sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Igor Gielow|| O custo da indecisão está no horizonte

- Folha de S. Paulo

Derrota em caso Aécio anima adversários de Doria, mas sinaliza ruptura no PSDB

Filiação de Frota deve ser nova batalha, mas governador ainda tem trunfos à mão

A acachapante derrota de João Doria na votação da Executiva Nacional do PSDB que decidiu manter o deputado Aécio Neves (MG) no partido está sendo comemorada pelos adversários do governador paulista como um golpe que irá moderar seu apetite por poder dentro da sigla.

Um dos organizadores do movimento que salvou Aécio afirma, sob reserva, que a toxicidade do mineiro já cobrou todo o preço que poderia no péssimo desempenho nacional do PSDB em 2018. Segundo esse raciocínio, impor limites a um cada vez mais poderoso Doria seria imperativo.

Pode ser, mas o histórico da dinâmica interpessoal entre o governador e integrantes das alas mais antigas do tucanato parece implicar outra coisa: um caminho de rompimento. A pergunta que se deve fazer agora é outra: estará o PSDB disposto a isolar seu único ativo eleitoral nacional?

Presidenciável de primeira hora para 2022, Doria tem comandado o governo paulista de forma obsessiva, com anúncios diários de programas e divulgação de estatísticas favoráveis. Virou líder “de facto” da bancada de governadores do partido, integrada por Eduardo Leite (RS) e Reinaldo Azambuja (MS).

Ao mesmo tempo, o tucano se digladia com a difícil missão de dissociar-se do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Como se sabe, mirando eleitorados semelhantes, Doria amparou-se no voto “BolsoDoria” para bater Márcio França (PSB) no difícil segundo turno do ano passado. Aquela camiseta amarela não desbotará facilmente.

Assim, o governador alterna apoio a políticas que considera corretas do presidente a críticas pontuais cada vez mais duras no tom. A dicotomia está sendo explorada pelos adversários de Doria, a velha guarda paulista do partido à frente, aliada a líderes regionais e aecistas no caso específico da reunião da Executiva na quarta (21).

A disputa já havia começado na segunda (19), quando dois expoentes da velha guarda, o ex-presidente nacional José Aníbal e o ex-presidente paulista Pedro Tobias, protocolaram um pedido de impugnação da filiação do deputado Alexandre Frota —o ex-ator pornô fora expulso pelo PSL por criticar Bolsonaro e Doria rapidamente o capturou como prêmio na disputa com o Planalto.

A intenção foi glosada por Marco Vinholi, o presidente estadual do PSDB apadrinhado por Doria, que considerou o pedido inócuo politicamente, mas o arquivou argumentando que o diretório paulista não era a instância adequada.

Assim, a dupla voltou à carga e protocolou pedidos em Cotia, onde Frota tem domicílio eleitoral, e na Executiva Nacional, instância onde Doria sabe que não terá vida fácil após a derrota de quarta. A diferença aqui é que Bruno Araújo, o presidente nacional, tem se manifestado reservadamente em favor da filiação de Frota.

Seja como for, o atrito está colocado e a acomodação pós-eleição que a velha guarda havia feito com Doria, encerrada. Há alguns caminhos para o que ocorrerá a seguir.

É provável a manutenção da queda de braço, com o caso Frota renovado como próxima disputa. Pesa muito contra Doria em nível nacional o baixíssimo nível dos ataques pessoais que o deputado fizera em 2018 contra o presidenciável tucano Geraldo Alckmin, conforme registrado em vídeo que a Folha revelou na sexta (16).

A interlocutores o ex-governador paulista, que está silencioso no caso, dá a entender que quer ver o ex-protegido Doria em apuros. Vingança, como diz o clichê, é um prato que se come frio.

O governador, contudo, conta com o peso de seu cargo, o maior do país após o do presidente. Há alguns pontos a considerar: mesmo a resistência na Executiva passou também pelo fato de que nem todos os simpáticos a Doria acham boa estratégia brigar com o Planalto tão cedo, dado que alianças municipais passam pelo bolsonarismo e estados temem retaliações financeiras federais.

Há espaço para manobra, portanto. A falta de opções nas hostes opositoras a Doria é um fator a seu favor, e ele conta com um trunfo que nem Alckmin, nem a velha guarda têm: saídas alternativas.

A principal é uma aliança com o DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, formando um novo partido já para as eleições municipais do ano que vem. Isso implicaria um racha no PSDB hoje, e Doria levaria boa parte da sigla. Não é um plano A para o tucano: este seria a fusão integral das duas agremiações, que ficaram mais fortes, enquanto um cisma tucano invariavelmente traria traumas.

Mas aí aliados de Doria perguntam quem seria mais forte: o governador com uma sigla para chamar de sua de fato, vitaminada por penetração em locais como a populosa Bahia via a liderança de ACM Neto, ou um PSDB extirpado de puxadores de voto? Em tempo, hoje o prefeito de Salvador se diz contrário à ideia, mas muitos veem nisso só estratégia de valorização.

Neste caso, o “wild card”, a surpresa imprevisível, seria a realização de um sonho de Fernando Henrique Cardoso: atrair o apresentador global Luciano Huck a filiar-se a esse PSDB remanescente. Hoje Huck tem se movimentado fortemente pelo país, dando a impressão que poderá fazer diferente de 2017 e entrar no jogo político, algo que FHC sempre estimulou.

Quem conhece o apresentador supõe que ele teria muita dificuldade de fazê-lo numa sigla desgastada como a dos tucanos, contudo, além dos fatores financeiros de sempre —ele e a mulher, a apresentadora Angélica, perderiam os milhões que ganham na Globo.

Seja qual for o desfecho da disputa atual, e ele passa pela organização do campo eleitoral da sucessão do prefeito Bruno Covas (PSDB) em São Paulo, hoje o tucanato parece caminhar para algo pouco usual em sua história de 31 anos: terá de escolher em qual lado do muro ficará. O custo da indecisão está no horizonte de 2022.

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