Logo que ele chegou à Câmara, em 1995, destacou-se pelo sorriso franco e a leveza na atuação. Na aguerrida bancada do PT de então, aparecia alguém que praticava o ensinamento de Che, ser duro na luta política sem perder a ternura no trato pessoal. A política ainda não estava tão envenenada nem tão polarizada pelos blocos hoje liderados por PT e PSDB, mas o estreante deputado Marcelo Déda antevia a necessidade de preservar pontos e de dialogar com todas as correntes políticas, mesmo quando isso lhe custava embates com os grupos mais radicais de seu partido. Esse trânsito rendeu-lhe amizades e respeito entre adversários, muitos dos quais ontem lamentaram sua morte tão precoce. Como o ex-senador Albano Franco, tucano de Sergipe, adversário histórico, que era ontem um dos mais sentidos.
A passagem de Déda pelo Congresso coincide com os primeiros tempos da radicalização que ainda está em curso. Fernando Henrique começava seu governo de oito anos, em que as privatizações e as políticas econômicas neoliberais acirraram as contradições entre o PT e o PSDB, que se acentuariam ainda mais a partir da eleição de Lula. Quando ele se torna líder, com seu perfil conciliador, evitou o isolamento do PT, negociando o que era possível na pauta do governo, o que custava embates com os setores mais radicais. Foi contra os grupos minoritários que pregaram o “Fora, FHC”, mas nunca transigiu no que era programático para o partido.
Logo que ele chegou, destacou-se também pela solidez intelectual, pelo pensamento claro e pelas declarações elegantes e precisas, o que logo faria dele um dos petistas mais procurados e citados pelos jornalistas. Advogado, conhecia profundamente a história brasileira e os pensadores sociais. E não apenas os marxistas, que pesaram em sua formação. Gostava de música, de poesia (que praticava) e de literatura. Só presenteava amigos e colegas com livros, escolhidos com esmero e quase sempre acompanhados de uma dedicatória. A cultura transbordava em seus discursos, com citações de pensadores relacionados ao tema. Mas ele o fazia sem pedantismo intelectual, apenas para fortalecer seus argumentos.
Déda era uma grande vocação parlamentar, todos diziam, mas o partido precisou dele em 2000 para disputar a prefeitura de Aracaju. Foi reeleito em 2004 e se elegeria governador em 2006, conquistando o segundo mandato, que deixa inconcluso, em 2010. Seu deslocamento para o Poder Executivo custou caro ao PT. Quando veio o governo Lula, com todas as crises que o marcaram, a bancada não contava com um de seus melhores e mais respeitados quadros. Como governador, Déda se orgulhava das mudanças positivas nos indicadores sociais e dos investimentos que se ampliaram durante seu governo. Em Sergipe, ele era rei, andava pelas ruas de Aracaju sem qualquer aparato, parando para falar com todo mundo que o abordava. Numa dessas, em 2009, eu e outros jornalistas fazíamos com ele um pequeno trajeto a pé. Levamos um tempo enorme, por conta das “paradinhas” que ele fazia. E numa delas, na porta do mercado municipal, ele ainda aceitou o desafio de uns repentistas para uma cantoria que levou mais meia hora. Ganhou deles um chapéu de cangaceiro, colocou-o na cabeça e nos fomos. Assim era Déda, um humanista na política, um político republicanamente superior, espécie que anda muito em falta.
Ditadura: dois pontos
Ontem, o Tribunal Regional Federal da primeira região suspendeu ação movida por procuradores contra o ex-deputado e ex-major Sebastião Curió, por crimes cometidos no combate à Guerrilha do Araguaia. O massacre dos guerrilheiros do PCdoB, quase todos executados depois se entregarem, já está bastante documentado, mas os relatos do repórter e escritor Leonêncio Nossa no livro Mata são de tirar o sono e o apetite. Uma luz forte jorra do livro sobre o papel de Curió. O TRF, como outros tribunais, invocou a Lei da Anistia, com seu perdão recíproco para os crimes cometidos durante a ditadura.
Também ontem, a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, defendeu um maior apoio do governo brasileiro à Comissão Nacional da Verdade, cujo trabalho elogiou. A comissão, entretanto, pode apenas apurar. Os delitos, disse ela, “devem ser vistos pelo sistema de justiça penal” do Brasil. Mas, para isso, a Lei da Anistia teria que ser revista, e o STF já se negou a fazer isso uma vez, embora ainda tenha que examinar um recurso da OAB. Como diz o atual coordenador da comissão, Pedro Dallari, o Brasil terá que enfrentar esse debate quando o relatório final da comissão for apresentado. Pois que sentido teria a revelação dos responsáveis por torturas, mortes e desaparecimentos se, pelo menos os que ainda vivem, não puderem pagar pelo que fizeram?
Vaga preenchida
Com a decisão do PSol de lançar a candidatura presidencial do senador Randolfe Rodrigues, fica preenchido um lugar que ainda estava vago e que nunca faltou nas disputas presidenciais pós-redemocratização: a candidatura de ultraesquerda. Ainda que o PSTU lance José Maria pela quarta vez, e o PCO relance Rui Costa, o PSol é o maior partido nesse espectro, o único que tem representação no Congresso. Com Heloísa Helena, em 2006, recebeu mais de 6,5 milhões de votos. Com Plínio de Arruda Sampaio, em 2010, menos de 900 mil votos. Do potencial de Randolfe, falarão ainda as próximas pesquisas, mas é certo que ele ajudará os candidatos da oposição a somarem votos para forçar um segundo turno contra a presidente Dilma.
Continua faltando, no quadro, um candidato de direita, que seja ideológico, e não apenas um conservador nos costumes, como Pastor Everaldo, que concorrerá pelo PSC. É para esse papel que alguns sonham com a candidatura do ministro Joaquim Barbosa.
Fonte: Correio Braziliense
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