- Folha de S. Paulo
Valor por valor, o combate à corrupção conseguiu um feito que nem os direitos humanos alcançaram: levar supremos mandatários do Brasil ao acerto de contas com a Justiça comum. Em menos de três semanas, um presidente (Temer) se tornou o primeiro denunciado ainda no exercício do cargo e um ex (Lula) se transformou no primeiro condenado por um crime.
Um avanço e tanto para um país no qual um presidente (o próprio Lula) achava que quem chega à maior das cadeiras não pode ser tratado como "uma pessoa comum", segundo o raciocínio que usou na década passada para defender José Sarney —personagem, aliás, de investigação eternamente sem desfecho no STF.
A falta de penalização aos principais poderosos sempre nos diferenciou dos países da região. Argentina e Uruguai tiveram presidentes condenados e presos; o Chile viu seu mais emblemático ditador (Pinochet) ser humilhantemente detido, ainda que por mãos estrangeiras.
Situação bem diferente da dos cabeças do regime militar daqui, que morreram sem jamais terem passado por tal, digamos, incômodo. E não faltavam evidências de violações dos direitos humanos nos seus governos.
Mesmo os dois presidentes apeados do cargo após a redemocratização brasileira (Collor e Dilma) tiveram apenas condenações políticas —assim como nos EUA, onde Richard Nixon recebeu perdão pelo Watergate e nunca foi preso.
O fato de esse tardio acerto de contas ocorrer conjuntamente em lados distintos do espectro dá nitidez à paixão política nos argumentos dos 200 milhões de juristas que hoje habitam o Brasil. Quem reclama da falta de prova cabal na acusação contra um dos presidentes demonstra dificuldade em enxergar a mesma lacuna na outra ponta, e vice-versa.
Seria miopia achar que a Lava Jato não tem problemas. Ainda assim, está claríssimo que ela é a cirurgia de catarata que nos faltava.
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