terça-feira, 28 de outubro de 2025

Não se improvisa na Presidência, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Lula tem histórico de disparates nos quais se mostra retrógrado; diz o que lhe vai de fato à alma

A sorte do presidente é que ele conta com uma complacência que é negada a outros governantes

O presidente da República está entusiasmado e confiante. Com razão. As coisas vão indo bem: avaliação positiva em alta, projeções de voto favoráveis, reaproximação com os Estados Unidos muito bem encaminhada, contas públicas deficitárias longe do radar imediato do eleitorado.

Com todo esse vento a favor, Luiz Inácio da Silva (PT) não se ajuda. Quando diz que traficantes de drogas são vítimas dos usuários, comete uma série de erros, sendo o maior deles o de contrariar a realidade.

Além disso, ignora a tragédia da dependência química, chama doentes de viciados, é tolerante com a criminalidade, mostra-se indiferente ao drama das pessoas, famílias, comunidades inteiras prisioneiras e territórios dominados pelo tráfico. Nem falemos da tomada de territórios pelas milícias —que tem tudo a ver com isso, mas aqui não vem ao caso.

Olhemos com atenção atos, palavras e estado de espírito do presidente. Tudo nele remete à consagração pessoal como ser superior e inimputável. Até o que foi visto como retratação ficou posto como uma frase "mal colocada", mas não errada como seria o correto a ser dito numa retificação sincera.

A declaração sobre traficantes foi de infelicidade ímpar, mas não fortuita. Lula tem histórico de disparates, nos quais exibe-se preconceituoso, machista e retrógrado, conceitos análogos que valem a pena desdobrar para ficarem mais claros.

Nos improvisos diz o que pensa, o que lhe vai à alma, mas tem a sorte de contar com a complacência negada a outros governantes. Nele são apenas gafes; em outros, motivo de dura condenação.

Exemplo: quando Fernando Henrique Cardoso qualificou como "vagabundos" servidores públicos que se aposentavam aos 40, 50 anos de idade, drenando os cofres da Previdência, amargou a versão de que chamara todos os aposentados de vagabundos.

Pesos e medidas diferentes favorecem o presidente, mas não elidem o fato de que o que lhe vai à cabeça a civilidade não escreve. Muito menos se adequa ao exercício da Presidência.

 

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