quarta-feira, 2 de maio de 2018

Estragos de depreciação do dólar são hoje menores: Editorial | Valor Econômico

A desvalorização acelerada do real está respondendo mais aos fatores externos que ao cenário doméstico. O motor da depreciação, que atinge todas as moedas emergentes, é a perspectiva de um aumento mais rápido dos juros nos Estados Unidos, diante de uma possível aceleração da inflação. É um efeito do avanço da normalização monetária após uma década de estímulos monetários gigantescos. Como os EUA estão mais avançados nesse processo, o dólar tende a se valorizar mais do que as outras moedas e o real a se desvalorizar mais, em razão de sua liquidez e do tamanho de seu mercado de derivativos.

A depreciação decerto não ajuda os investimentos, já que a importação é uma das fontes mais importantes de suprimentos de bens de capital, que encarecem com o real mais fraco. Trata-se de uma dificuldade adicional. Os investimentos fraquejam e não deslanchariam mesmo na ausência do avanço do dólar, até que boa parte da capacidade ociosa seja ocupada e que um novo presidente tenha sido eleito em outubro. Não se deve menosprezar também o efeito do dólar sobre as expectativas, às quais adiciona mais uma incerteza nas que já existem sobre o ritmo de expansão decepcionante da economia e sobre a possibilidade de um candidato reformista vencer as eleições.

É difícil saber qual é o fôlego da arrancada do dólar, pois ao empurrão externo dado logo sucederá o acirramento da campanha eleitoral, cujo início não tem dado sinais favoráveis aos chamados candidatos de centro. E desse fôlego depende também a mudança dos preços relativos da economia, com estímulo mais ou menos forte à inflação e às exportações e desestímulo às importações, em favor da produção doméstica.

Com o dólar na casa dos R$ 3,40, a taxa de câmbio deflacionada pelo IPCA - apesar de ter avançado 11,3% em março em relação a março de 2017 - estaria em equilíbrio, tomando-se como ponto de partida junho de 1994, ou seja, nada que pudesse sugerir uma comoção. Deflacionando-se a taxa pelo IPA-DI, que mostra variação efetiva em 12 meses de 15,8%, o câmbio ainda encontra-se um pouco apreciado em relação a 1994.

O que é possível dizer com certeza é que, a menos que ocorra um derretimento muito forte do real, o que não está em nenhum cenário, arrancadas do dólar hoje preocupam muito menos do que no passado. A vulnerabilidade externa do país é uma sombra do que já foi, mesmo levando-se em conta a proximidade de eleições presidenciais com elevado grau de incerteza.

O estrago maior de uma mudança de patamar da taxa de câmbio e sua posterior estabilização - o que hoje não é certo - ocorreria sobre a inflação. Mas hoje o IPCA está abaixo do piso do sistema de metas e há uma folga importante para acomodações antes de que a arma de sempre, a alta dos juros, seja acionada. Na eleição de 1989 o país estava em hiperinflação (1.764,8%), em 1994 a mesma coisa (916,4%), ela estava baixa em 1998 (1,6%), preocupante em 2002 (12%) e perto de estourar o teto da meta em 2014 (6,41%). A expectativa para o fechamento de 2018 é de um IPCA de 3,49% (boletim Focus).

As reservas internacionais somam US$ 381,9 bilhões, suficientes para enfrentar um bom vendaval cambial. Com um detalhe favorável: com a diminuição considerável da taxa de juro interna e a alta dela nos EUA, seu custo de carregamento desabou. Esse custo chegou a algo como 13% em dezembro de 2016, ou 2,5% do PIB, e hoje está muito abaixo disso. Mais de 85% do total está aplicado em títulos do Tesouro americano e sua rentabilidade vem aumentando com a elevação comandada pelo Fed. As reservas tiveram retorno de 2,27% em dólar em 2017. A Selic deve cair a 6,25% em maio. Ou seja, há espaço menos custoso para intervenções cambiais em qualquer direção. Além disso, não só o Brasil se manteve credor em dólares, como também o setor privado o é, possuindo mais ativos que passivos na moeda americana (Alexandre Schwartsman, Folha de S. Paulo, 24 de abril).

Com câmbio flutuante, reservas enormes, superávit recorde na balança comercial, déficit pequeno em conta corrente e bom ingresso de investimentos diretos, o Brasil não tem um problema externo - mas como sempre o teve no passado, os saltos do dólar sempre preocupam. A campanha eleitoral pode jogá-lo nas alturas, mas esse é o próximo capítulo de um cenário até agora tranquilo.

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