- Valor Econômico
Sentença e reforma convergem para crise ou ressurreição
A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva comporta pelo menos uma certeza, a de que não há delação à vista. No horizonte, apenas uma eleição. As 260 páginas da sentença mostram as convicções de Sergio Moro sobre a inexistência de uma e as perspectivas da outra. É um juiz que acredita ter atingido o topo da cadeia. E, nessa condição, pondera sobre as razões pelas quais não mandou prender o ex-presidente, líder das pesquisas de intenção de voto.
Não que lhe faltassem motivos para decretar uma preventiva. Citou discurso de Lula com intimidação à justiça ("Se eles não me prenderem logo quem sabe um dia eu mando prendê-los pelas mentiras que eles contam") e a orientação a terceiros para a destruição de provas. Ainda que fossem suficientes, preferiu não fazê-lo.
Alegou traumas e a necessidade de agir com prudência. Reconheceu o açodamento da liberação do áudio da conversa entre o ex-presidente e sua sucessora ("Ainda que, em respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal, este julgador possa eventualmente ter errado no levantamento do sigilo, pelo menos considerando a questão da competência, a revisão de decisões judiciais pelas instâncias superiores faz parte do sistema judicial de erros e acertos"). Voltou a se valer dos traumas e da prudência numa reiterada e inaudita necessidade de justificar sua decisão.
Moro não estendeu o mea-culpa à condução coercitiva de Lula em março do ano passado ("O tempo mostrou que a medida era necessária, pois houve tumulto no Aeroporto de Congonhas, para onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado para o depoimento, decorrente da convocação de militantes políticos para o local a fim de pressionar as autoridades policiais") e ressaltou que Teori Zavascki, apesar de duro, manteve, sob seu juízo, os processos relativos ao ex-presidente.
Moro transformou-se em um personagem nacional desde o início da operação. Ao longo dos três anos da Lava-Jato não viu sua audiência diminuir substancialmente, mas assistiu a do seu mais importante réu se recuperar. Contribuiu para isso a percepção, graças à Lava-Jato, de que a corrupção não está restrita a Lula e a seu partido. A inoperância daqueles que assumiram o país, também com a contribuição da operação e dos erros de Moro, também concorreu para o desfecho.
É a isso que o juiz parece se referir quando fala em trauma e prudência. Ao aguardar a decisão da segunda instância, Moro pretende dividir com os desembargadores de Porto Alegre a responsabilidade por uma decisão que, se não chegar a levar Lula à prisão, o inviabilizará como candidato para esta e para todas as eleições que estão por vir.
Este é o principal significado político da sentença. A despeito da frase de efeito ("não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você"), Moro recolheu as armas de seu voluntarismo. Como recomenda a boa política, foi à cata de apoio para uma decisão que contraria muito interesses.
Agiu de olho não apenas na capacidade de arregimentação de Lula mas também no revisionismo de sua própria corporação que, duas semanas depois de furar a fila para colocar uma tornozeleira eletrônica em Rodrigo Rocha Loures e mandá-lo para casa, fez o mesmo com o ministro Geddel Vieira Lima, que cumpriu menos de uma semana na prisão.
A decisão de Moro de conceder ao ex-presidente a possibilidade de aguardar a apelação em liberdade também vai ao encontro do interesse de todos os partidos. Uma atuação mais radical do juiz acirraria ânimos. Um número maior de brasileiros do que aqueles que compõem o terço lulista poderia se dar conta de que chegara a hora de fazer justiça com o próprio voto. Se crimes de valores muito superiores àqueles pelos quais Lula é acusado não impedirem outros políticos de exercer mandatos e, até mesmo, fazer planos para seu futuro eleitoral, é um desfecho provável.
Esta é a razão pela qual até o início da noite de ontem, os três últimos adversários tucanos do PT em eleições presidenciais guardavam silêncio sobre a condenação. A possibilidade de Lula disputar eleições foi bandeira que, muito recentemente, uniu o ex-ministro Nelson Jobim e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agiram como porta-vozes de uma saída que fizesse das urnas a instância de depuração dos achados da Lava-Jato. Centenas de políticos sem o mesmo talento de Lula para a vitimização, ainda esperam poder seguir no vácuo aberto pelo ex-presidente. Se a condenação de Moro se confirmar não poderão fazê-lo e seguirão em companhia dos petistas com os grandes perdedores da sentença.
Solto, Lula corre o risco de se eleger. Preso, ou condenado, pode se transformar no melhor cabo eleitoral do mercado e, principalmente, prejudicar a eleição de muita gente. A nostalgia do ex-presidente nos bolsões cada vez mais amplos de pobreza do país vai levar a uma grande demanda de candidatos por santinhos com o ex-presidente, nem que a pose seja emoldurada por uma grade.
A aprovação da reforma trabalhista na véspera acrescenta um ingrediente ainda mais dramático à condenação do ex-presidente. A mudança que trate de fazer bombar o mercado de trabalho senão o efeito será de bumerangue. O Congresso, mais uma vez, decidiu distribuir desigualmente o custo do ajuste. Colocou nas costas da classe média que ainda tem emprego formal os custos para a retomada do crescimento. Se a "uberização" do mercado não ajudar a incorporar os contingentes de desempregados, tanto estes quando a classe média ferida em seus direitos voltarão a buscar a política para a mediação das relações de trabalho. Quem souber se valer disso e encontrar respostas para um trabalho que se adapte aos novos tempos sem precarizar pode recuperar discurso e eleitor. Foi depois da reforma trabalhista que a esquerda ressurgiu na Espanha, ainda que não pelas mãos da esquerda tradicional.
Não é um cenário imediato, talvez nem mesmo de curto prazo porque o estrago político é gigante, mas tem potencial para devolver a esquerda ao jogo. O preço - deixar o centroavante no banco -, parece alto, mas, ao fim e ao cabo, pode restar como a única alternativa.
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