No auge da ditadura, enfrentou até cães para denunciar arbitrariedades do
regime militar
Cristiane Jungblut, Isabel Braga e Luiza Damé
Advogado de formação, Ulysses Guimarães era avesso a improvisações. Quando
presidiu a Assembleia Nacional Constituinte, o ápice de sua vida pública,
convocava assessores e o então deputado Nelson Jobim (PMDB-RS), da Comissão de
Sistematização e seu pupilo, às 7h, para ensaiar as votações previstas para a
tarde. Segundo Jobim, repetia duas frases: "Em política, até a raiva é
combinada. Quem não leva em conta isso é amador". Outra era do político
inglês Disraeli: "Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se desculpe",
para evitar que já começasse o jogo na defensiva.
Nessa época, Ulysses era um dos políticos mais poderosos do país. Chamado de
tripresidente, comandava o PMDB, a Câmara e a Constituinte, no comando da qual
surpreendia pela resistência: sentava-se às 14h na cadeira da presidência, no
barulhento e lotado plenário da Câmara, e só saía por volta de 21h, sem ir ao
banheiro. Era senso comum no Congresso que as votações só andavam sob o comando
firme de Ulysses, que sabia ser gentil e ouvir a todos; mas, quando anunciava o
início do processo de votação, não transigia.
- Para administrar 24 subcomissões, oito comissões e mais uma Comissão de
Sistematização, só com a habilidade e a autoridade política do doutor Ulysses -
relembra o tucano paranaense Euclides Scalco, um dos amigos do peemedebista.
Ulysses conquistou o reconhecimento nacional com sua luta pela democracia e
um histórico de resistência à ditadura militar, além da correção no trato do
patrimônio público. Entrou para a política em 1947, eleito deputado estadual
constituinte pelo então PSD, partido do qual só saiu para fundar o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), em 1966, que ele preferia que se chamasse Ação
Democrática Brasileira. Pelo MDB, e depois pelo PMDB, obteve 11 mandatos
seguidos.
Em 1973, um dos períodos mais duros da ditadura, encampou a ideia do chamado
grupo autêntico do MDB e percorreu o país divulgando a anticandidatura. Um
gesto de enfrentamento da ditadura, que elegeria em janeiro de 1974, no colégio
eleitoral, um militar da linha dura, o general Ernesto Geisel, como presidente
da República. Acompanhado do vice, o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, o
anticandidato enfrentou os aliados da ditadura.
Em Salvador, na mais famosa imagem dessas andanças, foi atacado por
cachorros da polícia baiana. No Rio, impedido de fazer campanha. Criticava a
eleição indireta, denunciando o jogo de cartas marcadas, denunciava
arbitrariedades e defendia a liberdade. A anticandidatura mobilizou brasileiros
e, nas eleições parlamentares de 1974, o MDB elegeu 16 dos 21 senadores e
passou de 87 para 160 deputados.
- Eu era suplente de senador, e me chamava a atenção a coragem do doutor
Ulysses. Esteve três vezes no Paraná num período duro, nossos encontros eram
acompanhados por agentes da Polícia Federal, mas ele não tinha medo - lembra
Scalco.
A história do PMDB se confunde com a trajetória de Ulysses, que presidiu a
sigla por 20 anos, de 1971 a 1991. Em 1977, na convenção do MDB que decidiu
enfrentar o candidato da ditadura, general João Figueiredo, defendeu uma
Assembleia Nacional Constituinte e eleição direta para presidente, governador,
senador e prefeito.
Dois anos depois, Ulysses estava à frente da campanha pela anistia. Na
década de 1980, liderou o movimento "Diretas Já", ganhando a alcunha
de "Senhor Diretas". Na primeira eleição direta de presidente,
insistiu em ser candidato, mas o PMDB o abandonou na campanha. Morreu sem
realizar o sonho de ser eleito presidente.
O Santos era outra paixão. Foi diretor do clube e defendeu os interesses
santistas no Congresso.
Fonte:
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário