O presidente Jair Bolsonaro perde tempo e capital político com extravagâncias, mas seu governo será testado de fato pelo desempenho no Congresso, a começar pela votação da principal reforma de sua fase inaugural, a da previdência. Como o trunfo eleitoral está ficando distante no tempo, e será apagado dos cálculos políticos se o governo continuar demonstrando mistura tóxica de extremismo ideológico e falta de interlocução, será determinante construir pontes com o Congresso. Até agora, não parece ainda haver nenhuma, apesar das mesuras de praxe ao Legislativo.
O caminho natural de acerto político começa pela formação do ministério. É da democracia que partidos políticos aliados detenham uma parcela do poder, mas acertos escusos demonizaram a prática e os políticos. Bolsonaro (PSL-RJ) colocou o fim dessas barganhas como centro de sua campanha eleitoral, tornando seu quase inexistente partido na maior força do Congresso, ao lado do PT (ambos com 54 deputados). O presidente cumpriu a promessa, e isso tem um custo.
Bolsonaro compôs o ministério com alguns integrantes de bancadas temáticas (caso da Agricultura e da pasta de Mulher, Família e Direitos Humanos), um número razoável de nomeações "técnicas" para a infraestrutura desmembrada, entre as quais vários militares da reserva e, por fim, franco atiradores ideológicos sem partido (caso da Educação e Relações Exteriores). O peso político desse time no Congresso é pequeno. O partido mais presente nessa composição, o DEM, com três ministros, inclusive o da coordenação política, não é aliado incondicional do governo nem indicou os nomeados. Apenas Fernando Collor, desde a redemocratização, governou sem fatiar muito seu ministério com partidos e seu PRN era inexpressivo como o PSL antes das urnas. Collor não terminou o mandato, mas não por ter feito um "governo técnico".
Em geral, todos os partidos perderam poder com a ascensão de Bolsonaro, em termos de influência sobre destinação de recursos, controle de grandes orçamentos e influência sobre regulações. O vencedor, o novato PSL, ainda é um ajuntamento sem identidade própria, fora o antipetismo.
Houve de fato um rompimento com os modos e costumes da política na redemocratização, resta saber se ele sobreviverá. Algumas legendas perderam mais que outras. Um trabalho do Ipea, de Noëlle da Silva e Sheila Barbosa (textos para discussão 2453) ajuda a fazer a contabilidade de perdas e danos. O MDB é o caso mais óbvio. Participou de todos os governos e controlou ao longo do tempo os ministérios da Infraestrutura, exercendo sua maior influência no segundo governo Lula, quando ocupou seis ministérios.
À medida que crescia o número de partidos e as tarefas de Estado, cresciam as coalizões e a quantidade de legendas nos ministérios. A partir de Lula, a área social foi multiplicada com pastas com status ministerial, mas o poder aí ficou todo concentrado no PT. Até Lula, o PFL, hoje DEM, se aventurou pela área social (Meio Ambiente) e Infraestrutura. No atual governo tem a Saúde e a Agricultura.
Na coalizão ônibus que a ex-presidente Dilma Rousseff montou, encontram-se outros que deixaram de deter nacos do poder como o PR, (que dominou Transportes), PP (Cidades) e PSB (Integração Nacional). O PSDB, que tradicionalmente ocupou cargos em setores do governo da área econômica e da coordenação política, ficou a ver navios. O PSD de Kassab participou dos dois governos anteriores e também não tem cargos.
Se a conta que o governo faz de seu apoio leva em conta simpatias e afinidades com a plataforma econômica do governo, ela pode chegar aos 308 votos necessários para aprovar a reforma da previdência, mas a tarefa não será fácil. Basta contar os partidos fisiológicos - há 139 parlamentares que, em tese, não sabem ou não querem fazer política de outro jeito e que não se comovem com a plataforma liberal. São: PP, 37 deputados, terceira maior bancada, MDB, com 34, quarta maior, PSD, com 35, a quinta e PR, com 33, a sexta. Se a eles se somarem os 140 deputados de oposição nota-se que, dependendo do manejo dos partidos fisiológicos, o apoio parlamentar à reforma pode não ser suficiente.
É possível testar os limites da tradição e tentar um novo relacionamento. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, disse que Bolsonaro complica as coisas ao menosprezar os políticos. Depende do Planalto convencê-los a apoiar o governo, ao mostrar que tem rumo certo, programa claro e que se dispõe a realizar composições honestas. Não se vê isso até agora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário