruim estava, pior ainda ficou. O Supremo foi liminarmente desobedecido, como se uma decisão sua não fosse para ser cumprida.
Como pode um senador não receber uma notificação? Como pode a Mesa Diretora da Casa simplesmente desacatar uma decisão do Supremo? Os poderes, nitidamente, não mais se entendem. O precedente é perigoso. Pode ser o princípio da desordem pública no nível propriamente institucional.
O Plenário do Supremo, diante deste imbróglio suscitado por um dos seus membros, procurou uma saída política, em vez de estabelecer princípios propriamente institucionais. Agora, a mais alta Corte do país passa simplesmente a fazer política e não em fazer respeitar a Constituição. Eis um resultado de seu ativismo!
Em linguagem tortuosa, sem nível propriamente jurídico, terminou por cassar a liminar, não tendo julgado o mérito da questão, e manteve na presidência do Senado um senador que descumpriu uma decisão do mesmo Supremo.
A saída política traduziu-se por um apequenamento da instituição. Ou seja, o Supremo deixou de ser uma instância recursal, um árbitro constitucional, para se tornar parte de uma crise institucional. Isto é particularmente grave, pois mostra um país à deriva.
O processo de enfraquecimento das instituições, evidenciado, no caso em questão, pelo Supremo e pelo Senado, se dá em um contexto de profunda crise econômica e social, com o PIB desabando, o desemprego tornando-se intolerável e havendo uma quebra de expectativas em relação ao futuro imediato.
O presidente Temer recebeu uma herança maldita. No início do seu governo, talvez para evitar o confronto político em um quadro já suficientemente tumultuado, não expôs com clareza a real situação do país. Agora, corajosamente, está assumindo medidas que parecem impopulares, mas são absolutamente necessárias para o reerguimento do país.
A PEC do teto está na iminência de ser aprovada em segundo turno no Senado. A PEC da Previdência foi também enviada nestes dias à Câmara dos Deputados e já tramita rapidamente. Logo deverá ser enviada uma medida provisória que trata da modernização da legislação trabalhista.
Reiteremos. Não se trata somente do sucesso do governo Temer. Quem olhar a situação sob este prisma sofre de miopia política. O que está em questão é o país e a sua própria solvência. Não haverá distribuição social sem produção de riqueza.
O enfraquecimento das instituições que estamos presenciando não é apenas um mau augúrio para o governo, que termina por sofrer dos seus efeitos, mas também uma ameaça para a democracia. A irresponsabilidade política também paga o seu preço.
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Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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