Passado o primeiro turno das eleições presidenciais, espera-se que os candidatos aprofundem a discussão dos imensos desafios econômicos do futuro governo. Os problemas não são poucos e começam pelas despesas elevadas com juros, com a Previdência e com pessoal, que consomem dois terços da receita com arrecadação. Somando-se as transferências a Estados e municípios e outras despesas obrigatórias chega-se a 97% do total arrecadado. Restarão para despesas discricionárias, incluindo investimentos, os 3% restantes, sem falar no déficit primário projetado em R$ 139 bilhões.
O balanço é preocupante e mal foi abordado no primeiro turno das eleições. Juros em patamar histórico de baixa, inflação sob controle e dentro da meta e contas externas em ordem, apesar dos solavancos do câmbio, contribuíram para esmaecer o foco da economia. Mas o desequilíbrio fiscal é grave e terá que ser enfrentado pelo futuro governante em um ambiente complexo e nem sempre favorável no Congresso. Muitas das medidas a serem tomadas exigem mudanças na Constituição e, portanto, convencer quase o triplo dos 12 partidos com os quais Fernando Henrique teve de lidar.
O desafio começa pela necessidade de levar adiante parte importante da agenda que o governo de Michel Temer foi incapaz de concluir. Para a maioria dos especialistas, mudar as regras da previdência é prioridade zero. As despesas com aposentadoria consumirão R$ 638 bilhões no próximo ano, sendo que a arrecadação cobre dois terços disso; o restante tem que vir do Tesouro. A equipe econômica está empenhada em tentar aprovar a reforma da previdência em pelo menos uma das casas do Congresso ainda neste ano, mesmo que seja necessário suspender a intervenção no Rio. A proposta original já foi modificada após negociações com os parlamentares, que reduziram a economia prevista para R$ 600 bilhões em dez anos, R$ 150 bilhões a menos do que o projeto original. Mas isso pode não prosperar: o futuro governo desejará estabelecer seus próprios parâmetros.
Há outras tarefas a cumprir. Pelo menos 36 foram mapeadas pelo Ministério do Planejamento e precisam ser resolvidas nos primeiros 100 dias do novo governo, ou seja, exigirão uma rápida resposta. Uma delas é a subvenção ao óleo diesel, implantada em junho como uma das medidas para acabar com a greve dos caminhoneiros de maio, e que está custando R$ 9,5 bilhões neste ano. Há muitas críticas à manutenção desse subsídio no quadro de penúria fiscal em que o país vive, mas há também o receio de uma nova greve. Em tema relacionado, é preciso finalizar a discussão a respeito da cessão onerosa com a Petrobras e do leilão do excedente de petróleo, que poderá reforçar muito a arrecadação.
Outro assunto importante é a correção do salário mínimo. Termina no próximo ano a vigência da regra atual pela qual ele é corrigido pela variação da inflação do ano anterior, medida pelo INPC, mais o crescimento do PIB de dois anos antes. A definição tem implicação nas despesas com previdência, seguro-desemprego, abono salarial e benefícios de assistência social para os mais pobres, que são vinculadas ao salário mínimo. A manutenção da regra atual custaria quase R$ 22 bilhões em 2020. A regra de correção para os próximos anos terá que constar já da proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que é enviada ao Congresso obrigatoriamente em abril.
Depois da previdência, a principal fonte de despesas do governo é com os salários e encargos do funcionalismo público, incluindo inativos e pensionistas, que leva cerca de R$ 326 bilhões. A categoria teve reajuste garantido pelo governo de Temer, em medida ainda questionada. A respeito desse ponto as propostas do Planejamento parecem de difícil implementação, como a redução das 309 carreiras atualmente existentes, a equiparação com os salários da iniciativa privada e o aumento dos níveis de progressão. Sugere-se ainda ao futuro governante fazer o que o Temer não conseguiu: adiar para 2020 o reajuste dos servidores.
Merece ainda menção a necessidade de se enviar ao Congresso decreto para que os parlamentares aprovem um crédito "extra" de R$ 258 bilhões para bancar principalmente gastos da previdência e evitar o descumprimento da "regra de ouro" do Orçamento, que impede a emissão de dívida para pagar despesas correntes, como salários, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade fiscal. Enfim, uma lista de tarefas tão complexas e urgentes quanto difíceis de realizar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário