São inquietantes, carregados de perplexidades e interrogações, os sinais
advindos das eleições do último domingo, assim como dos julgamentos já
conhecidos no âmbito do "mensalão", no Supremo Tribunal Federal
(STF). Que querem dizer exatamente? Para onde apontam? Com que consequências?
Pode-se começar perguntando o significado e o desdobramento do fato de 35
milhões de eleitores se haverem recusado a votar no País todo - abstendo-se de
comparecer às urnas, anulando o voto ou votando em branco. Isso representa mais
de um quarto do eleitorado. Significa um questionamento crescente do sistema
eleitoral em vigor? Prosperará? Tornar-se-á majoritário? Que transformações
exigirá no âmbito dos partidos?
Na cidade de São Paulo, esses votos discordantes superaram os dos candidatos
colocados em primeiro e segundo lugar (Agência Estado, 10/10).
Por outro ângulo, a Justiça Eleitoral vê-se às voltas com a impugnação de
milhares de candidatos denunciados no âmbito da Lei da Ficha Limpa - por sua
vez, fruto de iniciativa popular, levada ao Congresso Nacional com mais de 1
milhão de assinaturas. E também nesse terreno judicial, as condenações no STF
de denunciados no "mensalão" põem em xeque a mais antiga prática dos
partidos e esteio de sua atuação eleitoral, que é o caixa 2, com contribuições
abertas ou ocultas de grandes interessados em projetos e obras públicas. Por
onde caminhará isso?
Também se pode dizer que, no fundo, o quadro não mudou. PMDB, PSDB e PT
continuam a dominar a relação dos eleitos em todo o País - embora isso não
signifique exatamente uma adesão do eleitorado a visões políticas e métodos
administrativos diferenciados. Também se multiplicam as siglas políticas e
algumas "pequenas" parecem emergir. Talvez não seja precipitado
afirmar que o Brasil está assistindo ao início de uma transformação em seu
panorama político. No conjunto dos mais de 5.500 municípios as circunstâncias
variam. Mas, nos dias em que vivemos, novos formatos e a rapidez da comunicação
costumam produzir mudanças profundas em curto espaço de tempo. Principalmente
num país com baixo índice de militância partidária ou de fidelidade a uma
agremiação. De qualquer forma, já começam a tomar corpo na internet - é um exemplo
- movimentos de coleta de assinaturas para fazer votar no Congresso uma reforma
política, principalmente a introdução do voto distrital. (Misto? Ou sem
reservar vagas privilegiadas para os "caciques" de cada legenda?)
Há muitas evidências da fragmentação do quadro: só um partido - o PSB, em
Belo Horizonte e no Recife - conseguiu eleger, com o cabeça de chapa, mais de
um prefeito nas capitais no primeiro turno. Outros prefeitos escolhidos no
primeiro turno nas capitais tinham como lançadores diferentes partidos - em
Goiânia, PT; em Palmas, PP; em Porto Alegre, PDT; no Rio de Janeiro, PMDB; em
Aracaju, DEM e em Maceió, PSDB -, que reuniram diversos aliados. No segundo
turno estarão envolvidos na disputa 12 partidos.
Eleições municipais em capitais populosas costumam ter características
próprias, relacionadas com o quadro nacional, embora dependentes também de
fatores locais. Nas cidades de menor população esses fatores locais são mais
pronunciados. Mas é impossível não observar a fragmentação do quadro. E perguntar
que consequências isso terá no plano nacional, no quadro partidário, nas
futuras eleições gerais. De que modo influenciará o comportamento do Congresso
e, nele, o das bancadas que apoiam o governo ou dele divergem. Como se
traduzirá isso tudo na votação de temas delicados e polêmicos, como, por
exemplo, a reforma fiscal, o Código Florestal, o novo Código Penal e outros?
Talvez até mesmo na formação do Ministério, na composição de órgãos federais
e/ou estaduais - basta ver a convocação urgente do líder do PMBD para discutir
com a presidente da República esses temas, 12 horas depois de encerrada a
votação.
Ao longo da campanha evidenciou-se, principalmente nas maiores cidades, que
o eleitorado já não se satisfaz com promessas vagas em torno de transporte,
segurança, educação. E ficou claro que a imensa maioria dos candidatos não
tinha planos diretores efetivos, nem projetos amplos de descentralização
administrativa, transferência das decisões, da aplicação e fiscalização de
verbas, para conselhos comunitários. E tampouco questionaram caminhos para
megaproblemas, como modelos de transporte baseados no automóvel. Que se fará no
espaço urbano, já comprometido por esse modelo, que se espalha pelas cidades
médias?
Se o Executivo e o Legislativo se verão às voltas com os novos tempos, o
Judiciário também não escapará. A intensa exposição aos meios de comunicação no
julgamento do mensalão - mesclado ao quadro eleitoral - terá, igualmente, reflexos
profundos, numa área até aqui quase fechada, acessível apenas aos profissionais
do Direito e seus eventuais constituintes.
E tudo isso acontece numa hora em que nossas políticas internas começam a
demonstrar fragilidades diante de fatores internos e externos. Como mantê-las
escoradas fundamentalmente no crescimento do consumo interno, se o próprio
mercado de trabalho já dá mostras de estagnação, retrocesso até? Se o
endividamento familiar está muito alto? Se mecanismos como o crédito consignado
- base principal da expansão do consumo - parecem tender ao esgotamento? Se o
produto interno bruto (PIB) está em declínio? Se nossos parceiros
"emergentes" também estão às voltas com as crises econômica e
política nos países industrializados? Se estes reduzem as importações?
A sensação é de que tudo mudará muito. Como disse há mais de meio século o
cardeal belga Suenens - já citado aqui -, o que levava um século para acontecer
hoje sobrevém em apenas uma década, o que levava uma década acontece em um ano.
Isso, dito em 1968. Imagine-se hoje, com internet. É preciso ter muita pressa,
para não ser atropelado pelos acontecimentos.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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