sábado, 16 de novembro de 2024

Os despertos e os sonâmbulos – Eduardo Affonso

O Globo

Lavagem cerebral levou um fanático a se explodir em frente ao STF. É a sina dos militantes extremados

Foram dois golpes no período de apenas nove dias. O primeiro fez “tchan” em 27/10, com a consumação da derrota nas eleições municipais. O segundo fez “tchum” em 5/11, na recondução triunfal de Trump à Casa Branca. E... “tchan tchan tchan tchan!”. O movimento woke completou com sucesso seu projeto de harmonização facial da esquerda (a brasileira, a americana), deixando-a desfigurada e (espera-se) com vergonha de se olhar no espelho.

Para onde terá refluído a maré virtuosa que arrastou multidões na marcha pelos direitos civis, em 1963, com Martin Luther King compartilhando seu sonho de que “os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade”? Ou a que lotou a Praça da Sé e tantas outras do Brasil, em 1984, exigindo o voto direto para presidente e o retorno pleno à democracia?

No lugar da nação em que ninguém fosse julgado pela cor da pele, mas pelo caráter, encontramos, decorridos 60 anos, a pátria do identitarismo — onde brancos e pretos não se irmanaram, mas foram pulverizados conforme gênero, religião, idade, classe social, orientação sexual, origem geográfica, deficiências psicomotoras, índice de massa corporal, aderência a padrões estéticos, uso de flexões gramaticais etc.

Quarenta anos depois das “Diretas Já” — quando partilharam o mesmo palanque Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Pedro Simon, Dante de Oliveira, Roberto Freire, Sobral Pinto, Tancredo Neves, Franco Montoro, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva — pelo menos metade destes seria chamada de fascista pelos que hoje governam o país.

A esquerda errou na mão (as coisas são mais fáceis na teorização). Não tinha como dar certo a presunção de que todas as “minorias oprimidas” (pretos, pobres, mulheres, indígenas, homossexuais, transexuais, imigrantes, desempregados, subempregados, assalariados) seriam, por direito divino, sua reserva de mercado. Que hostilizar o “pobre de direita” (= pobre que quer deixar de ser pobre) conquistaria sua simpatia — e seu voto —, assim como de quem cultiva os recursos do idioma (= “opressor linguístico”), do gordo que resolve emagrecer, do liberal, do moderado (= isentão), do crente.

São Paulo (que já elegeu um negro, uma feminista e uma nordestina como prefeitos) optou por entregar sua administração a um empresário de direita, não a um defensor de invasões. Os Estados Unidos (“land of the free”) preferiram um misógino, xenófobo, negacionista, belicoso e arrogante a mais quatro anos de patrulha cultural (não é só a economia, estúpido). Teriam, possivelmente, votado numa afrodescendente conservadora e rejeitado um homem branco (ou laranja) com veleidades woke.

A mesma lavagem cerebral que faz progressistas protestar contra a morte de civis em Gaza e ignorar os ataques a judeus (em Israel, na América, na Europa) ou a violação dos direitos das mulheres (no Irã, no Afeganistão, na Rússia) levou um fanático a se explodir em frente ao STF. Além do crânio e do carro, ele destruiu também a estapafúrdia proposta de anistia aos vândalos de 8 de janeiro.

É a sina dos militantes extremados, sejam eles despertos, insones ou sonâmbulos: jogar fora o bebê, a babá, a bacia e a água do banho.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Daqui pra frente tudo será diferente para o bem do mundo democrático livre ocidental

Anônimo disse...

A esquerda perdeu o bonde da história

Anônimo disse...

O mundo Woke fez uma desarmonizacao facial na esquerda que a tornou irreconhecível e intragável para a população comum
Graças a Deus!!