sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Fabio Giambiagi - Reduzir o empoçamento fiscal

O Globo

Se em vez de a presidente do PT, Gleisi Hoffman, torpedear o arcabouço fiscal, o partido seria mais eficaz se o aceitasse

Hoje vou precisar da colaboração do leitor para procurar acompanhar um tema árido (o “empoçamento fiscal”) mas de grande importância para entender as perspectivas da economia no restante do atual governo.

Nas gestões Temer e Bolsonaro havia um teto de gastos que gerava uma série de tensões, como a redução das despesas discricionárias, mas num contexto no qual alguns parâmetros chave da política fiscal estavam também parados, assim como o gasto total. Em particular, o salário mínimo era estável em termos reais e as despesas com saúde e educação estavam também contidas.

Hoje temos, por assim dizer, um “teto móvel”, ainda que teto, enfim, mas num contexto no qual o salário mínimo e as despesas com saúde e educação — além de outras — crescem bastante. O resultado é que as despesas discricionárias começarão a estar sujeitas em 2025/26 a pressões similares às que existiram durante 2017/22.

Tenho a séria suspeita de que o Presidente Lula, se for reeleito, irá propor uma revisão do arcabouço fiscal que ele mesmo aprovou em 2023, mas não vejo pela frente uma mudança desse marco no governo atual.

Ora, se a) o arcabouço vai continuar valendo; b) nesse contexto, o gasto real em 2025 e 2026 tende a ter um crescimento menor; e c) com algumas rubricas pressionando o gasto, as despesas discricionárias podem ter que encolher, o que o Governo pode fazer para evitar um achatamento das despesas discricionárias? Vejo dois caminhos pela frente.

O primeiro é diminuir parte das despesas obrigatórias não sistemáticas. Uma delas, por exemplo, é o item de subsídios, que ano passado correspondeu a 0,2% do PIB e onde sempre é possível diminuir um pouco a despesa. Outra é representada pelas transferências excepcionais (não constitucionais) a estados e municípios, que em 2023 foram de 0,3% do PIB e pouco antes eram nulas.

No contexto em que as despesas discricionárias foram de 1,7% do PIB pode-se ter ideia do espaço que existe para respeitar a restrição global, podendo expandir as despesas discricionárias se aquelas rubricas obrigatórias perderem peso.

O segundo caminho é reduzir o “empoçamento”. Dá-se esse nome a despesas orçadas, mas que por alguma razão — falta de licenças ambientais, problemas com a realização do investimento na ponta, etc—, mesmo tendo verba disponível, acabam não sendo realizadas.

E aqui é necessário o leitor entender o conceito de “margem da despesa”. Vou tentar resumir a questão.

Ano passado, a despesa sem transferências por repartição de receita às unidades subnacionais foi de R$ 2,128 trilhões, às quais devem ser somadas as referidas transferências de R$ 452 bilhões, gerando uma despesa total de R$ 2,580 trilhões.

Deste total devem ser excluídas as despesas do chamado “extrateto”, ou seja, que não estão abrangidas pela restrição fiscal e que no ano passado somaram R$ 667 bilhões. Subtraindo este montante daquele total, tem-se o conceito de “despesas sujeitas ao teto”, de R$ 1,913 trilhões.

Como no ano passado o teto — que, lembremos, não inclui uma série de rubricas — foi de R$ R$ 1,945 trilhões, a conclusão é que houve uma diferença de (1.945 – 1.913) = R$ 32 bilhões de despesas que representaram uma “margem” não utilizada do limite de gastos e que poderiam ter sido realizados. Essa margem, na média dos seis anos anteriores, fora da ordem de R$ 43 bilhões.

É curioso, porque nos anos do teto de gastos, o PT se batia contra o “ajuste fiscal draconiano”, mas havia todo ano de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões de despesas que poderiam ter sido feitas e não eram executadas. A diferença é que agora o PT é governo.

Portanto,em vez de a presidente do PT, Gleisi Hoffman, torpedear o arcabouço fiscal, o partido seria mais eficaz se o aceitasse e avaliasse com os ministros o que deve ser feito para gastar aquilo que poderia ser gasto e não é.

Quando a margem se aproximar de zero, a gritaria do partido contra o arcabouço se tornará ensurdecedora. Ainda falta, porém. A cada dia a sua agonia.

 

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