O governo federal avisou ontem que pretende mudar radicalmente a trajetória dos gastos públicos, ao propor como regra que eles não cresçam acima da inflação do ano anterior. Ao apresentarem medidas que virão após a provação da nova meta fiscal para 2016, com rombo de R$ 170,5 bilhões - a anterior aceitava déficit de até R$ 96,7 bilhões - tanto o presidente interino, Michel Temer, quanto o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, inverteram a ordem tradicional dos pacotes econômicos. Praticamente não foram anunciadas medidas imediatas, além, claro, do buraco fiscal.
A lógica reversa traçada, porém, muda a trajetória dos gastos públicos, cuja evolução real (descontada a inflação) bateu com folga o crescimento do PIB e, nos últimos anos, deixou muito para trás o desempenho das receitas. O principal meio usado para redesenhar a arquitetura das despesas é uma proposta de emenda constitucional (PEC), a ser apresentada em duas semanas, que estabelecerá que o teto do aumento de gastos será inflação passada - sem indexação automática, isto é, com muitas despesas relevantes crescendo abaixo do ritmo do índice de preços.
Essa regra simples tem potencial para eliminar a rigidez de gastos obrigatórios como os de saúde e educação, que seguem uma proporção fixa das receitas, sobem com elas, mas não caem quando elas minguam. Não foi detalhado como isso será feito, mas a direção é essa. O freio não seria eficiente quanto às despesas crescentes da Previdência Social, cujo piso é indexado pelo salário mínimo, e este pela inflação mais o crescimento do PIB com defasagem de dois anos. Por isso, o governo propôs a desvinculação do piso previdenciário do mínimo, que será tentada no âmbito da reforma da Previdência, submetida a um grupo de estudo com as centrais sindicais - mesmo itinerário dessa reforma nos últimos meses do governo de Dilma Roussef.
Outros meios de contenção reservados para o futuro também não foram detalhados. O governo pretende obter a desvinculação das receitas orçamentárias em proporção ainda em estudo, segundo Meirelles, embora ela possa ser maior do que os 30% em análise no Congresso. Outra economia possível, sob avaliação jurídica, é a antecipação de pagamento de R$ 100 bilhões dos R$ 480 bilhões repassados pelo Tesouro ao BNDES - R$ 40 bilhões neste ano. O Tribunal de Contas da União será consultado para que avalie se a medida fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. O BNDES, em tese, tem recursos para fazê-lo: segundo a Fazenda, possui R$ 52,8 bilhões em caixa e mais R$ 90 bilhões em títulos públicos. A devolução pouparia R$ 7 bilhões anuais em subsídios.
Para obter o aperto radical das despesas, o ponto de partida foi possivelmente afrouxado. A meta para o déficit do governo federal, de R$ 170,5 bilhões pode acomodar, salvo imprevistos, todas as despesas, sem cortes - até mesmo R$ 21,2 bilhões de contingenciamentos caíram por terra para não deixar o governo Temer logo de início a pão e água. Nenhuma receita futura duvidosa foi acrescentada.
O governo manteve as metas para 2017 e 2018, com superávits primários crescentes, apontando, porém, que elas estavam sendo revistas. É óbvio que a própria definição de novas metas depende da aprovação do freio radical nos gastos, enquanto sua trajetória para 2016 é horrível e já está dada.
O plano à primeira vista é forte, mas precisará ser votado e aprovado. A contenção de gastos será grande e a PEC terá de passar pelo Congresso com o apoio de três quintos dos votos, isto é, 308 na Câmara e 49 no Senado. Tempo para o atual governo (como para o anterior) significa diretamente risco político com as investigações da Operação Lava-Jato em andamento. O episódio do afastamento do ministro do Planejamento, Romero Jucá, do círculo mais próximo do presidente interino, queimaram um hábil negociador, enquanto que o STF tirou de cena, mas não dos bastidores, outro aliado importante do governo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Há mais ministros sob suspeita nas investigações, o próprio núcleo palaciano já foi mencionado em conversas de delatores premiados.
Abalos na credibilidade do governo, que teve início titubeante e desengonçado, tendem a se refletir diretamente na perda de sua força política no Congresso. O governo apostou alto e precisa de apoio político maciço que, pela quantidade de interesses feridos, pode não conseguir. É esse risco que diminuiu a simpatia dos investidores com as propostas para reequilibrar as contas públicas.
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