terça-feira, 19 de julho de 2016

Contragolpe turco – Editorial / Folha de S. Paulo

Sobram motivos para que turbulências na Turquia provoquem temores no restante do planeta.

Trata-se de potência regional e membro da Otan (aliança militar ocidental), com papel crucial na guerra que se desenrola na vizinha Síria, seja como linha de frente dos ataques contra o Estado Islâmico, seja como principal destino dos milhões de refugiados do conflito.

Só se pode, assim, reagir com preocupação à malfadada tentativa de golpe de Estado que resultou num final de semana sangrento e convulsivo naquele país.

Entre a noite de sexta-feira (15) e a madrugada de sábado, uma facção das Forças Armadas, afirmando agir em defesa da democracia secular turca, fechou pontes em Istambul e atacou o Parlamento na capital, Ancara.

A reação foi rápida. Retornando às pressas das férias, o presidente Recep Tayyip Erdogan convocou a população para ir às ruas e resistir ao levante, no que foi atendido. Os confrontos entre os dois lados terminaram com um saldo trágico de cerca de 250 mortes e o sufocamento do movimento militar insurgente.

Tentativas de rompimento da ordem institucional como essa devem, por óbvio, ser condenadas com veemência. Isso, todavia, não impede que se reconheça a escalada autoritária do país sob o comando de Erdogan.


Até há pouco apontada como modelo de sucesso na constituição de um Estado ao mesmo tempo islâmico e democrático, a Turquia tem se transformado num regime cada vez mais tirânico, com perseguição a opositores e restrição da liberdade de expressão.

O malogrado golpe deveria servir como um alerta do grau de polarização da sociedade e um estímulo para que o presidente busque o diálogo com a oposição. As ações de Erdogan após o incidente, porém, sugerem a direção contrária.

Prometendo eliminar o "vírus" presente nos órgãos do Estado, o presidente turco começa a promover prisões em massa. Cerca de 7.500 militares, membros do Judiciário e políticos já foram detidos, acusados de participação no golpe. Já há um movimento que pede a volta da pena de morte, abolida em 2004.

É provável, ademais, que Erdogan aproveite o episódio –do qual sai fortalecido– para aumentar suas forças e se perpetuar no poder.

Guardadas as proporções, pode-se esperar algo similar ao que se viu na Venezuela a partir de 2002, ano do golpe malsucedido contra Hugo Chávez: radicalização do regime, cooptação de instituições, expurgos de inimigos reais e imaginários.

Agindo dessa maneira, Erdogan deve progressivamente aproximar seu país da fronteira que separa a democracia da ditadura.

Traz ainda mais desalento o fato de que Estados Unidos e União Europeia, que poderiam exercer alguma pressão diplomática sobre a Turquia, dificilmente o farão –os norte-americanos por precisarem de Ancara no combate ao terrorismo; os europeus, por terem nos turcos uma solução improvisada para a sua crise de refugiados.

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