Folha de S. Paulo
Apesar das dificuldades, Argentina está,
hoje, melhor do que estava antes de Milei chegar
Há pela frente o desafio de flexibilizar o
câmbio sem que a inflação dispare novamente
Mais uma vez as pesquisas erraram para a
esquerda, e o eleitor argentino deu uma vitória confortável para o partido do direitista
Milei nas eleições de meio de mandato. Os otimistas ambicionavam, quem sabe, um
terço dos votos. Milei conseguiu 40%. Agora, com a nova bancada de 93
deputados, Milei já pode dormir tranquilo sabendo que o Congresso não poderá
derrubar seus vetos.
Mas como é possível o eleitorado argentino dar a vitória a um presidente que
supostamente promovia a pobreza e sofrimento do povo? Um amigo de Bolsonaro e
aliado de Trump!
Sim, Milei é parte da nova direita que
ascende no mundo. E a proximidade com Trump já lhe rendeu um benefício enorme
com promessas de US$ 20 bilhões em swap cambial e mais US$ 20 bilhões de
empréstimos bancários. Não há líder americano com tratamento tão benévolo dos
EUA.
Milei tem muitas bizarrices, compra brigas à toa e tem algumas falas
deploráveis. Tem também, no entanto, algumas diferenças importantes para com a
direita populista de outros países. A começar pelo fato de não ter duvidado das
eleições mesmo quando suas perspectivas eram ruins. O núcleo principal de sua
mensagem, ademais, é uma agenda de reformas econômicas que podem tirar a Argentina de
seu atraso secular.
Ele nunca enganou os eleitores. Desde a campanha que o elegeu presidente ele
disse que o país teria de atravessar uma fase de sofrimento antes de chegar à
prosperidade. Fim do subsídio a serviços públicos, corte de gastos radical, fim
de regulamentações. Toda a sociedade dependia em algum ponto do sistema antigo,
que afundava o país. Uma série de cortes pontuais pode ser questionada, mas a
direção geral do movimento é correta, e se ele transigisse com facilidade nas
questões pequenas isso o enfraqueceria nas grandes.
Apesar das dificuldades, a Argentina está, hoje, melhor do que estava antes de
Milei chegar. A inflação, que em 2023 foi de 211%, deve fechar 2025 entre 30% e
40%. O PIB deve crescer em torno de 5%. No âmbito social, os cortes aumentaram
a pobreza num primeiro momento, mas ela logo caiu na segunda metade de 2024 e
segue em queda. Está em 31,6%, segundo o Indec, menor que os 41% em que fechou
2023.
O país todo paga a conta dos calotes passados. Mesmo um plano ambicioso de
ajuste fiscal fica em dúvida; basta uma eleição ir na direção errada que quase
dois anos de esforço para reconstruir a credibilidade iriam por água abaixo.
Mesmo seguro contra a bombas fiscais do Congresso, ele ainda precisará aprender
a negociar apoio político para levar adiante suas propostas de reforma, como a
da previdência e do impostos nos moldes da reforma tributária brasileira feita
por Lula. Xingar gratuitamente políticos de outros partidos é de uma burrice
total. Ou ele aprende a conquistar e manter aliados ou seguirá tendo seus
esforços frustrados.
E vai funcionar? Nada é garantido. Há pela frente o desafio de flexibilizar o
câmbio sem que a inflação dispare novamente. Com a linha de salvação americana,
é possível. Muito do que ele diz pode te fazer torcer o nariz; algumas opiniões
são francamente toscas e todo o teatrinho da serra elétrica é infantil.
Chamam-no de radical. Mas a abordagem gradual já foi tentada no governo Macri e
fracassou. Um país com como a Argentina talvez precise de mudanças radicais.

 
 
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