O Estado de S. Paulo
Mais do que déficit fiscal, há um déficit de
sonhos que os economistas têm que cobrir. Temos que pensar em mágicas
Hoje, a classe comemora seu dia em grande
estilo, com quatro dias de antecedência, em evento que homenageia alguns
economistas. Profissão linda, interessante, sempre se renovando, relevante
socialmente, combina história, matemática, sociologia, estatística,
inteligência artificial, big data, geografia, finanças, cultura,
personalidades, política, valores e visões de diferentes economistas de uma
realidade em constante transformação.
Nesse mundo em transformação a qualidade mais
importante de um economista é a de sonhar com um Brasil melhor. A segunda
qualidade é a capacidade de implantar esses sonhos. É a mágica. Consiste em
identificar políticas que podem acelerar o desenvolvimento do País. É algo que
alguns países como a Índia e a Dinamarca têm, enquanto que outros não.
Foi a mágica de alguns que fez o Brasil acelerar seu desenvolvimento. É algo que fizeram Oswaldo Aranha na década de 1930, Juscelino Kubitschek na década de 1950, Delfim Netto na década de 1960 e alguns economistas da FEA-USP e da PUC-Rio, com o Plano Real, na década de 1990. Foi em momentos em que o Brasil parecia estar num beco sem saída que deu o salto para o futuro. Mágica!
Promoveram mudanças na política econômica. O
sucesso dependeu de vender a mágica para a sociedade, sua consistência interna
e sua adequação no tempo. O que funciona bem num contexto pode não funcionar em
outros. As coisas, quando deixadas por si só, tendem a piorar. Ajustes são
necessários no tempo, para evitar que uma política inovadora se transforme em
reacionária.
Após a crise do início de 1999, se formulou o
tripé macroeconômico: câmbio flexível, metas de inflação e superávit primário.
Foi uma reação aos problemas anteriores e serviria de base para o
desenvolvimento do Brasil. Faltou um quarto apoio, que seriam as reformas.
Mesmo assim, funcionou bem nos primeiros anos. Mas apresenta sinais de
obsolescência.
O câmbio flexível, pensado para ajustes da
competitividade da economia brasileira, após quatro anos de uma banda cambial
fixa, foi importante. Todavia, ficou refém das idas e vindas dos mercados
futuros. Em vez de flexível é um câmbio volátil. Sua serventia diminuiu.
O regime de metas de inflação conseguiu
reduzir a inflação, cumpriu e cumpre bem seu papel. Mas “copomizou” a política
monetária. As atenções estão voltadas para a atuação do Comitê de Política
Monetária (Copom), que é fundamental e necessário, mas os demais objetivos,
como uma oferta de crédito acessível, ficaram para um segundo plano.
A taxa do cheque especial é 30 vezes superior
à taxa Selic e a do rotativo do cartão é 40 vezes maior. Com a Selic a 10,50%
ou a 8,50%, o efeito no crédito é pífio. A política monetária tem como objetivo
final promover o desenvolvimento sustentável. Com uma oferta de crédito
disfuncional, não cumpre bem seu objetivo.
O terceiro pilar do tripé é o superávit
primário. Foi fundamental para reduzir a relação dívida/PIB após sua adoção.
Note-se que a estabilidade da relação dívida/PIB é o objetivo a ser perseguido,
o superávit primário é um meio. A relação sobe também com os juros da dívida
pública e contingências como as renegociações da dívida dos Estados e
precatórios. Deveriam ser monitorados com mais atenção.
Pelas projeções atuais, a relação dívida/PIB
vai crescer até 2031. Deixa o País vulnerável a choques de oferta e a aumentos
não previstos de despesas. É uma estratégia arriscada para gerir as contas
públicas. A probabilidade de uma crise é alta. A estabilidade da relação
dívida/PIB é necessária para direcionar mais recursos para investimentos e
menos para pagar juros.
O Brasil não está num beco sem saída. As
projeções apontam para um crescimento da ordem de 2% ao ano, neste ano e nos
próximos. Está aquém da média mundial e muito aquém do potencial do País. O
Brasil pode mais. O que fazer? São três propostas. A primeira é reformular o
tripé câmbio, política monetária e política fiscal. Mudar para um regime de uma
banda flutuante móvel, aumentar o escopo da política monetária e focar na
estabilidade da relação dívida/PIB.
A segunda proposta é adicionar o item que
estava faltando ao tripé: o de modernização institucional, reformas. Há várias
reformas em andamento, mas não são vistas como prioritárias. O Brasil está
ficando obsoleto num mundo mais globalizado e mais sofisticado
tecnologicamente. Implantar reformas tem que ser um processo prioritário.
Poder-se-ia criar o pilar de adequação
institucional (PAI), para as reformas da educação, industrial, administrativa,
do Judiciário e outras. Urge mudar a política reacionária do governo por outra
sintonizada com os novos tempos. A taxa de mudanças institucionais tem que ser
maior do que a taxa de mudanças da realidade, para que a obsolescência diminua.
Além do tripé reformulado e da criação do
PAI, que dariam uma base sólida para o desenvolvimento, é necessário que os
economistas façam o Brasil sonhar. Mais do que déficit fiscal, há um déficit de
sonhos que os economistas têm que cobrir. Temos que pensar em mágicas. O Hino
Nacional é taxativo: Brasil, um sonho intenso. Bora fazer o Brasil sonhar.
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