quarta-feira, 20 de abril de 2016

Delator: Dilma pediu ajuda de Delcídio para soltar empresário

• Ex-assessor de senador diz que ouviu do chefe relato de como presidente quis atrapalhar Lava-Jato

Em depoimento, o ex-chefe de gabinete do senador Delcídio Amaral disse que Dilma pediu ao parlamentar para tentar interferir na Lava-Jato.

Carolina Brígido e André de Souza - O Globo

-BRASÍLIA- Em delação premiada firmada com o Ministério Público Federal (MPF), Diogo Ferreira, ex-chefe de gabinete do senador Delcídio Amaral (sem partido-MS), declarou que a presidente Dilma Rousseff teria tentado interferir na Operação Lava Jato, ao nomear Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo Ferreira, pouco antes da nomeação, Delcídio contou a ele que teve encontro particular com Dilma, “a qual lhe pedira, na ocasião, que obtivesse de Marcelo Navarro o compromisso de alinhamento com o governo para libertar determinados réus importantes da Operação Lava-Jato”. Dilma teria citado expressamente o nome do empreiteiro Marcelo Odebrecht.

A delação foi homologada pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Nos depoimentos, Ferreira disse que, antes da nomeação, teve a tarefa de fazer contatos com Navarro pelo WhatsApp. Essas mensagens foram entregues ao MPF. Numa delas, enviada em 20 de julho de 2015, dias após o encontro de Delcídio com Dilma, o ex-chefe de gabinete convocou Navarro para uma reunião com o senador. Ferreira contou que, após uma das reuniões entre o senador e o futuro ministro, Navarro teria se despedido dizendo: “Não se preocupe, está tudo entendido”.

Ainda segundo Ferreira, Delcídio teria se encontrado com Navarro ao menos cinco vezes antes da nomeação, em procedimento atípico, comparando com outros candidatos a vagas em tribunais superiores. “Essa frequência não tem paralelo com outros pretendentes a vagas em tribunais”, disse Ferreira.

Ferreira disse aos investigadores que Delcídio tratou da nomeação, com o objetivo de libertar réus da Lava-Jato, com o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ele contou que, antes da nomeação, em encontro de Delcídio com Cardozo, o senador teria pedido ao assessor o número dos habeas corpus que a defesa dos ex-diretores da Petrobras Nestor Cerveró e Renato Duque tinham pedido ao STJ, e não tinham sido julgados. Depois, o senador teria dito a Ferreira que “havia a intenção de obter de Marcelo Navarro prestação jurisdicional favorável aos pacientes nesses habeas corpus”.

Lula teria demonstrado preocupação
Ferreira disse que ouviu de Delcídio “que o ex-presidente Lula manifestava preocupação com a Operação Lava-Jato, especificamente com sua incisividade”. E que Delcídio teria comentado com Ferreira que participou de uma reunião com Lula num hotel de Brasília, onde o ex-presidente teria demonstrado “preocupação com a hipótese de Nestor Cerveró vir a fazer acordo de colaboração premiada”.

Também na delação, Ferreira afirmou que entregou dinheiro destinado à família Cerveró a pedido de Delcídio. O senador, que seria amigo do ex-diretor, teria dito ao depoente que “os valores se destinavam a prover ajuda financeira à família de Nestor Cerveró, a qual estaria passando necessidades em razão de estar com seus bens bloqueados e de Nestor não estar recebendo salário”. Ferreira teria ido três vezes a São Paulo para repassar as quantias.

Na primeira vez, Ferreira teria pego o dinheiro com um motorista de Maurício Bumlai, filho do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula. Na segunda, Maurício Bumlai teria entregue o dinheiro. Na terceira, o dinheiro teria sido entregue por um emissário de Ângelo Rabello, ex-assessor de Delcídio. Nas três vezes, o dinheiro teria sido repassado ao advogado Edson Ribeiro, defensor de Cerveró.

No documento que pede a homologação do acordo, a vice-procuradora-geral da República Ela Wiecko diz que “tal acordo foi firmado com a finalidade de obtenção de elementos de provas para o desvelamento dos agentes e partícipes responsáveis, estrutura hierárquica, divisão de tarefas e crimes praticados pela organização criminosa, no âmbito do Palácio do Planalto, do Senado Federal, do Ministério da Justiça, do Superior Tribunal de Justiça e da companhia Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras), entre outras”.

Com o acordo, Ferreira será condenado no máximo a seis anos, com substituição da pena de prisão por pena de prestação de serviços à comunidade por um ano e multa de R$ 30 mil, a ser paga em até 60 dias. Diogo foi preso por tentar atrapalhar as investigações, junto com Delcídio e o advogado Edson Ribeiro. Hoje, cumpre prisão domiciliar. Os depoimentos de Ferreira reforçam a delação de Decídio. O senador disse que Dilma lhe deu “sinal verde” para conversar com Navarro, a fim de que ele assumisse o compromisso de atuar pela liberação de presos da Lava-Jato. Ele também envolveu Lula e a família Bumlai na tentativa de comprar o silêncio de Cerveró, que viria a firmar acordo de delação.

A assessoria do Planalto afirmou que Dilma recebeu com “profunda indignação” o que chamou de mais uma inverdade declarada em delação premiada. Segundo a assessoria, Dilma disse que esse é um ataque mentiroso, baseado tão somente no “disse que disse”, sem qualquer base na realidade.

Já Navarro negou, por meio de nota, que tivesse feito acordo com o governo para libertar réus da Lava-Jato em troca de sua nomeação: “Nunca me comprometi a nada, se viesse a ser indicado. Minha conduta como relator do caso conhecido como Lava-Jato o comprova: em mais de duas dezenas de processos dali decorrentes, não concedi sequer um habeas corpus monocraticamente, quando poderia tê-lo feito”. Ele disse que em seis processos votou pela libertação dos réus, mas a decisão foi tomada pela 5ª Turma do STJ, que manteve os réus presos. Em nota, Cardozo disse que não se pronunciaria.

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