• Vivemos um momento em que nas relações pessoais, até entre amigos íntimos e parentes, poucas vezes houve tanto ódio permeando nossas discórdias partidárias
- O Globo
Há exatos 30 anos, o país “caiu na democracia”, como se dizia, e 1985 ficou conhecido como o “ano do desacordo”, em contraposição a 1984, que foi o “ano do consenso”, tecido pela Campanha das Diretas. Como não acontecia há 21 anos, intelectuais e artistas passaram a divergir entre si. À primeira vista, era o fim do mundo. Afinal, fora graças ao consenso que se derrubou o regime militar, foi por causa de um grande acordo que se instaurou a Nova República e foi em função da unidade contra o inimigo comum que se forjou uma poderosa frente ampla. 85 desarrumou o que 84 tinha arrumado. Mas isso, em lugar de ser o fim, era o começo de outros tempos, cuja primeira lição consistia em aprender que, em matéria de opinião, todos só são iguais perante a ditadura. É próprio da democracia conviver com a diferença, suportar o contrário.
Pelo tempo e a prática, era para já termos aprendido essa lição de tolerância. No entanto, como está se vendo a partir das últimas eleições, essas três décadas de exercício se mostraram inúteis. Vivemos um momento em que nas relações pessoais, até entre amigos íntimos e parentes, poucas vezes houve tanta hostilidade e tanto ódio permeando nossas discórdias partidárias. As pessoas passaram a ser não adversárias políticas, mas desafetas e inimigas. Estimulado pelo anonimato e a impunidade, replicado pelo processo viral, o “território livre da internet” virou um campo de batalha verbal onde vale tudo: ofensas morais, infâmias, xingamentos.
Tudo isso, agravado pela corrupção, pela disputa interna da base governista e pelo enfraquecimento da presidente, criou um processo de deterioração que se traduz em baixos números de aprovação, como os da última pesquisa de opinião, sem falar nas sucessivas derrotas no Congresso impostas ao governo pelos aliados Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Como recurso extremo, ela pediu socorro ao vice Michel Temer, do mesmo PMDB, entregando-lhe a articulação política.
Um perspicaz observador do processo político brasileiro, que acaba de circular pelas altas rodas de Brasília, voltou impressionado com o estado de espírito da capital federal. O que mais chamou sua atenção foi o clima de desconfiança e medo que perpassa várias instâncias do poder (e ele esteve lá antes dos roedores na CPI da Petrobras, substituindo a metáfora pela representação literal). É como se a qualquer momento um escândalo fosse atingir alguém bem situado. A rigor, é como se ninguém pudesse considerar-se imune a uma denúncia-surpresa.
No momento em que Dilma tenta festejar seus cem dias do novo mandato, ele sentiu um “ar de fim de festa”.
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