- Valor Econômico
Para BC, importa a percepção sobre o equilíbrio fiscal
Uma boa parte do mercado financeiro acredita que a reforma da Previdência vai determinar o rumo da política monetária. Para muitos, com o bom encaminhamento do projeto, o Banco Central poderá finalmente cortar os juros para estimular a fraca economia.
Sem ignorar a importância da reforma, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC nunca vinculou os passos da política monetária a eventos específicos do calendário político. O que importa é algo mais subjetivo: como a inflação será afetada pelas expectativas dos mercados sobre o encaminhamento das reformas necessárias à solvência fiscal.
O que interessa saber, portanto, é se os mercados estarão seguros de que os desequilíbrios fiscais estão sendo de fato equacionados, uma vez aprovado o projeto de reforma da Previdência. E como isso afeta atividade e inflação
A reforma da Previdência é uma condição necessária, mas não suficiente, para o equilíbrio fiscal. Foi o que reconheceu, na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em evento do banco BTG Pactual em Nova York. Mesmo com o ajuste no sistema de aposentadorias e pensões, o cumprimento do teto constitucional de gasto público não está garantido, e o país poderá caminhar em direção ao que chamou de "colapso social".
Maia esclareceu, em entrevista ao Valor, que não estava pregando um afrouxamento do teto de gastos, mas enfatizando que a agenda de reforma fiscal terá que ter continuidade depois da aprovação da reforma da Previdência. Ele citou a desvinculação de gastos obrigatórios do Orçamento e uma reforma administrativa para reinar sobre as despesas com o funcionalismo.
A Instituição Fiscal independente (IFI), que em pouco tempo se firmou como uma fonte confiável de dados e análises técnicas na área, divulgou na semana passada as suas primeiras projeções para a evolução das contas fiscais já levando em conta a economia nos gastos prevista com a aprovação da reforma da Previdência. A conclusão: será preciso ir além para garantir a solvência do setor público.
A IFI calcula que, para recuperar a sustentabilidade da dívida bruta, que chegou a 78,4% do Produto Interno Bruto (PIB), será preciso um superávit primário de 1,7% do PIB. O ajuste fiscal necessário, portanto, é de 3,3 pontos percentuais do PIB, considerando que hoje temos um déficit primário de 1,6% do PIB. Pelas projeções do IFI, o déficit primários seria zerado apenas entre 2025 e 2026 e, nos anos seguintes, a divida bruta se estabilizaria e começaria a cair.
Esse é cenário-base da IFI, que considera que o governo vai ter uma boa dose de sucesso na aprovação da reforma da Previdência, mantendo 80% da economia do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e 100% dos ganhos no abono salarial. Embora a IFI ainda não tenha concluído uma estimativa para a economia da reforma no setor público, pode-se afirmar que o cenário-base é consistente com o governo manter uma economia de R$ 1 trilhão do R$ 1,23 trilhão da proposta original.
A projeção-base da IFI é, portanto, um tanto otimista, inclusive porque projeta reajustes do salário mínimo apenas pela inflação. Mas, mesmo assim, são grandes as chances de estouro do teto de gastos em 2022. O equilíbrio fiscal só é conquistado, nesses exercícios, devido ao gatilho de medidas que deve ser acionado quando estoura o teto, que inclui a suspensão de reajustes de servidores e de novas contratações.
É uma solução traumática, por isso a própria IFI chama a atenção no relatório para a necessidade de novos ajustes. Como órgão técnico, a IFI não faz considerações sobre as melhores alternativas, mas coloca o cardápio, citando a desvinculação de gastos, aumento de impostos e medidas de aumento de produtividade. "A aprovação da reforma da Previdência é fundamental porque, ao sair do caminho, abre a discussão do que mais fazer para o equilíbrio fiscal", afirma o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, ao Valor.
A aprovação da reforma da Previdência poderá aumentar a confiança dos mercados no equacionamento fiscal. Ajuda muito o fato de Rodrigo Maia declarar que pretende liderar essa agenda de reformas complementares, já que no governo reina o caos político. Mas os humores do mercado serão determinados pelas reais chances de aprovação da nova rodada de reformas.
Christopher Garman, diretor-gerente para as Américas da Eurasia Group, aumentou na sexta-feira de 70% para 80% as chances de aprovação da reforma da Previdência, mas tem muitas dúvidas sobre a capacidade de Maia mobilizar a base para ir além no ajuste das contas públicas. "O Maia está se mostrando um protagonista, mas estou cético de que possa ser um 'driver' do ajuste fiscal", disse ao Valor. "É bem mais difícil politicamente tirar recursos de alguns setores na desvinculação orçamentária, não é uma agenda que ele terá muito respaldo."
Garman, que nas eleições cunhou a expressão quase-reformista para designar um governo Bolsonaro, pela vontade de fazer reformas, mas baixo poder de mobilização no Congresso, considera provável a aprovação do projeto de independência do Banco Central. Mas, ao mesmo tempo, prevê que Maia deverá negociar compensações para Estados e municípios em dificuldades que tenderiam a desagradar a equipe econômica.
Um eventual prolongamento das incertezas poderá ter repercussões desfavoráveis para a economia. Em apresentação na Câmara dos Deputados, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, apresentou um gráfico com evolução dos índices de confiança empresarial e de investimento que ilustra muito bem o dilema diante do Copom. Em geral, esses dois indicadores andam juntos - quando a confiança sobe, os investimentos acompanham o movimento, em seguida.
Desde fins do ano passado, depois que se dissiparam os piores temores dos mercados em relação às eleições, os níveis de confiança começaram a subir. Os investimentos, porém, não reagiram. Há uma rara divergência entre níveis de confiança e investimentos, que não tende a perdurar. Ou os investimentos sobem - este é o cenário central do BC - ou a confiança volta a desabar.
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