- Valor Econômico
Sinais que o BC recebe desde a greve dos caminhoneiros são claros e fazem uma ação sobre os juros mandatória
A atuação da nova diretoria do Banco Central já está sob pressão por conta de sua falta de ação neste início de novo mandato. O Monitor do PIB-FGV recém divulgado aponta, na série com ajuste sazonal, retração do PIB no primeiro trimestre, em comparação ao último trimestre do ano passado (- 0,1%) e, na comparação interanual, a atividade econômica cresceu no trimestre 0,5%, mas caiu 1,7% no mês.
Para uma sociedade asfixiada por uma taxa de desemprego inaceitável e um desânimo deletério que domina os empresários, a notícia da volta da recessão não faz bem a ninguém. Como sempre os investidores em ações nas Bolsas de Valores foram os mais rápidos e corrigiram em quase 10% os preços das principais ações negociadas na B3. Mas outros setores já responderam também a esta má noticia, como mostra o índice de confiança do consumidor da Fecomércio com uma queda de mais de 3% em abril.
Meu irmão Jose Roberto fez um comentário pessimista - mas totalmente pertinente - sobre a situação de hoje ao dizer que o espirito animal dos empresários - como dizia Keynes muito tempo atrás - toma um terceiro tombo em apenas dois anos. Ele se referia ao início da recuperação cíclica, em meados de 2017, e que foi violentamente abortada pelas delações da JBS e a um outro espasmo de crescimento, em 2018, jogado novamente ao chão pela greve dos caminhoneiros. Agora, outro momento da volta do espírito animal que se deu após a vitória de Bolsonaro nas eleições presidenciais - e principalmente com a chegada de Paulo Guedes ao comando da economia - chega ao fim com o retorno da recessão econômica.
O risco desta nova decepção é o de criar um desânimo nos empresários e consumidores de uma forma mais profunda e perene. O economista Carlos Kawall revelou em entrevista recente que é possível que o brasileiro médio esteja aumentando sua taxa de poupança pessoal, talvez em função do desânimo de nova recidiva no crescimento. Se isto acontecer, realmente podemos nos preparar para dias ainda mais difíceis ao longo do restante do ano.
Um dos culpados pela volta da recessão terá sido a própria equipe do Ministério da Fazenda que, na ânsia de promover uma verdadeira revolução liberal na nossa sociedade, negligenciou a gestão de curto prazo da economia. Lembro-me de ter acompanhado os discursos de posse dos presidentes dos três bancos públicos, em que colocavam como primeira prioridade reduzir o tamanho de suas instituições, corrigindo os erros primários cometidos nos governos Lula e Dilma.
Minha reação diante disto foi a de certo espanto, pois o movimento seria corrigir um erro cometendo outro, ou seja, reduzir a oferta de crédito destas instituições - que representam 50% do total do sistema bancário - em um momento em que a recessão já rondava nossa economia. Os bancos privados também trouxeram sua contribuição a este cenário ao absorver em seus spreads a totalidade da redução da taxa Selic, como mostram as estatísticas do Banco Central.
Paralelamente ao arrocho dos bancos públicos o Ministério da Economia iniciou uma série de contingenciamentos nos gastos discricionários do orçamento para compensar a redução da arrecadação gerada pela queda da atividade e criando um conhecido "looping" deflacionário pelo lado fiscal. Nas contas fiscais que podem ser administradas pelo governo temos um superávit crescente, que já vinha sendo perseguido nos últimos meses do governo Temer, e continuou agora.
Finalmente, completando este quadro de inércia em relação à atividade econômica que se enfraquecia, o Banco Central deixou de cumprir seu mandato de um sistema de metas de inflação ao vincular um eventual estímulo monetário à aprovação definitiva da reforma da Previdência e à diminuição de outros riscos fora de nossa fronteira. E afirmo que o BC não está cumprindo o charter associado a um sistema clássico de metas de inflação desde que a greve dos caminhoneiros interrompeu a pequena recuperação cíclica em 2018. O hiato do produto que prevaleceu nos últimos meses pede o afrouxamento das condições monetárias com inflação ancorada nos próximos dois anos no centro da meta do Banco Central.
Basta acompanhar a ação de outros bancos centrais, que seguem o modelo de sistema de metas de inflação, em situação semelhante para identificar esta forma de agir. Com o enfraquecimento progressivo dos indicadores antecedentes de inflação à disposição da autoridade monetária, o estágio do ciclo econômico de curto prazo é que passou a servir como orientador do afrouxamento ou aperto das condições monetárias de uma economia de mercado como a nossa. E os sinais que o BC vem recebendo desde a greve dos caminhoneiros são claros e fazem uma ação sobre os juros mandatória.
Mas a memória inflacionária de um passado que não existe mais criou no BC brasileiro uma mentalidade catatônica em relação a uma ação compatível com a posição do ciclo econômico. Para usar uma expressão popular, o uso do cachimbo da inflação por muitas décadas fez a boca torta quando se trata de uma ação anticíclica de afrouxamento monetário. Esta posição ficou bem clara na declaração do novo presidente da instituição quando disse para quem quisesse ouvir que "o Banco Central não age olhando o crescimento econômico".
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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