• A doutora não existe sem Nosso Guia, quando eles parecem afastados, há mais estratagema do que desencontro
- O Globo
Dilma Rousseff compôs dois ministérios. Um novo, na área econômica, cujo principal expoente foi recrutado na banca. Outro, velho, nas demais pastas. Novidade, só a emergência das principais facções petistas como se fossem partidos políticos. À primeira vista, a corrente majoritária que se denomina Construindo um Novo Brasil, CNB, perdeu espaço para a Democracia Socialista. Olhando-se de perto, isso quer dizer pouca coisa. Nem um grupo quer construir um novo Brasil, nem o outro sabe qual tipo de socialismo busca. Tanto é assim que o ex-deputado André Vargas, que se desligou do partido e teve o mandato cassado, ainda está listado na coordenação nacional da CNB. Esse seria o grupo de Lula. Já se chamou Articulação, rebatizou-se como Campo Majoritário e celebrizou-se por hospedar a maior parte da bancada dos condenados pelo mensalão. Doze anos de poder mostraram que essas facções operam no varejo. Às vezes, no balcão dos cargos. Em outro casos, no perigoso varejo das empresas amigas.
A partir de amanhã vai-se saber se a doutora efetivamente renunciou ao cargo de ministra da Fazenda. Se isso acontecer, a maior influência sobre o novo governo terá vindo de Lula. Foi ele quem primeiro soprou a ideia de se defenestrar Guido Mantega e novamente foi ele quem sugeriu a busca de um novo ministro na banca. De certa maneira, foi isso que aconteceu em 2003, quando o ministro Antonio Palocci buscou no mercado e no rigor fiscal os comandantes da economia petista.
O que vem por aí será um ano de apertos ou, como diria o prefeito Fernando Haddad, de “deslizamento” das promessas de campanha. Lula flertou com a ideia de substituir Dilma na disputa pela Presidência, mas nunca chegou a explicitar esse desejo. Limitou-se a estimular a onda. Quando estava no Planalto, fortalecia o ministro Palocci, mas dava voo livre ao vice-presidente José Alencar para criticar a política econômica de seu governo. Agora esse papel cairá no seu colo, ocupando um espaço onde a oposição tucana estará condenada ao silêncio, visto que a doutora capturou-lhe a agenda. Essa guinada funcionará enquanto Dilma Rousseff tiver sangue-frio para segurar maus indicadores econômicos e um inevitável desgaste das estatísticas do emprego. Durante seu primeiro mandato, Lula conseguiu essa proeza e viu-se favorecido por uma economia mundial benfazeja.
Dilma e Lula têm almas intercambiáveis. Ambos podem ser eles mesmos, mas também podem ser o outro. Nessa mistura não há indefinição, mas estratagema. Lula defende como pode a desgraça da Petrobras, Dilma promete faxina. Dilma cortará despesas, Lula culpará a elite de olhos azuis pelo que seria uma crise internacional. Não há Dilma sem Lula e até 2018 não haverá Lula sem Dilma. Eles não podem se aproximar a ponto de parecer que ela não governa, nem se distanciar a ponto de a doutora dispensar o carisma de Nosso Guia. No limite, criador e criatura só se separam em circunstâncias especiais. Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso afastaram-se, mas faltava ao primeiro uma base partidária que Lula tem. Ainda assim, FH jamais chegou ao ponto do rompimento, premiando seu antecessor com duas embaixadas.
As almas intercambiáveis permitem a Lula e Dilma serem ao mesmo tempo governo e oposição.
Elio Gaspari é jornalista
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