sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Armando Castelar Pinheiro - Tendências na política de comércio exterior

Valor Econômico

Não deixa de ser estranho que, 100 anos depois, o mundo caminhe para políticas que lembram bastante o que se viu no entre guerras

A busca de um comércio internacional mais livre foi um dos principais marcos das discussões de política econômica no século XX. Essa busca começou ainda no período entre as duas Grandes Guerras, tentando reverter o forte protecionismo adotado pela maioria dos países em resposta ao quadro recessivo de então. Como logo ficaria claro - por exemplo, no fracasso da Conferência Monetária e Econômica Mundial de 1933 - esse seria um desafio bem maior do que inicialmente pensado, pela dificuldade, de um lado, de convencer os atores políticos e, de outro, de negociar tarifas individuais para produtos específicos, em que a competitividade dos países era bem diferente.

Esse processo se acelerou após a Segunda Grande Guerra, primeiro com a conferência de Bretton Woods, em 1944, de onde se originaram o FMI e o Banco Mundial, assim como as regras que governariam o sistema monetário internacional nas décadas seguintes, e, em 1947, com a assinatura do Acordo Geral de Comércio e Tarifas (GATT, na sigla em inglês). Os Estados Unidos exerceram uma liderança importante nesse processo, refletindo sua vantagem comparativa na produção de bens manufaturados, a situação econômica favorável com que saiu da guerra e os seus interesses geopolíticos, em especial de conter a expansão do comunismo, o que em algumas situações fez o país aceitar acordos que de outra forma rejeitaria.

Outras rodadas de negociação viriam ao longo dos anos, culminando com o estabelecimento da Organização Mundial do Comércio, no início de 1995. Ajudou bastante nessa fase a popularidade de políticas econômicas mais liberais, que viria com a dissolução do bloco soviético e o abandono do comunismo, com a maioria dos países reduzindo a influência do Estado na alocação de recursos na economia. O Brasil, com seu programa de abertura comercial no final dos anos 1980 e, principalmente, no início dos anos 1990, é um bom exemplo do que ocorreu nessa fase.

Se os EUA impuserem novas barreiras às importações, isso reduzirá o crescimento na Europa e na China

Não foi, porém, um processo isento de críticas. Em especial, ele é visto como tendo favorecido as economias avançadas, focando em liberalizar o comércio de bens manufaturados, em que estas eram mais competitivas. Mas isso tem mudado nos últimos anos, conforme a vantagem comparativa na produção de manufaturados passou, em grande parte, para os países emergentes, em especial a China. É interessante observar, nesse sentido, que entre 2000 e 2023 o volume de exportações dos emergentes cresceu em média 5,4% ao ano, contra 3,1% ao ano para as economias avançadas. Entre 1980 e 2000, essas taxas haviam sido de 5,7% e 6,8% ao ano, respectivamente.

Essa é parte da explicação para as políticas comerciais mais protecionistas que vêm sendo adotadas em algumas economias avançadas, como os Estados Unidos. Em especial, Donald Trump tem prometido que, se for reeleito presidente, irá elevar as tarifas sobre as importações americanas, particularmente as vindas da China, promovendo um significativo programa de (re)industrialização via substituição de importações, um objetivo também perseguido pelo atual presidente, ainda que focando mais em subsídios aos investimentos.

Três fatores principais parecem motivar essa postura. Um, de caráter mais geopolítico, é o desejo de reduzir a integração econômica entre os Estados Unidos e a China. Outro, vem da visão de que a indústria é parte da cadeia de defesa nacional. E, um terceiro, é o potencial de votos que podem vir de políticas voltadas a gerar empregos nos Estados do Meio Oeste americano, que tendem a ganhar com essas políticas.

Há sérias dúvidas de se os Estados Unidos serão bem sucedidos nessas políticas. A visão dominante é que a proteção tarifária, junto com os estímulos fiscais, irá resultar em apreciação cambial, o que reduziria a competitividade americana. Os Estados Unidos poderiam pressionar para haver um esforço coordenado com outros países para depreciar o dólar, como nos anos 1980. Mas dificilmente teria sucesso, dado o gigantesco volume de recursos que seriam necessários para promover uma desvalorização suficiente do dólar. Algo assim só seria possível se o dólar deixasse de ser a moeda dominante nas transações comerciais e financeiras internacionais, o que dificilmente valeria à pena para os Estados Unidos.

Não obstante, se os EUA impuserem novas barreiras às importações, isso reduzirá o crescimento tanto na Europa como na China. Esta, em especial, tem dependido significativamente do aumento das suas exportações para crescer, em um quadro de baixa expansão da demanda doméstica. É um risco relevante, visto que nos últimos anos a China embarcou em um programa de elevados investimentos na produção de manufaturados, com foco em produtos intensivos em tecnologia, uma iniciativa que pode gerar elevada capacidade ociosa, na ausência de um crescimento mais forte das exportações.

Não deixa de ser estranho que, um século depois, o mundo esteja caminhando para políticas comerciais e cambiais que lembram bastante, ainda que com menos intensidade, o que se viu no entre guerras. É torcer para que o bom senso - e o internacionalismo - prevaleça antes que haja, como então, um impacto mais forte sobre a saúde da economia mundial.

 

Um comentário:

Mais um amador disse...

" A indústria é parte da cadeia de defesa nacional. "

😏😏😏