• Para Marta Suplicy, concorrer à Prefeitura de São Paulo é quase uma necessidade inexorável. Como a vaga do PT é de Haddad, não lhe restará outro caminho a não ser aprofundar suas divergências e saltar do barco
- Correio Braziliense
Não, a coluna de volta das férias não é uma reminiscência dos festivais de música da década de 1960, em pleno regime militar. Tomei emprestado o nome da música de Geraldo Vandré, que embalou o romantismo voluntarista dos “da pesada”, para falar das “flores do recesso”. No jargão da crônica política, são aqueles assuntos que ocupam as páginas iniciais dos jornais durante o mês de janeiro, mas somem do noticiário por um passe de mágica quando o Congresso reabre. Algumas delas, porém, costumam dar frutos ao longo do ano, alguns amargos.
A roseira vermelha do recesso, digamos assim, é a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que ocupa o noticiário político desde domingo, quando O Estado de S.Paulo, na estreia de Eliane Catanhêde, publicou a entrevista na qual a ex-ministra da Cultura disparou contra o seu sucessor, Juca Ferreira, contra o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e contra a presidente Dilma Rousseff. Como já se sabia, e Marta agora confirmou, a senadora paulista encabeçou o “Volta, Lula”, a princípio estimulada pelo próprio ex-presidente da República. Depois, o líder petista tirou a escada e deixou-a “pendurada no pincel”, para usar uma expressão bem metalúrgica.
Há várias leituras da entrevista — ou narrativas, como gostam de dizer os mais modernos —, mas o que pode dar frutos dessa roseira, em pleno inverno, é a natureza objetiva do conflito entre Marta e o PT. O primeiro lance público de seu descolamento foi a carta na qual anunciou a saída do Ministério da Cultura, em que fez duras críticas à “matriz econômica” adotada pela presidente Dilma durante o vice-reinado de Guido Mantega na Fazenda. Foram tão certeiras e escoradas em opiniões do grupo que gravita em torno de Lula que a escolha de Joaquim Levy para o comando da equipe econômica, por exigência do ex-presidente da República, dispensa mais detalhes.
A segunda florada veio na nomeação de Juca Ferreira para o Ministério da Cultura, torpedeada em tempo real por Marta Suplicy, que criticou asperamente a gestão do ex-ministro nas redes sociais. Agora, aponta malfeitos na Cinemateca Brasileira e critica uma relação promíscua do novo ministro com o líder do movimento Fora do Eixo, Pablo Capilé, aliado que teve papel de destaque na mobilização de jovens no segundo turno da campanha eleitoral. Atacado na entrevista de domingo, Ferreira respondeu, na segunda-feira, como quem acha que chumbo trocado não dói. Estava ao lado do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, inimigo figadal de Marta e verdadeiro alvo da senadora, que sobre ele disse o que pensam muitos petistas e aliados: chamou-o de arrogante, autoritário e trapalhão. Foi uma trombada e tanto. No novo ministério, com todo respeito, há Mercadante, Levy e o resto.
A partida
É vero, Marta é candidatíssima à Prefeitura de São Paulo. Foi impedida de disputar a eleição passada pelo ex-presidente Lula, que ungiu Fernando Haddad (PT) e conseguiu elegê-lo. Até agora, porém, a administração do petista não pegou no tranco. As pesquisas apontam sua gestão como a principal responsável pelo desastre eleitoral do PT em São Paulo nas eleições passadas. A senadora petista ainda tem boas relações com Lula, mas sabe que a sua sobrevivência política estará em risco em 2018, principalmente depois do rompimento com Dilma, que não precisa mais de seu apoio eleitoral.
Para Marta Suplicy, concorrer à Prefeitura de São Paulo é quase uma necessidade inexorável. Como a vaga do PT é de Haddad, não lhe restará outro caminho a não ser aprofundar suas divergências e saltar do barco até junho próximo, prazo para mudança de partidos. Essa não é uma operação fácil. Marta tem votos na periferia de São Paulo, mas não tem um grupo político, sempre foi carregada por candidatos proporcionais e militantes do PT. Não pode cair nos braços do governador tucano Geraldo Alckmin, de quem sempre foi adversária. Precisa construir uma “terceira via”, mas não pode renegar a sua própria trajetória, ou seja, buscar uma legenda com a qual tenha alguma afinidade política e ideológica. Marta está como aquele viajante de Kafka no conto minimalista intitulado A partida. “Viajante, qual é o seu destino?”, pergunta o protagonista. O segundo personagem responde: “Meu destino é sair daqui”.
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