sexta-feira, 9 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil precisa denunciar repressão na Venezuela

O Globo

Presença de inspetores internacionais de direitos humanos é urgente para coibir número escandaloso de abusos

O governo brasileiro tem mantido postura tímida diante de inaceitáveis 25 mortes e 1.229 prisões na Venezuela desde a fraude ocorrida nas eleições presidenciais. Em comunicado conjunto ontem, Brasil, Colômbia e México pediram que as forças de segurança garantam o direito à manifestação e respeitem os direitos humanos. Isso é pouco. Faltam declarações contundentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a onda de violência patrocinada por Nicolás Maduro, seguidas de pressão para que o governo venezuelano abra o país a inspetores de direitos humanos estrangeiros. Em reunião ministerial, Lula preferiu destacar as “celeumas” que tem enfrentado para achar uma solução pacífica. Enquanto se busca uma mediação entre o regime e a oposição, a polícia não pode ter carta branca para massacrar o próprio povo.

Nos últimos 11 dias, as forças de segurança intensificaram a perseguição a opositores. A novidade desta vez é a opressão aos segmentos mais pobres da população. Pelas estimativas do Programa Venezuelano de Educação Ação em Direitos Humanos (Provea), oito em dez detidos são da base da pirâmide social. Líderes comunitários nas favelas têm sido um dos alvos. Vencido pela vontade popular, Maduro apela mais uma vez à repressão.

Figuras fortes do regime estão se alternando em manifestações que deixam claro o pouco-caso com os direitos humanos e as próprias leis do país. Ao pedir ao Ministério Público que prendesse a principal voz da oposição, María Corina Machado, o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, disse que não se poderia dar a ela benefícios processuais. O líder chavista Diosdado Cabello foi mais direto no Parlamento: “Vamos ferrar com eles”.

A lista de abusos do chavismo é longa. Em julho de 2023, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos reclamou do “atraso prolongado” de autoridades na investigação de mortes. De 2014 a 2019, 101 foram confirmadas. Desse total, apenas oito tinham resultado em julgamento até a data. Não é sem motivo que a Venezuela continue sendo investigada no Tribunal Penal Internacional.

Ao GLOBO, María Corina reconheceu o esforço do Brasil na busca por mediação e agradeceu ao presidente Lula por ter assumido a custódia da embaixada argentina em Caracas, onde estão seis de seus colaboradores. Na mesma entrevista, ela denunciou a violência do governo: “Os países envolvidos na questão venezuelana devem dizer que esta repressão é inadmissível e deve parar. Deve parar antes de qualquer negociação”.

Pela relação próxima entre Lula e Maduro, o Brasil tem grande poder de influência. “Três países têm se destacado pelo apoio ao regime chavista. Por razões óbvias, China e Rússia não farão nada para defender os direitos humanos. O Brasil é o único com chances de segurar a escalada da violência”, diz Matias Spektor, professor de relações internacionais na Fundação Getulio Vargas (FGV). Em entrevista ao programa Estúdio i, da GloboNews, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, disse temer uma guerra civil na Venezuela. A guerra aos oposicionistas já começou.

Mudança no financiamento do Minha Casa desperta preocupação

O Globo

Ao diminuir atratividade de imóveis usados, governo incentiva construção de novos nas periferias

O governo federal decidiu restringir o financiamento de imóveis usados na faixa 3 do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que contempla famílias com renda entre R$ 4,4 mil e R$ 8 mil. Atualmente, a parcela do empréstimo varia de 70% a 75% do valor do imóvel no Sul e no Sudeste. Deve baixar para 50%. O governo também reduziu de R$ 350 mil para R$ 270 mil o limite para o usado. A ideia é que haja mais recursos para unidades novas destinadas às faixas de menor renda.

O argumento é que a parcela de imóveis usados no volume total de recursos do programa cresceu demasiadamente. De 7% em 2022 para 24% em 2024, segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção. No mês passado, representantes do governo no Conselho Curador do FGTS já haviam se comprometido a adotar a medida.

A expectativa é que, com as restrições, o percentual caia para 19% neste ano e 14% em 2025. O setor da construção civil tem batido na tecla de que o investimento em imóveis novos gera empregos e impulsiona a arrecadação do FGTS.

Embora a geração de empregos e o aquecimento do mercado sejam pontos importantes a serem considerados, há outras questões que precisam ser levadas em conta, mas infelizmente estão sendo desprezadas pelo governo. O incentivo à construção de novas unidades para as faixas de menor renda certamente terá impacto nas políticas urbanas. Construídas em regiões com infraestrutura precária, exigem mais investimentos públicos.

A realidade mostra que a ânsia em instalar o canteiro de obras e as placas que dão visibilidade aos empreendimentos não é acompanhada do mesmo ímpeto para concluir os projetos. Em março deste ano, o governo prometeu retomar os trabalhos em cerca de 40 mil unidades na faixa 1 do MCMV que estavam paralisadas, muitas delas iniciadas em gestões petistas. Em parte delas, o abandono acabou levando à invasão dos imóveis, outro problema a ser resolvido.

Em muitas cidades brasileiras, a pandemia de Covid-19, que estimulou o trabalho remoto, agravou ainda mais um problema que já vinha se acentuando nas últimas décadas, o esvaziamento dos centros urbanos. “A pior coisa para o poder público é cuidar de uma área com infraestrutura ociosa e edifícios degradados, porque o município vai ter de investir sem saber se terá geração de receita”, disse ao GLOBO o arquiteto e urbanista Washington Fajardo.

Regiões que dispõem de boa infraestrutura urbana e opções fartas de transporte ficam às moscas, enquanto as metrópoles se expandem para periferias desprovidas dos serviços mais básicos e acossadas pela violência do crime organizado. As mudanças feitas pelo governo no MCMV dão um empurrão para perpetuar esse contrassenso urbano.

Diminui mais o espaço para despesas livres no orçamento

Valor Econômico

Além de reduzir os subsídios, que sugam 5,7% do PIB, seria necessário realizar uma reforma do orçamento para reduzir as vinculações de forma ampla

Gastos obrigatórios em crescimento, muitos deles vinculados a porções das receitas, asfixiam o orçamento da República a um ponto em que, em futuro próximo, poderá não haver recursos suficientes para cobri-los. O novo regime fiscal, que estabeleceu crescimento real de despesas, dará ao Executivo federal mais R$ 138,3 bilhões para gastar no ano que vem. Deles, apenas R$ 3 bilhões estarão disponíveis para que o Executivo os aloque segundo suas prioridades. O restante estará comprometido com despesas obrigatórias, segundo estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Valor, ontem).

Uma parte do xeque-mate que se avizinha no jogo de xadrez orçamentário decorre das regras fiscais do governo Lula, que estabeleceu sua correção pela inflação do exercício anterior acumulada em 12 meses até junho, mais ganho real de 2,5%. A correção real mínima é de 0,6%, mas o governo tem feito um esforço para aumentar a arrecadação para custear esses gastos. Essas regras fiscais não conversam com a vinculação de duas rubricas enormes de despesas, as de saúde (15%) e educação (18% na esfera federal), atreladas à evolução das receitas correntes líquidas e receitas líquidas de impostos, respectivamente. Esses dispêndios aumentarão automaticamente com o avanço da arrecadação, que tem batido recordes nos últimos dois anos.

As principais despesas obrigatórias, referentes à previdência e a programas sociais, estão aumentando acima da inflação e dos 2,5% reais do teto permitido. O Brasil começou a envelhecer rapidamente. As despesas previdenciárias se aproximam do R$ 1 trilhão em 12 meses encerrados em junho, com um déficit de R$ 455,8 bilhões no período, incluindo os regimes dos servidores públicos e dos militares. Apenas cinco anos depois da reforma, o rombo previdenciário, mais o do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o do abono salarial, disparou porque o governo Lula reinstituiu a fórmula de correção do salário mínimo vigente em seus mandatos anteriores e nos de Dilma Rousseff - a inflação do ano anterior mais a variação do Produto Interno Bruto de dois anos antes. O principal gasto da União, então, cresce acima da inflação.

O resultado do Tesouro de junho mostra o dilema da gestão dos gastos discricionários, que podem (em tese) ser feitos por deliberação do Executivo e nos quais estão incluídos os investimentos públicos. Em 12 meses, as despesas totais aumentaram para 20,4% do PIB, enquanto as obrigatórias foram a 18,5% do PIB e as discricionárias, a apenas 1,8% do PIB.

Os investimentos públicos, que estão sendo empurrados há tempos para fora do orçamento pelos gastos obrigatórios, chegaram a seu menor valor em 2022, último ano do governo Bolsonaro. O governo de Lula, na discussão do novo regime fiscal, criou outro tipo de vinculação, reservando um piso de 0,6% do PIB para os gastos de capital da União. O resultado, com esse acréscimo, é que 98% do orçamento são de gastos obrigatórios, cabendo ao governo, transformado cada vez mais em um mero administrador de repasses de verbas, gerir 2% das despesas.

No entanto, nem esses 2% estão “livres” de fato. As emendas parlamentares foram elevadas em 2019 de 1,2% da receita corrente líquida para 2%. No orçamento de 2024, a dotação das emendas orçadas é de R$ 49 bilhões, ou 25% dos gastos discricionários.

O presidente Lula vetou dois fatores de correção importantes para abrir algum espaço orçamentário para gastos livres. Desvincular as aposentadorias, pensões, BPC e abono salarial do salário mínimo é uma delas. A outra seria eliminar os ganhos reais na correção do salário mínimo. Uma terceira, seria encontrar uma outra forma, que não a vinculação à receita líquida, para atrelar as despesas com saúde e educação.

Os técnicos da equipe econômica avaliaram que uma nova fórmula de correção para saúde e educação - teto de 2,5% real, como para os gastos em geral - abriria um espaço de R$ 190 bilhões em dez anos para as despesas discricionárias. Se isso não ocorrer, já em 2028 as despesas discricionárias, que incluem todo o custeio do aparato público da União, ficarão restritas a R$ 11,8 bilhões, ou seja, o máquina pública será paralisada (O Globo, 20 de maio).

O orçamento para 2025 dará um pálido exemplo do que pode ocorrer no futuro. Dos R$ 138,3 bilhões de espaço adicional de gastos para o exercício, R$ 60 bilhões deverão ser consumidos pelos benefícios previdenciários, R$ 32 bilhões pelos gastos com pessoal e R$ 27 bilhões com precatórios, Fundeb e BPC, e R$ 16 bilhões de despesas com controle de fluxo (como Bolsa Família).

Além de reduzir os subsídios, que sugam 5,7% do PIB, seria necessário realizar uma reforma do orçamento para reduzir as vinculações de forma ampla, dando de volta ao governo e aos parlamentares a prerrogativa de estabelecer prioridades atuais, e não as herdadas de gastos que se perenizam sem que se avaliem seus resultados e sua eficácia. Uma avaliação ágil dos gastos orçamentários é parte importante desse conjunto renovador. Do contrário, o Estado brasileiro terá então de se endividar para pagar gastos correntes, uma regressão enorme, indesejável e que pode ser evitada.

Lula adulou ditador e agora colhe vexame

Folha de S. Paulo

Inerte ante fraude eleitoral, governo deve tratar regime de Maduro como ditadura e atuar por transição para a democracia

A camaradagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT com o ditador venezuelano Nicolás Maduro produziu mais um vexame para o Brasil. O Planalto, o Itamaraty e seu chefe de fato, Celso Amorim, prostram-se diante da fraude eleitoral escancarada cometida pelo regime chavista e da repressão implacável a políticos opositores.

Com quase duas semanas passadas do escrutínio, Caracas foi incapaz de publicar os boletins de urna que demonstrariam a declarada reeleição de Maduro. Trata-se de prova impossível em ambiente democrático regular, mas uma ditadura como a venezuelana costuma fabricar realidades alternativas.

Maduro controla por meio de cupinchas todo o aparato burocrático, inclusive a cúpula do Judiciário e o comitê eleitoral. O fato de ainda assim ter dificuldade para forjar documentos ou fabular chicanas a seu favor evidencia a surra que seu regime levou nas urnas.

Essa evidência se soma a estudos de diversas origens —e à manifestação da reputada organização Carter, dos Estados Unidos— mostrando que a oposição venceu a eleição com larga vantagem.

Lula, Amorim e o PT ficaram de mãos atadas porque nunca deixaram de adular ditadores de estimação. O apelo da campanha de 2022 para salvar a democracia das ameaças de um autoritário convicto, como Jair Bolsonaro (PL), só valeu para o Brasil. Barbaridades em países vizinhos ganham dos petistas respostas idiossincráticas, baseadas em conveniências ideológicas.

Em 2012, Dilma Rousseff brandiu a cláusula democrática para suspender o Paraguai do Mercosul após o Congresso daquele país ter deposto por impeachment um presidente esquerdista. A artimanha ideologicamente viesada se completou com a entrada, patrocinada pela administração petista, da Venezuela chavista no bloco.

Um dos primeiros atos da política externa do terceiro mandato de Lula foi receber Nicolás Maduro para uma visita pomposa. Brasília mal havia se recuperado do ataque de vândalos que teriam se regozijado caso Bolsonaro detivesse, no Brasil, o poder ilimitado para permanecer à força no governo que Maduro possui na Venezuela.

A esquerda no Uruguai, no Chile e até na Colômbia já entendeu que o jogo do chavismo não deveria ser estimulado pelas forças democráticas na América do Sul. O eleitorado nessas nações cobra coerência entre o que se prega internamente e o que se faz na política externa. Há prejuízo para a popularidade dos recalcitrantes.

Não tem sido diferente no Brasil, e o remédio para Lula evitar esse desgaste é tratar pelo nome, ditadura, o regime de Nicolás Maduro e trabalhar pela transição pacífica para a democracia no país vizinho.

Era Putin, 25

Folha de S. Paulo

Rússia do século 21 é inseparável do autocrata, que incita embate geopolítico

Vladimir Putin, 71, completa nesta sexta-feira (9) um quarto de século à frente da Rússia. O país mais vasto do mundo tem uma história antes e outra depois da ascensão desse ex-espião definido como medíocre por seus superiores na KGB.

Surgiu como mais um premiê do moribundo governo de Boris Ielstin —que, de herói do fim do comunismo, passou a líder bêbado de uma cleptocracia em crise. Logo assumiria o Kremlin, com a renúncia do chefe e a unção das urnas.

Até seu segundo mandato, iniciado em 2004 com a primeira de quatro reeleições, era visto como boa notícia para o Ocidente.

O sistema de corrupção da era Ieltsin fora desmontado, ainda que em seu lugar a tecnocracia apresentada por Putin embutisse uma nova classe dominante acusada de parasitar vastos recursos.

O presidente é pouco afeito à democracia liberal. Estudante obcecado pela história russa, buscou na tradição autoritária do país a justificativa para sua transformação em autocrata admirado por Donald Trump, Viktor Orbán, Jair Bolsonaro (PL) e quetais.

Solapou a oposição e o dissenso, enquanto diversos adversários morreram de forma suspeita.
Com o boom das commodities dos anos 2000, conseguiu elevar o padrão de vida russo e modernizar as Forças Armadas. Uma classe média urbana ascendeu e a elite bilionária ganhou fama extravagante.

Em 2007, um discurso delineou tudo o que se vê hoje nos campos da Ucrânia: a disposição de Putin de enfrentar o Ocidente em nome de uma multipolaridade que, na verdade, repete a lógica de blocos da Guerra Fria de forma ampliada, com Moscou aliada a Pequim.

Superpotência nuclear, a Rússia passou uma década em desespero após o fim da URSS e viu a Otan expandir-se até suas fronteiras. A assertividade de Putin o torna uma ameaça, não menos pela carta da Terceira Guerra Mundial na manga.

Com o atual conflito na Europa, ele arrisca seu destino e o da Rússia. O cenário lhe é mais favorável do que já foi. O que fará com isso é incógnito, e há dúvidas sobre a solvência de seu país. Mas o fato é que, no século 21, a história russa é indistinguível da figura de Putin.

A lei e a vergonha na cara

O Estado de S. Paulo

O TCU decide que não há lei que impeça um presidente da República de embolsar presentes caríssimos recebidos de governos e empresas. Ora, para isso não é preciso lei. Basta ser decente

Por maioria, o Tribunal de Contas da União (TCU) mudou radicalmente a posição que tinha até o ano passado a respeito do recebimento de presentes de alto valor por presidentes da República. Em sessão realizada na quarta-feira passada, prevaleceu no plenário do TCU o voto divergente do ministro Jorge Oliveira, segundo o qual, “por falta de fundamentação jurídica”, o presidente Lula da Silva não tem de devolver um relógio de luxo, avaliado em R$ 60 mil, que o petista ganhou da joalheria Cartier numa viagem à França durante o primeiro mandato.

O voto do ministro Jorge Oliveira, acompanhado por quatro de seus pares – Jhonatan de Jesus, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Vital do Rêgo –, abre caminho para que o ex-presidente Jair Bolsonaro também fique desobrigado de restituir ao patrimônio da União as joias avaliadas em quase R$ 7 milhões que ele recebeu de presente de países do Oriente Médio entre 2019 e 2022.

Na superfície, esse novo entendimento do TCU pode parecer uma decisão salomônica. Na realidade, é só uma lambança – a começar pelo fato de igualar situações fáticas e jurídico-normativas muito distintas entre si.

Especula-se sobre os interesses pessoais ou políticos que, eventualmente, possam ter sido atendidos pelo voto do ministro bolsonarista Jorge Oliveira. A defesa de Bolsonaro, aliás, já afirmou a este jornal que a decisão do TCU foi “acertada” e servirá de base para um pedido de anulação do inquérito que corre contra o ex-presidente no Supremo Tribunal Federal pelos crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro no caso das tais joias das arábias.

Fato é que, à luz dos argumentos vitoriosos, o TCU consagrou a indecência na mais alta esfera da administração pública federal. Em seu voto, Jorge Oliveira recorreu a uma platitude ao dizer que “não há crime sem lei anterior que o defina”, princípio basilar do Direito Penal, para sustentar que, “até o presente momento, não existe no País uma norma clara que trata sobre o recebimento de presentes por presidentes da República”. Ora, não apenas há lei que dispõe sobre essa questão – Lei n.º 8.394/1991, regulamentada pelo Decreto n.º 4.344/2002 –, como até pouco tempo atrás havia a normatização do próprio TCU, fixada em 2016.

Ademais, como muito bem sublinhou o ministro Walton Alencar, ao final derrotado, o impedimento para que um presidente da República receba bens de luxo no exercício do cargo é “uma questão tão óbvia que o legislador entendeu desnecessária a menção na lei”. A seu jeito, Alencar rememorou o célebre e lacônico projeto de Constituição proposto pelo historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927): “Art. 1.º – Todo brasileiro deve ter vergonha na cara. Art. 2.º – Revogam-se as disposições em contrário”.

É disso que se trata: de vergonha na cara, de moralidade na administração pública e de espírito republicano. Na prática, o TCU decidiu que, se não há lei expressa que o proíba, é dado a um presidente da República embolsar, como se fossem seus, presentes caríssimos dados por governantes e empresas. Parece óbvio que não há necessidade de leis quando basta ter a decência de tratar esse tipo de mimo de forma impessoal, destinando-o ao patrimônio do Estado. Do contrário, pode ficar parecendo que o presidente talvez tenha interesses inconfessáveis ao ficar com esses presentes para si mesmo. A não ser que se trate de um presidente indiferente à moralidade, esse tipo de conduta deveria ser evitado por princípio.

Nem Lula nem Bolsonaro foram presenteados por Estados estrangeiros por seu magnetismo pessoal, carisma ou simpatia. Por óbvio, ambos foram agraciados a seu tempo única e exclusivamente pela condição de chefes de Estado e de governo. Logo, todo e qualquer presente que receberam pertence à União, salvo, é claro, aqueles bens de pequena monta tidos pela norma como “personalíssimos”.

Numa monarquia, o Estado se confunde com a pessoa do monarca. Numa República, a ordem constitucional impõe a moralidade e a impessoalidade ao administrador público. O presidente da República é um servidor temporário da sociedade brasileira. Esta condição torna toda a discussão havida no TCU ociosa, para não dizer ridícula, se acaso ao menos a Constituição de Capistrano fosse cumprida neste país.

PGR desperta de um sono profundo

O Estado de S. Paulo

Quase quatro anos após o Congresso criar as ‘emendas Pix’ e direcionar bilhões em recursos para Estados e municípios sem transparência, PGR enfim percebeu que isso é inconstitucional

O procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, ajuizou nesta semana uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra as “emendas Pix”, nome pelo qual ficaram conhecidas as transferências especiais de recursos federais para Estados e municípios sem finalidade específica. Na ação, Gonet pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que declare a inconstitucionalidade da modalidade e suspenda, de imediato, o pagamento desses recursos até que a Corte julgue o mérito da questão.

Também chamadas de “emendas cheque em branco”, as “emendas Pix” configuram uma verdadeira afronta à Constituição. Trata-se de simples transferência de recursos da União diretamente para Estados e municípios, sem finalidade específica, vinculação com programas federais ou celebração de convênio que identifique o projeto ou a atividade em que a verba será aplicada.

Por óbvio, uma vez que o dinheiro federal chega aos cofres regionais torna-se impossível rastreá-lo. E essa confusão sobre a natureza e o uso da verba não foi acidental, mas uma escolha do Congresso para dificultar sua fiscalização pelos órgãos de controle. Governadores e prefeitos, por sua vez, podem gastá-lo a seu bel-prazer, o que inclui despesas correntes com servidores e shows e festas populares, além de obras de prioridade questionável.

Para ter uma ideia, o orçamento reservado às “emendas Pix” neste ano somou R$ 8,2 bilhões. Desse total, o governo Lula da Silva autorizou o pagamento de R$ 7,7 bilhões, dos quais R$ 4,25 bilhões já foram transferidos, segundo reportagem publicada pelo Estadão. Não há como ignorar que esses recursos farão toda a diferença para o caixa dos municípios e proporcionarão enorme vantagem aos prefeitos que disputarão a reeleição em outubro.

Para Gonet, as “emendas Pix” não garantem transparência, publicidade e rastreabilidade aos recursos e ferem princípios constitucionais, como o pacto federativo, a separação dos Poderes e os limites que a Constituição estabeleceu para ser reformada. “A deturpação do sistema republicano de acompanhamento dos gastos públicos mostra-se patente”, afirmou.

Chama a atenção, no entanto, o momento em que a ADI foi apresentada. Tudo ocorreu em meio a um debate liderado pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que tenta colocar alguma ordem nas emendas de comissão, sucessoras do chamado orçamento secreto, e devolver ao Executivo as prerrogativas sobre a peça orçamentária, tomadas pelo Legislativo nos últimos anos.

Gonet, aparentemente, estava em sono profundo desde que assumiu o cargo de PGR, em 18 de dezembro do ano passado. E a PGR, antes comandada por Augusto Aras, hibernou desde 12 de dezembro de 2019, data em que a emenda constitucional que criou as “emendas Pix” (EC 105/2019) foi promulgada.

A PGR não pode alegar desatenção. Em primeiro lugar, pelo volume das emendas, que somaram R$ 20,7 bilhões desde 2020. E em segundo lugar, porque a Consultoria Legislativa do Senado já havia apontado todas as afrontas constitucionais associadas às “emendas Pix” em um didático texto para discussão publicado em junho de 2020.

Na prática, o sistema segregou uma parcela do Orçamento para ser proposta e aprovada pelo Legislativo com execução obrigatória, sem que o Executivo pudesse dizer nada, em ofensa à autonomia da União e ao princípio de separação dos Poderes.

Em uma relação tão destemperada quanto reveladora após a apresentação da ação pela PGR, o presidente da Comissão Mista do Orçamento, Julio Arcoverde (PP-PI), suspendeu a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025. “Não se pode perder nenhum direito adquirido”, afirmou o deputado, que, em uma única frase, sintetizou perfeitamente a visão patrimonialista do Congresso sobre o Orçamento público.

Este jornal espera que o STF restabeleça as prerrogativas de cada um dos Poderes sobre o Orçamento, e que os parlamentares acatem a decisão. Espera, também, que a Procuradoria-Geral da República volte a exercer suas funções de maneira diligente, sem aguardar anos para cumprir sua obrigação de defender a Constituição.

Unidos no populismo assistencial

O Estado de S. Paulo

Proposta de 13.º do Bolsa Família mostra como demagogos à esquerda e à direita ajudam a perpetuar a pobreza

Tramita no Congresso Nacional uma proposta que torna permanente um “abono natalino” para o Bolsa Família, uma espécie de 13.º salário. Apresentado há dois anos pelo senador Jader Barbalho (MDB-PA), o PL 5.061 foi recebido recentemente com euforia pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), relatora do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos. Em seu relatório, a senadora escreveu: “Os programas de transferência de renda condicionada visam a encorajar a acumulação de capital humano e quebrar o ciclo de reprodução intergeracional da pobreza. Num contexto como o brasileiro, de níveis elevados de pobreza e desigualdade, os programas se mostram extremamente necessários e relevantes”.

Nem parece um texto da lavra de uma bolsonarista de quatro costados. O ex-presidente Jair Bolsonaro, recorde-se, é aquele que passou boa parte de sua carreira política a vituperar contra o Bolsa Família, qualificando-o como “esmola” e “farelo”. O programa, disse Bolsonaro, apenas servia a quem “não produz nada” e a “meninas no Nordeste que batem a mão na barriga”, porque, grávidas, ali viam “uma geladeira”. Mas longe vai o tempo em que o bolsonarismo criticava o caráter eleitoreiro e demagógico do Bolsa Família. Uma vez no poder, Bolsonaro descobriu o poder multiplicador de votos de programas desse tipo, e não só manteve o Bolsa Família, como, sob o nome fantasia de “Auxílio Brasil”, aumentou exponencialmente o valor do benefício.

Tem-se então que um programa que deveria ser provisório ganhou caráter permanente, o que deveria envergonhar todos e cada um dos brasileiros, pois significa que o País foi incapaz de reduzir a pobreza de forma sustentável. Mas não é só isso: além de perene, o Bolsa Família tem uma clientela cada vez mais numerosa, e hoje é o esteio econômico de muitos municípios pobres Brasil afora.

Mas nada é tão ruim que não possa piorar. A ideia de conferir um 13.º para os beneficiários do Bolsa Família trata a transferência de renda como se fosse salário. Para muitos brasileiros, infelizmente, já é: não é raro encontrar quem prefira não procurar emprego porque aufere mais com o Bolsa Família do que ganharia em alguma ocupação precária e mal remunerada. É o Estado assalariando miseráveis, sem lhes dar condições efetivas para que saiam da miséria.

A julgar pelas iniciativas que turbinaram o Bolsa Família mesmo sob governos ideologicamente tão díspares, essas circunstâncias estão sendo úteis para demagogos à esquerda e à direita. O próprio Lula da Silva, é bom recordar, fazia feroz oposição à concessão de auxílios diversos para os pobres no governo FHC, dizendo que o povo deixava de trabalhar porque preferia receber o benefício. Já como presidente, fez do Bolsa Família a marca do lulopetismo, a ponto de tornar Lula praticamente imbatível justamente nas regiões mais pobres do País.

É esse precioso capital eleitoral que, de Lula a Bolsonaro, de Damares a Jader Barbalho, ninguém é besta de ignorar.

Cuide do colesterol antes que seja tarde

Correio Braziliense

O colesterol alto é considerado um dos fatores que mais contribuem para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como o infarto e o acidente vascular cerebral (AVC)

De cada 10 adultos brasileiros, quatro têm níveis alterados de colesterol, de acordo com o Ministério da Saúde. O assunto voltou à tona esta semana, com o Dia Nacional de Combate ao Colesterol, nesta quinta-feira. O colesterol alto é considerado um dos fatores que mais contribuem para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como o infarto e o acidente vascular cerebral (AVC).

Cada vez mais, especialistas reforçam a importância do acompanhamento de um cardiologista capaz de personalizar o atendimento, baseado em fatores de risco associados e em questões como idade, comorbidades (como diabetes) e outros hábitos, a exemplo de tabagismo e sedentarismo. 

Sabe-se que, no corpo humano, são três os tipos de colesterol: LDL, HDL e VLDL, sendo o primeiro, também chamado de mau colesterol, motivo de maior preocupação por parte dos profissionais de saúde, já que, em altos níveis, está diretamente relacionado a uma série de doenças graves e de alto risco de mortalidade. 

Acontece que cada um deles tem funções específicas, seja na formação de hormônios, no metabolismo de vitaminas seja na estrutura de várias células do corpo. Ao medir esses níveis, o médico leva em conta não somente os índices de lipídeos, mas também o risco cardiovascular do paciente.

O problema é que só costumamos nos preocupar com o colesterol quando o problema já existe. Na maioria das vezes, a hipercolesterolemia (colesterol alto) é uma doença assintomática, dando algum sinal muitos anos depois de instalada. Outro fator que contribui para essa "displicência" é que os adultos, além de negligenciarem esse tipo de exame, estendem o mau hábito a seus filhos — ou seja, raramente crianças e jovens têm esse teste como rotina nos checapes.

Com isso, a combinação de alimentação não saudável e rica em gorduras (tendência forte atualmente) e sedentarismo acaba sendo o caminho mais comum para quadros de obesidade, o que aumenta o risco da elevação dos níveis de colesterol LDL no sangue. Além disso, há o aumento dos triglicerídeos — o colesterol que vem do açúcar —, relacionado ao risco de outra doença: o diabetes, especialmente em crianças obesas. 

O Atlas Mundial de Obesidade 2024 alerta que o Brasil corre sério risco de ter até 50% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos com obesidade ou sobrepeso em 2035. Nesses casos, embora o colesterol vá aumentando aos poucos, ao longo dos anos, caso não haja uma mudança de estilo de vida, na fase adulta, ele passa a se fixar nas paredes dos vasos sanguíneos, principalmente nos de menor calibre. Resultado: aumenta-se o risco cardiovascular para doenças coronarianas no coração, o que pode levar ao infarto do miocárdio. Esse acúmulo pode atingir vasos da circulação cerebral, com o risco de AVC. 

Fato é que, se as famílias não reconhecerem a importância da tríade alimentação de qualidade, exercícios físicos e acompanhamento médico, crianças e jovens podem desenvolver, precocemente, doenças cardiovasculares crônicas. A boa notícia é que é possível controlar o avanço do problema para garantir um futuro saudável às crianças e adolescentes, evitando, inclusive, uma morte relacionada a doenças cardiovasculares crônicas de forma precoce. Para isso, é necessário que a sociedade reconheça a importância do tema e invista na qualidade de vida desse recorte da população, proporcionando uma alimentação saudável, a prática de exercícios físicos, o combate ao sedentarismo, o acompanhamento de saúde geral e o incentivo para que possam crescer com hábitos de vida saudáveis.

 

 

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