Com exceção dos próprios envolvidos, além de seus familiares e advogados, não houve decerto quem tenha comemorado a decisão da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro revertendo a prisão de seu presidente, Jorge Picciani (PMDB), e dos deputados estaduais Edson Albertassi e Paulo Melo, do mesmo partido.
Em razão de uma formalidade jurídica, os três parlamentares foram reconduzidos ao presídio de Benfica, cumprindo a determinação da Justiça Federal.
Enquanto não se examina a culpabilidade concreta de Picciani e seus aliados, o episódio de sua frustrada liberação pela assembleia se torna objeto de complexa discussão jurídica no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
É possível impor-se a prisão de um parlamentar? A Constituição só a admite em caso de crimes inafiançáveis cometidos em flagrante –e ainda assim desde que haja autorização por parte da Casa legislativa a que pertence o acusado.
Há uma diferença, entretanto, entre a prisão em flagrante, no caso de crimes de extrema gravidade, e a adoção das chamadas medidas cautelares. Estas consistem, por exemplo, na proibição de manter contato com determinadas pessoas ou de frequentar lugares específicos, podendo culminar no recolhimento a uma penitenciária.
À beira de um grave atrito institucional, o Supremo decidiu em outubro, por 6 votos a 5, que punições aplicadas ao tucano Aécio Neves (MG) deveriam ser submetidas ao aval do Senado.
A mesma lógica deveria valer no caso dos deputados estaduais do Rio de Janeiro –e de seus congêneres no Rio Grande do Norte e no Mato Grosso, onde ocorreram episódios similares. Sem autorização das assembleias, uma prisão preventiva surge como algo estranho ao espírito da Constituição.
Com alguma inventividade jurídica, o STF inclina-se, entretanto, a impor sobre parlamentares regionais a severidade que abandonou no caso de Aécio Neves.
O clamor popular é invocado tacitamente pela maioria que se forma no plenário, de modo a frustrar a óbvia opção dos Legislativos em favor de seus caciques.
Contudo, se uma assembleia protege os seus membros mais suspeitos, é da própria sociedade, em suas manifestações democráticas de repúdio, que se devem esperar iniciativas contra o corporativismo e a impunidade.
O STF, que continua a examinar o tema nos próximos dias, não deve se transformar num substituto iluminado das ações dos cidadãos.
Ou estas existem de fato, ou o tal clamor popular será mera figura de linguagem a justificar um arriscado ativismo do Judiciário. Na imprescindível luta contra a corrupção, o texto constitucional ameaça perder-se, numa espécie de casuísmo "do bem".
Se há boas razões para que se reexamine o alcance das imunidades parlamentares e do foro privilegiado, inexistem atalhos virtuosos que contornem o complexo debate legislativo da questão.
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