Há muito tempo a sociedade tem conhecimento de que os regimes previdenciários, que protegem os servidores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada, estão em forte desequilíbrio financeiro. As projeções apontam para déficits atuariais que assustam aqueles que se dão ao trabalho de ler os documentos técnicos sobre o assunto. Mesmo assim, a solução para o problema vem sendo adiada, com os sucessivos governos demonstrando receio em enfrentar as reações populares às necessárias correções de rumo.
Na semana passada, depois de vários adiamentos, o presidente Michel Temer encaminhou ao Congresso uma proposta de reforma da Previdência Social, que é abrangente e, se for aprovada com os ajustes que se fizerem necessários, será duradoura. Essa é uma questão importante a ser considerada, pois o país não pode, daqui a três ou quatro anos, ser obrigado a discutir novamente outra "reforma", pois a atual não foi capaz de encaminhar soluções adequadas para enfrentar os desequilíbrios.
O Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda não adotou uma idade mínima para requerer aposentadoria em seu Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Somente em 1998 o limite foi instituído para os regimes próprios dos servidores públicos, mas, por apenas um voto, ele não foi aprovado também para o RGPS. Um parlamentar se confundiu na hora de votar e terminou dando o voto contrário que decidiu a questão. Assim, por um acidente, o país ficou sem idade mínima para a aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada.
As diversas reformas das regras previdenciárias feitas depois da Constituinte de 1988 (emendas constitucionais 20, 41 e 47) corrigiram algumas das distorções mais graves que existiam. Uma delas foi o fim do dispositivo que permitia ao servidor se aposentar com a remuneração do cargo que ocupava, recebendo ainda os aumentos que fossem sendo concedidos aos funcionários da ativa. Outra foi a permissão para o acúmulo de aposentadorias. Uma mesma pessoa podia ter várias aposentadorias.
O fato inconteste é que as alterações promovidas na legislação nos últimos anos não foram suficientes para dar sustentabilidade financeira aos regimes previdenciários. Por negligência, os últimos governos perderam a grande oportunidade de fazer uma reforma que permitisse uma transição mais suave para aqueles que já estão no mercado de trabalho. Vários especialistas alertaram as autoridades para o "bônus demográfico", que ocorreria no Brasil no início desta década. Era importante aproveitar o fenômeno, alertavam, para fazer a reforma da Previdência Social.
O "bônus demográfico" ocorre quando há um número maior de pessoas em condições de trabalhar, em comparação com os que são dependentes (crianças e idosos). Isto ocorre por causa da redução da taxa de fecundidade e do aumento da expectativa de vida de uma população. No Brasil, esse fenômeno começou no início desta década e terá seu auge em 2020.
Os últimos governos fizeram ouvidos moucos aos alertas. A reforma não foi feita e a situação financeira do sistema previdenciário ficou ainda mais dramática, agravada que foi pela profunda recessão vivida pelo país. O déficit do RGPS está crescendo em termos exponenciais. Em 2014, ele foi de R$ 56,7 bilhões e de R$ 85,8 bilhões em 2015. Neste ano, a previsão oficial é que chegue a R$ 151,9 bilhões e alcance R$ 181,2 bilhões no próximo ano. O déficit do regime próprio dos servidores da União neste ano está em torno de R$ 70 bilhões.
O "buraco" do regime próprio dos servidores dos Estados em 2015 foi de R$ 77,1 bilhões, de acordo com dados do Tesouro. Recente auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União nos regimes próprios de previdência de Estados, municípios e do Distrito Federal mostrou déficit atuarial de aproximadamente R$ 2,8 trilhões, nos próximos 75 anos. O problema, portanto, é abrangente e, como tal, precisa ser tratado pela reforma.
A proposta feita pelo governo Temer procura igualar as regras dos regimes previdenciários dos trabalhadores da iniciativa privada e dos servidores. Faltou incluir na reforma os militares. Até agora não houve uma explicação convincente para esta omissão. De qualquer maneira, os parlamentares precisam se debruçar sobre o texto da proposta de emenda constitucional, corrigir excessos e distorções, e aprovar as mudanças no sistema que garantam estabilidade nas regras para que os trabalhadores possam programar suas vidas.
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