O Globo
País ainda precisa retificar certidões de
óbito de 404 vítimas da ditadura
Numa das cenas mais fortes de “Ainda estou
aqui”, Eunice Paiva ergue uma certidão de óbito como se fosse um troféu. A
ditadura havia matado seu marido em 1971. Ela só conseguiu o documento em 1996,
depois de 25 anos de espera.
“O não reconhecimento da morte de Rubens
Paiva foi a forma de tortura mais violenta a que eles poderiam submeter nossa
família”, disse Eunice, interpretada no filme por Fernanda Torres. Até hoje,
centenas de famílias vivem uma angústia parecida.
Ontem o Conselho Nacional de Justiça aprovou resolução que obriga os cartórios a retificarem certidões de óbito de vítimas do regime militar. “Embora nunca tenha havido um pedido formal de desculpas, como deveria ter havido, pelo menos estamos tomando as providências possíveis de reparação moral”, disse o ministro Luís Roberto Barroso.
A medida estava entre as recomendações da
Comissão Nacional da Verdade, encerrada em 2014. O Estado levou mais uma década
para implementá-la.
De acordo com o Ministério dos Direitos
Humanos, o país ainda deve a retificação dos assentamentos de óbito de 404
mortos e desaparecidos. A obrigação só foi cumprida em 38 casos, afirma o
ex-ministro Nilmário Miranda.
Ao justificar a resolução, Barroso lembrou o
ex-deputado Alencar Furtado, um autêntico do velho MDB. Em 1977, ele desafiou a
ditadura com uma alusão às famílias dos desaparecidos: “Para que não haja
esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez; ou mortos, quem sabe? Viúvas do
quem sabe ou do talvez”. Foi cassado três dias depois pelo general Ernesto
Geisel.
No Brasil, observou Barroso, “às vezes as
pessoas se ofendem com o que fizeram”. “As pessoas questionam o termo golpe,
mas esse é o nome que, em ciência política e na teoria constitucional, se dá à
destituição do presidente da República por um mecanismo que não esteja previsto
da Constituição”, pontuou.
O ministro disse o óbvio, mas isso já
representa algum avanço. Em 2018, o Supremo era presidido por Dias Toffoli.
Empenhado em agradar os militares, ele declarou que preferia chamar o golpe de
“movimento”.
Um comentário:
Movimento?!
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