Quanto mais alta a sensibilidade, e mais sutil a capacidade de sentir, tanto mais absurdamente vibra e estremece com as pequenas coisas. É preciso uma prodigiosa inteligência para ter angústia ante um dia escuro. A humanidade, que é pouco sensível, não se angustia com o tempo, porque faz sempre tempo; não sente a chuva senão quando lhe cai em cima.
Minha alma está hoje triste até ao corpo. Todo eu me dôo, memória, olhos e braços. Há como que um reumatismo em tudo quanto sou. Não me influi no ser a clareza límpida do dia, céu de grande azul puro, maré alta parada de luz difusa. Não me abranda nada o leve sopro fresco, ou tonai como se o estilo não esquecesse, com que o ar tem personalidade. Nada me é nada. Estou triste, mas não com uma tristeza definida, nem sequer com uma tristeza indefinida. Estou triste ali fora, na rua juncada de caixotes.
PESSOA, Fernando (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), foi um poeta e escritor português. Livro do Desassossego, p.80 e 96. Editora Brasiliense, 1986.
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