Por Fernando Taquari e Cristiane Agostine | Valor Econômico
SÃO PAULO - O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ontem, na capital paulista, que os depoimentos de Marcelo Odebrecht à Justiça Eleitoral mostram que o país vive um quadro de "descalabro" diante de uma relação promíscua e anárquica entre o Poder Público e o setor privado e que esse cenário representa uma ameaça às eleições presidenciais.
Em palestra a empresários, o magistrado defendeu a substituição do atual modelo de financiamento de campanha, que proíbe as doações privadas. Caso contrário, previu o ministro, as eleições de 2018 vão ocorrer em um palco de "anomia e falta de controle" em relação ao uso de caixa dois.
"Acho que nós vivemos nas últimas décadas, e isso não precisa das delações (para atestar), um quadro de descalabro tão grande que é difícil classificar essa apropriação do público pelo privado, essa relação anárquica e promíscua", afirmou Gilmar ao comentar o depoimento de Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O volume de doações via caixa dois na campanha de 2014, segundo o magistrado, causou surpresa entre os demais ministros do tribunal, sobretudo Dias Toffoli que, na época, chegou a prever como presidente do TSE que o elevado montante de recursos repassados de forma regular representava o fim dos recursos não declarados.
"Talvez, o caixa dois tenha sido tão forte ou até mais forte do que o caixa um. Imagina o que vai ser uma eleição presidencial com um sistema sem regulação. Esse tema precisa estar na agenda até setembro pelo princípio da anualidade. Esse é o grave problema", acrescentou.
À Justiça Eleitoral, lembrou Gilmar, Odebrecht disse que 80% dos repasses da empreiteira para a campanha de Dilma Rousseff, na ocasião, ocorreram por meio de caixa dois. O ministro, no entanto, evitou previsões sobre o julgamento da ação do PSDB que pede a cassação da chapa de Dilma e Michel Temer, eleita em 2014, por abuso de poder.
Em um recado ao Congresso, classificou a reforma eleitoral como urgente, sobretudo em relação à necessidade de buscar uma alternativa ao atual modelo de financiamento de campanha, uma vez que não há no Brasil tradição das doações por pessoa física e tampouco recursos públicos suficientes para custear as eleições.
"Espero que o Congresso consiga pensar numa engenharia que possa minimamente regulamentar esse tema, porque estamos num vazio. Corremos o risco, numa corrida de elefantes, como tenho chamado a eleição presidencial, de termos um quadro de anomia e falta de controle", declarou Gilmar.
Durante a palestra, ele ainda criticou o STF ao condenar duas decisões tomadas pela Corte em questões relacionadas à reforma política. Ao defender a cláusula de barreira, disse que o Supremo provocou uma "trapalhada" ao derrubar a constitucionalidade da medida em 2006. Em outro momento, afirmou que o STF foi "insincero" ao proibir as doações privadas.
"Porque se fosse sincera em toda a extensão, e talvez até tivesse sido a salvação do país, teria que anular todas as eleições realizadas anteriormente, porque foram todas com pessoas jurídicas", justificou o magistrado, que ainda defendeu o fim das coligações e a desconstitucionalização do tema para que alterações referentes ao assunto possam ser feitas por lei complementar em outro momento.
Em outro evento no começo da noite, o ministro voltou a criticar tentativas de parte do STF de viabilizar uma reforma política ao denominar essas iniciativas como um "juvenil assanhamento". As mudanças nas regras eleitorais, segundo ele, devem ser feitas pelo Congresso. "Não tem outro caminho. As outras alternativas são sempre viciadas e autoritárias", disse.
"Pode ter até assanhamento juvenil no tribunal, querendo propor esse tipo de coisa, mas [é preciso ir] devagar como andor nesse tipo de coisa", declarou antes de palestra no Instituto de Direito Público (IDP).
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