- O Globo
Fernando Haddad e o comissariado petista querem costurar uma “frente democrática” para derrotar Jair Bolsonaro e puseram em campo o ex-ministro e ex-governador da Bahia Jaques Wagner. Se conseguirem, no mínimo, levantam o nível da campanha.
Wagner é competente, e seu desempenho na Bahia comprova isso. Governou o estado de 2007 a 2015, elegeu o sucessor que, por sua vez, acaba de se reeleger. Se lhe faltasse credencial, no início do ano defendia uma chapa com Ciro Gomes e Haddad na vice. Foi atropelado pelo oráculo de Curitiba, recolheu-se e foi tratar de sua campanha para o Senado.
As duas principais pontas dessa costura são Ciro Gomes e Fernando Henrique Cardoso. Ciro tem um capital eleitoral e já disse que “ele não”. Ainda falta para que entre na campanha de Haddad. Ele seria um corpo estranho no estilo que Haddad apresentou no primeiro turno. A questão será saber em que tipo de campanha e de propostas cabem os dois.
Só o tempo dirá onde o PT estava com a cabeça quando atropelou-o e, sobretudo, quando Dilma Rousseff descumpriu a palavra dada ao irmão de Ciro, que lhe oferecia uma cadeira de senadora pelo Ceará. Roberto Mangabeira Unger, velho amigo dos Gomes, já conversou com Haddad.
A ponta de Fernando Henrique Cardoso é mais delicada. Ele está fechado em copas, numa dupla negativa: “Não concordo com o reacionarismo cultural e o descompromisso institucional de uns vitoriosos e tampouco com a corrupção sistêmica e com o apoio ao arbítrio na Venezuela e em outros países.” Para tirá-lo dessa posição, será necessária muita conversa. Mesmo assim, FHC sabe o peso biográfico de um eventual silêncio. São duas costuras possíveis para Jaques Wagner.
Uma parte do fenômeno Bolsonaro saiu do rancor petista, da eternizada adoração oracular a Lula e, sobretudo, da resistência dos comissários à autocrítica. Muitas pessoas podem até votar em Haddad, mas se o preço for defender a moralidade petista no balcão de uma lanchonete, acabam votando no capitão. O rancor produzido pela onipotência virou veneno e ainda está lá.
Mesmo depois do massacre de domingo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse o seguinte: “Nós vamos fazer um chamamento a todos os democratas. (...) Não temos restrição, se as pessoas tiverem noção do que está em jogo no Brasil e defenderem a democracia, têm que estar nessa caminhada.”
Quem a ouvisse acreditaria que falava a uma plateia de militantes. “Têm que estar”, por que, cara pálida? A causa democrática não precisa do toque de clarim do PT, é justo o contrário.
A ideia segundo a qual o programa do PT precisa apenas de ajustes é suicida. Quem propõe uma frente democrática não fala essa língua, até porque, felizmente, os comissários já jogaram no mar a proposta de uma Constituinte. A maior frente já construída na política brasileira foi a das Diretas Já, de 1984. Nela entrou até Tancredo Neves, que, com fina percepção, a considerava “necessária, porém lírica”.
Na sua fala ao “Jornal Nacional”, Jair Bolsonaro desautorizou a sugestão de Constituinte de sábios e a referência ao “autogolpe” de seu vice Hamilton (e não Augusto) Mourão. Fica combinado assim. Faltou esclarecer o significado de uma frase na sua saudação de domingo: “Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil.”
Sem ativistas, não há democracia. Não existiriam o PT, nem o PRTB de Levy Fidelix com seu Aerotrem. Bolsonaro também precisa de um filtro moderador, mas talvez a banda golpista de seu eleitorado nem o queira.
Um comentário:
Élio Gáspari, como sempre, perfeito em sua análise. E este blog presta um grande serviço ao país ao postar artigos de articulistas tão bons, moderados e inteligentes. Carlos Roxo
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