Entrevista com Edmar Bacha, economista e escritor
Para Bacha, crescimento virá com comércio exterior, e gasto público tem de ser revisto para atender aos mais pobres
Renata Agostini | O Estado de S.Paulo
Um dos formuladores do Plano Real, o economista Edmar Bacha defende que o próximo presidente anuncie um amplo programa de integração do País ao mundo, que precipite medidas para reduzir o custo Brasil e aumentar a produtividade. Além de acordos comerciais, o programa incluiria menos restrições à atuação de bancos estrangeiros, reforma no sistema tributário e concessões de infraestrutura. “Para nos abrirmos ao comércio exterior, teremos de nos preparar do ponto de vista tributário, educacional, de infraestrutura. Será o grande indutor do crescimento”, disse ao Estado.
Bacha defendeu mudanças nas regras do funcionalismo, com o fim da estabilidade ou possibilidade de corte nos salários, e restrições ao uso do SUS pelos mais ricos. Ele indicou entusiasmo com a candidatura de Geraldo Alckmin pelo PSDB, seu partido, classificou o PT como o grande adversário da sigla e disse que o discurso de Jair Bolsonaro (PSL) não inspira confiança. “O passado dele o condena”, afirmou.
• Quais medidas devem ser prioridade para o novo governo?
A ideia mãe deve ser a abertura da economia ao comércio exterior. Esse será o grande indutor do crescimento e das demais reformas que o País necessita. Para se abrir ao comércio exterior, teremos de estar preparados do ponto de vista tributário, educacional, de infraestrutura. Precisamos pensar em medidas que induzam ou forcem a adoção de outras. Ao expor nossas empresas à concorrência internacional e forçá-las a serem eficientes para sobreviver, criaremos foco no custo Brasil. A abertura é a mãe de todas as reformas.
• Como promover a abertura?
Há medidas que podem vir agora, como acordo comercial do Mercosul com a União Europeia e entrada do Brasil na OCDE. Minha proposta é que o presidente eleito anuncie um amplo programa de integração do Brasil ao mundo com base nos pilares: redução do custo Brasil – com foco na reforma tributária e nas concessões da infraestrutura –, acordos comerciais e redução da proteção propiciada por medidas protecionistas, como requisitos de conteúdo nacional e impedimentos da atuação de bancos estrangeiros no País, compensada por taxa de câmbio competitiva. O objetivo é assegurar que exportação e importação cresçam fortemente e em paralelo, propiciando aumento da produtividade.
• A postura protecionista de Donald Trump atrapalha?
Tudo indica que os movimentos se dirigem primordialmente à China. Tanto assim que Argentina, Brasil, Canadá, Japão, México, União Europeia obtiveram isenção temporária das tarifas de alumínio e aço. A Coreia do Sul obteve isenção permanente. A China reagiu com precaução, indicando não se tratar de guerra comercial, mas de movimentos táticos entre as duas maiores potências mundiais. Nada disso afeta o projeto de abertura do Brasil.
• Por que o Brasil tem dificuldade de realizar a abertura?
Embora os economistas estejam convencidos de que comércio é bom, é muito difícil explicar isso aos políticos. Para eles, bom é exportar e ruim é importar. Proteger o mercado interno tem um apelo extraordinário. Mas tanto a teoria econômica quanto a experiência histórica nos ensinam de maneira cabal a importância de termos um comércio relativamente livre para beneficiar o crescimento.
• Temos um problema fiscal a ser enfrentado. O que fazer?
Há certa falta de foco. O problema não é a regra de ouro, por exemplo, mas encontrar um caminho para resolver o problema da regra de ouro. Temos de pensar quais mudanças temos de fazer para abrir espaço no orçamento para que haja investimento – diretamente pelo governo ou pelos instrumentos de garantia através de parceria público e privada. A resposta está na desvinculação de receitas. As receitas já vêm pré-amarradas. Temos de dar mais flexibilidade. Outro problema é que o governo, quando se vê com excesso de gasto com funcionalismo, não tem como resolver diante da norma constitucional da irredutibilidade dos salários nominais e a garantia de emprego dos funcionários públicos. Isso precisa ser resolvido: ou permitir que salários sejam reduzidos ou que possam ser demitidos quando se tornarem ociosos, desnecessários ou excessivamente custosos.
• O sr. criticou muito a postura do PSDB no ano passado, em especial em relação à reforma da Previdência. Apoiará a sigla?
Agora está claro que marcharemos sob o símbolo da defesa do legado do Fernando Henrique Cardoso e do prosseguimento da política de reformas implementadas naquele governo. Geraldo Alckmin está completamente comprometido com isso. Tanto que o principal assessor econômico dele se chama Persio Arida. Existe algo melhor para caracterizar a firmeza de seus propósitos com a política de reformas? Existe igual e se chama Arminio Fraga. Ele também estará (no grupo que formatará o programa). Irei contribuir. Outros também virão a seu tempo.
• E do lado ético?
Felizmente, quem está com problema com Lava Jato não está sendo endeusado no PSDB, ao contrário do que acontece com o PT. Aécio Neves foi alijado da presidência, está cuidando da sua vida. As pessoas dizem que deviam ter expulsado. Eu até poderia ter gostado disso, mas temos que relativizar na política. O PSDB endereçou a questão muito melhor que o PT, que é nosso grande adversário. Alckmin não está só comprometido com a agenda econômica. Ele é um homem que não tem um tostão a mais do que quando entrou na política. E tem experiência administrativa exitosa.
• O sr. citou o PT como grande adversário. Também será nesta eleição? Ou será Jair Bolsonaro?
Fico contente de finalmente termos uma direita assumida como adversária. O PSDB foi jogado na direita por oposição ao PT, mas sempre teve a questão social como ponto fundamental de sua atuação política e a ênfase na questão redistributiva. Nós fizemos reforma na educação com o Bolsa Escola, que é o embrião do Bolsa Família. Fizemos o Plano Real, que beneficiou fundamentalmente a classe assalariada.
• Na pauta econômica, há aproximação com o projeto de direita?
É muito difícil saber por que o Bolsonaro aparece como uma espécie de Trump. Não se sabe no que acredita, o que fará em relação ao que está dizendo. O passado dele o condena. Foi o maior adversário do plano Real. Quando eu estava no governo, toda vez que íamos no mesmo voo para Brasília, ele vinha na fila me xingando e dizia que ia matar o Fernando Henrique. Essa é a figura verdadeira do Bolsonaro, que agora ganhou certo prestígio pela questão premente da segurança. Ele é um homem de uma agenda só. Paulo Guedes é uma diversão lateral, com quem ele tenta abanar as elites.
• O sr. vê mais espaço para se falar em reformas na eleição?
Depende de como se coloca a questão: precisamos de um Estado que sirva ao público e temos de dar exemplos concretos. A política social brasileira é baseada em três princípios constitucionais: universalidade, integralidade e gratuidade. Isso é a seguridade social brasileira. De fato, o que aconteceu com a aplicação desses princípios constitucionais? Nós gastamos uma baba de dinheiro no que chamamos de gasto social e ele vai todo para a classe média ou para a classe mais rica. O SUS tem de ser reservado para os mais pobres. Na educação, a ênfase tem de ser na educação básica.
• O que fazer para aumentar o debate em torno da Previdência?
A questão da equidade é eleitoralmente mais fácil de ser absorvida pelos parlamentares. Se não reformarmos a Previdência, a geração futura não terá dinheiro para se aposentar, a não ser que aumentemos a alíquota de uma maneira extraordinária. A mensagem política tem de ser essa: redirecionar os gastos para os que realmente necessitam.
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