Procuradores
da força-tarefa nunca ligaram para ideais, e sim para busca pelo poder
Danton
fez a Convenção fundar o Tribunal Criminal Extraordinário em março de 1793. Um
ano depois, sob o Terror jacobino que ajudou a implantar, acusado de
enriquecimento ilícito, foi submetido a uma encenação judicial e executado na
guilhotina. Moro
e sua camarilha de procuradores não terão o destino do revolucionário
francês, mas merecem sentar no banco dos réus.
Moro,
um juiz que sonhou ser presidente, é o elemento passageiro. Mais perene é o
caldo de cultura no qual surgiu a força-tarefa. No seu voto, Gilmar
Mendes acertou ao indicar que o timão da Lava Jato foi comandado por uma
panelinha de procuradores dispostos a usar a lei como subterfúgio para
alavancar um projeto político. Aí é que entra a figura de Danton.
Paralelos têm limites. Danton viveu e morreu por seus ideais. No meio do caminho, descobriu que parira um monstro e tentou domá-lo, mas já era tarde. Os procuradores da força-tarefa nunca ligaram para ideais, preferindo cavalgá-los em benefício de suas carreiras e, sobretudo, da busca pelo poder. São Dantons de araque, personagens de uma pantomima, não de uma tragédia. Mesmo assim, o paralelo ilumina algo relevante.
Nosso
Ministério Público foi criado como uma espécie de Comitê de Salvação Pública.
Na moldura desse poder estatal sem clara delimitação de função e sem controle
externo, jovens procuradores nutriram-se da crença na reforma do mundo pela
interpretação voluntarista dos códigos legais. O Brasil seria salvo por fora da
política, essa lagoa de dejetos imundos, graças à ação obstinada de
funcionários de Estado armados com a prerrogativa de investigar e acusar. A
força-tarefa foi o fruto maduro da árvore do jacobinismo judicial.
A
Lava Jato começou iluminando as vastas teias corruptas que ligam a elite
política ao meio empresarial, mas degenerou no projeto de implodir o sistema
político para
conduzir um juiz ao posto mais alto da República. No trajeto, borrou a
fronteira que separa os atos de processar e julgar, pisoteou as garantias dos
réus, transformou-se em ator político e arrastou o STF para a lama.
Xi
Jinping cimentou seu poder absoluto por meio de uma campanha anticorrupção no
interior do Estado-Partido. Putin manipula tribunais amestrados para perseguir
supostos corruptos. Só estúpidos acreditam que os fins justificam os meios. O
sequestro político do sistema de Justiça seleciona e pune corruptos
convenientes, junto com inocentes cuja culpa é fazer oposição, enquanto
autoriza a corrupção dos cortesãos. No Estado de Direito, o produto final do
jacobinismo judicial é a anulação de investigações e o triunfo da impunidade.
Os procuradores que pintaram o sete não têm o direito de atribuir a outros a
responsabilidade pelo melancólico desfecho.
Falta-lhes
direito, sobra-lhes cara de pau. Aqui,
em meados de 2017, critiquei as inclinações jacobinas do Partido dos
Procuradores. Carlos
Fernando Lima, decano da força-tarefa, retrucou identificando no meu texto
a maléfica intenção oculta de proteger "a indecorosa festa desses
vampiros". Pouco depois, à provecta idade de 55, aposentou-se com
proventos integrais, atravessou a porta giratória e foi advogar na área de
compliance para clientes que temem cair nas garras de seus camaradas
procuradores.
A postagem do heroico combatente incluía uma citação de Danton e, à sorrelfa, a tese de que o Terror assegurou a vitória final dos altos ideais da Revolução Francesa. Não conseguiremos circunscrever a corrupção às franjas do sistema político sem extirpar a cultura salvacionista que impregna o Ministério Público, separando as esferas da Justiça e da política. A cabeça de Danton rolou na guilhotina no 17 do Germinal do Ano II. Um futuro processo de Moro e dos procuradores deve ser justo e imparcial, porque isso é o certo e para ensinar-lhes a lição jurídica que não aprenderam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário