Por André Guilherme Vieira e Ana Cristina Conceição | Valor Econômico
SÃO PAULO - A tragédia do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, que desabou na madrugada de ontem, após ser consumido por um incêndio, foi o fato que marcou o 1º de Maio e mobilizou políticos, presidenciáveis e candidatos ao governo de São Paulo, que se manifestaram em entrevistas coletivas e nas redes sociais.
O presidente Michel Temer, que estava em São Paulo em razão do feriado, visitou rapidamente os escombros do prédio e foi vaiado e xingado por pessoas que estavam no local.
"Eu não poderia deixar de vir aqui, sem embargo dessas manifestações, porque afinal eu estava em São Paulo, e ficaria muito mal eu não comparecer aqui para dar exatamente apoio àqueles que perderam suas casas", disse. Temer afirmou que "serão tomadas providências" para assistir as famílias atingidas, sem detalhar como será a ajuda prometida.
Prefeito de São Paulo até 6 de abril deste ano, quando se desincompatibilizou para disputar o governo do Estado pelo PSDB, João Doria afirmou, durante agenda no interior de São Paulo, que "o prédio foi invadido e parte dessa invasão [foi] financiada e ocupada por uma facção criminosa". Após essa declaração, Doria manifestou no Twitter "toda solidariedade às famílias e moradores do prédio que desabou [ontem] nesta madrugada no centro da capital de São Paulo por conta de um grave incêndio".
O candidato à Presidência pelo PSC, Paulo Rabello de Castro, comparou o desabamento do prédio à atual situação da República. Ele participou do 1 º de maio promovido pela Força Sindical na Praça Campo de Bagatelle, em São Paulo.
"Não foi só esse prédio em São Paulo que desabou. A república velha toda já desabou. Os partidos políticos estão acabados. As instituições estão corrompidas e corroídas. A Lava-Jato apenas desvendou aquilo que na realidade era uma apenas um grande cupinzeiro, um monte cheio de buraco. Temos que refazer tudo e é a ocasião da gente planejar um novo projeto de nação", disse.
O presidenciável do Psol e coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, gravou um vídeo se solidarizando com as vítimas e se defendendo do que classificou como "acusações" de que o movimento liderado por ele seria o responsável pela ocupação ilegal do Paes de Almeida.
"Ao contrário do que foi dito, essa ocupação não pertence ao MTST, mas sim ao MSLM, que é um movimento que atua no centro de São Paulo", disse.
Ex-prefeito paulistano até 2016 e provável ocupante da chapa presidencial do PT, Fernando Haddad disse que invasões precisam passar por vistorias periódicas.
"Em geral, [essa tarefa] é [feita por] uma soma de forças: Corpo de Bombeiros, Guarda Civil Metropolitana, que entram em acordo com ocupantes para ver a situação. Condições ótimas [de segurança] dificilmente você vai conseguir, mas minimiza muito o risco de acontecer uma tragédia como essa", avaliou.
Já a candidata à Presidência pelo PCdoB, Manuela d'Ávila, postou no Twitter que a tragédia é "uma tristeza enorme" e colocou a culpa pelo desmoronamento na gestão pública. Manuela, Haddad e Boulos participaram do Dia do Trabalhador organizado por centrais sindicais em Curitiba, cidade onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está encarcerado.
Até o fechamento desta edição, os bombeiros tinham confirmado a morte de uma pessoa, mas 45 eram procuradas por já terem pernoitado ou habitado o imóvel, que tinha 24 andares e foi alvo de diversas invasões desde 2012, depois que a Secretaria de Patrimônio da União cedeu o prédio por empréstimo à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O local abrigaria o Instituto de Ciências Jurídicas da entidade, mas o projeto acabou abandonado. O Ministério do Planejamento informou que 400 pessoas estavam cadastradas como ocupantes do edifício, construído entre 1961 e 1968 em uma área de 11 mil metros quadrados e que foi tombado pelo patrimônio histórico municipal em 1992.
O edifício Wilton Paes de Almeida ficava localizado na rua Antonio Godoy, 23, em Santa Ifigênia, pertencia à União desde 2002, estava registrado em nome da Caixa Econômica Federal e abrigou a sede regional da Polícia Federal (PF) por 33 anos, além do gabinete do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nas décadas de 1980 e 1990. Estava cedido à Prefeitura de São Paulo desde outubro de 2017, segundo o governo federal. O Ministério do Planejamento informou, em nota, que o imóvel tinha previsão de ser utilizado para acomodar a Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
O edifício foi projetado para ser a sede da hoje extinta Companhia Comercial Vidros do Brasil. Outras empresas privadas se instalaram no local até que o governo federal tomou posse, em razão de dívidas acumuladas ao longo de décadas.
A simples leitura de documentos públicos sobre a situação do prédio incendiado indica que se tratava de uma tragédia anunciada - dezenas de outras edificações no centro velho de São Paulo se encontram em situação similar. A prefeitura contabilizou ao menos 70 prédios ocupados na região central, em que vivem cerca de 4 mil famílias, segundo o órgão.
Na prática, o edifício Paes de Almeida era uma bomba-relógio: ao menos quatro de seus 24 andares estavam repletos de entulho e material orgânico dispensado pelos habitantes do prédio, que também se acomodavam de forma improvisada. Segundo a prefeitura, os moradores do edifício eram obrigados a pagar uma mensalidade de R$ 400 a um grupo de pessoas que lidera e coordena as invasões.
"[O prédio] tinha elevadores que foram retirados. Então, esses dutos de ar que havia no meio, pelo fosso do elevador, eles acabam formando uma chaminé. E tinha muito material combustível: madeira, papel, papelão, que fizeram o fogo se propagar com rapidez", explicou o capitão Marcos Palumbo, porta-voz do Corpo de Bombeiros de São Paulo.
Segundo os bombeiros, relatos de moradores apontam que o fogo começou no 5º andar por volta da 1h30min. O desabamento ocorreu pouco antes das 3h e será investigado pela Polícia Civil. O fogo teria começado após a discussão de um casal que usava álcool líquido para cozinhar.
Em 2015, o morador de um prédio na Rua Antônio de Godoy, 35, Rogério Baleki, entregou representação ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) em que alertava para "invasão de prédio e segurança em edificação". Em 24 de novembro daquele ano, o promotor de Habitação Reynaldo Mapelli Júnior determinou abertura de inquérito civil para apurar o caso.
No entanto, em março deste ano o promotor Marcus Vinicius Monteiro dos Santos determinou o arquivamento da investigação. Procurado, o MP-SP informou que ele não se pronunciaria sobre o caso e divulgou uma nota.
O comunicado diz que, "ao longo de dois anos e sete meses de investigação", a Defesa Civil de São Paulo e a Secretaria Especial de Licenciamentos informaram que, "a despeito do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros estar vencido, não havia risco concreto que demandasse sua interdição".
O MP-SP disse ainda, que as investigações serão reabertas. (Colaboraram Marta Watanabe, de São Paulo, e Rafael Moro Martins e Cristiane Agostine, de Curitiba)
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