Por Bruno Peres - Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
• Para Calero, é importante 'atacar' a dependência em relação a editais, em sua visão esporádicos ou de nível financeiro insuficiente
BRASÍLIA - Quando chegou em maio à sede do Ministério da Cultura, em Brasília, o diplomata carioca Marcelo Calero, de 34 anos, teve uma má impressão do edifício. "Meio assim largado", diz. O letreiro na fachada voltada para a Esplanada dos Ministérios indicava o compartilhamento da estrutura do prédio. "Era o único ministério que tinha escrito Ministérios Meio Ambiente - Cultura", lembra. Hoje, quem passa pelo local observa uma inscrição do status para cada uma das pastas - Ministério da Cultura acima de Ministério do Meio Ambiente.
Segundo Calero, o gesto rendeu elogios e agradecimentos de servidores. "Uma iniciativa simples, quase boba, mas que tem a ver com a simbologia que a gente procurou empregar desse letreiro para dentro. Essa reorganização interna, essa valorização de servidores, esse pensamento estratégico", afirma o ministro.
O status da Cultura como ministério só ocorreu após forte pressão no meio artístico contrário à extinção da pasta, inicialmente proposta pelo presidente Michel Temer, ainda na interinidade de governo. O barulho contra o seu fim continuou ecoando sobre o então recém-indicado para o posto. "Eu via pouco de segmento cultural. Havia muita gente querendo se aproveitar disso para fazer posicionamento político e ideológico. Próprio da democracia", observa. "Mas quem perde é o setor cultural."
Há cinco meses na pasta, Calero diz que fez uma reformulação. Sem inflar a estrutura interna, criou as secretarias da Economia da Cultura - para pensar o setor como eixo de desenvolvimento estratégico para o Brasil - e de Infraestrutura Cultural - para investir no que já existe em relação a centros culturais e espaços artísticos. "É pensar a cultura como eixo estratégico, com uma cadeia produtiva, dialogando com a indústria de alta performance e aqueles que estão começando empreendimentos culturais, procurando inovações de ordem regulatória. Pensar a área da cultura como um agente socioeconômico mais relevante."
As metas prioritárias da pasta ainda estão sendo debatidas e as ações concretas não foram formalizadas, mas devem privilegiar um redesenho da Funarte; o aperfeiçoamento da Lei Rouanet; a constituição de fundos patrimoniais permanentes para financiamento no setor; e o alinhamento do patrocínio de empresas estatais às políticas do ministério. Em um cenário de aperto financeiro, reformas de espaços culturais pelo país, com o apoio do governo federal, vão levar em consideração as instituições mais "icônicas" em cada localidade, com ênfase em um primeiro momento às bibliotecas.
Não há evento social que frequente em que a Lei Rouanet não seja alvo de questionamentos ou mesmo pedidos de extinção, conta Calero. A atualização da lei deverá contemplar a possibilidade de mais empresas participarem desse mecanismo, não apenas as tributadas com base em lucro real, mas também aquelas que consideram lucro presumido.
"Isso faria com que a gente tivesse naturalmente uma melhor distribuição, inclusive geográfica. Essa é uma das grandes reclamações da Lei Rouanet", diz o ministro. A fiscalização deve ser aperfeiçoada com parcerias com órgãos como a Receita Federal e auxílio de outros ministérios, como Justiça e Transparência, Fiscalização e Controle.
"Precisamos de ajuda. Senão fica sendo o 'Ministério da Rouanet', o 'Ministério da Fiscalização de Planilha'. Essa não é nossa vocação. Nossa vocação é saber se o projeto cultural está bem executado, se utilizou de maneira eficiente, do ponto de vista cultural, os recursos que lhe foram outorgados", afirma. "Nós precisamos desses órgãos mais próximos, entendendo que se trata, portanto, de um incentivo fiscal."
O ministro atuou, sem sucesso, para evitar a instalação de uma comissão na Câmara para investigar a Lei Rouanet. Uma das primeiras movimentações nesse sentido ocorreu durante um evento em Brasília no Memorial JK - museu sobre a vida e carreira política do ex-presidente Juscelino Kubitschek.
Calero fez referência ao mecanismo de fomento cultural durante breve um discurso. O deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que preside a CPI da Lei Rouanet, estava presente. O ministro alertou para o risco de haver um "apagão cultural" em virtude do impedimento de empresas investirem na área cultural por meio da lei de fomento enquanto ela estiver sob investigação, justamente durante o período mais comum de planejamento e programação financeira de instituições culturais e patrocinadores.
A Operação Boca Livre, da Polícia Federal, que revelou fraudes e irregularidades no uso do instrumento de fomento cultural, é considerada "um grande aprendizado" para o governo. Uma portaria interministerial deve ser formalizada em breve para maior cooperação e troca de informações no cruzamento de dados e identificação de "malfeitos".
O ministro avalia também alguns modelos de gestão para a Funarte, que podem contribuir para uma reformulação que permita retomar sua vocação de estímulo às artes, à capacitação de agentes culturais, à criação de uma cadeia produtiva da cultura no país e à elaboração de programas que possam significar o desenvolvimento estético das linguagens artísticas. Calero também considera importante "atacar" a dependência em relação a editais, em sua avaliação esporádicos ou de nível financeiro aquém do que a produção artística e cultural no país mereceria. Afirma que essa dependência pode ser gradualmente substituída por uma relação em que o Estado viabilize maior sustentabilidade.
"Se você tiver uma entidade governamental que se preocupe, por exemplo, com a gestão daqueles produtores das artes, você consegue desenvolver programas que signifiquem sustentabilidade", afirma. "Precisamos investir em experiências de vanguarda e experiências que signifiquem novos horizontes dentro da estética das linguagens artísticas, mas não por isso a gente precisa descuidar de segmentos, projetos ou setores que já estejam mais amadurecidos."
Entre outras parcerias debatidas pelo ministro da Cultura, há um memorando de entendimento com o Movimento Brasil Competitivo para melhoria de gestão. Já o pedido de inclusão de perguntas relacionadas à cultura nos questionários feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em um horizonte próximo, deve contribuir para mensuração da produção artística e cultural no país. Para o longo prazo a intenção é dispor de um órgão que se ocupe da sistematização de dados do setor: quantas são as instituições culturais, quem são os fazedores de cultura e qual é o público que recebe os projetos.
Algumas iniciativas já executadas ou pensadas pelo ministro derivam de sua atuação como secretário de Cultura no Rio, na gestão de Eduardo Paes (PMDB), como o projeto Bibliotecas do Amanhã, já reproduzido no âmbito federal, para reforma dos acervos públicos, com adoção de projetos educativos, e incentivos para bibliotecas comunitárias e instaladas em conjuntos habitacionais financiados pelo governo. Calero se refere a Eduardo Paes, como "o melhor prefeito da história do Rio de Janeiro" e "um dos nomes mais fortes para a candidatura ao governo do Estado em 2018".
O ministro não nega a ambição política. "Eu pertenço a um grupo político do qual tenho muito orgulho. Vou trabalhar para que a gente possa eleger Eduardo Paes governador do Estado do Rio em 2018", diz Calero. "Antes disso, meu objetivo é fazer com que o presidente Temer tenha a mais significativa gestão da área da cultura na Nova República."
Para ele, há sensibilidade no governo em relação à área cultural. Houve aporte emergencial de R$ 1 bilhão para quitar dívidas deixadas pelas gestões anteriores. Na ponta do lápis, há R$ 350 milhões ainda a serem pagos e o compromisso de não gerar mais dívidas para o próximo ano.
Calero mantém o discurso alinhado com o do presidente Temer e diz acreditar que o país começa a voltar à "normalidade", minimizando reações e críticas negativas da classe artística à sua gestão, ao destacar que nos dias atuais todas as pessoas têm procurado afirmar suas posições de maneira mais contundente.
"Não há problema nisso. Pelo contrário, mostra uma democracia viva e atuante. Cabe ao governo a responsabilidade de atuar nesse cenário", afirma Calero. O ministro nega ter comprado brigas com o setor. Considera somente ter procurado não fugir de seus posicionamentos. "Ser diplomata não significa estar em cima do muro o tempo todo."
Há poucos dias, o escritor Marcelo Rubens Paiva recusou-se a receber a condecoração da Ordem do Mérito Cultural, do Ministério da Cultura, por discordar da forma como o atual governo foi alçado ao poder. Calero disse lamentar o episódio, mas o considerou ilustrativo de como o ministério não está preocupado com quem o apoia. "Acho lamentável que tenha prevalecido na decisão do Marcelo uma razão de ordem política. Ele faz um trabalho de excelência que merece a reverência de todos e é motivo de orgulho para os brasileiros", afirma o ministro.
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