- Revista Veja
Ex-presidentes tinham freios internos inexistentes no atual
Presidentes que ocuparam até o fim os seus mandatos, falando da redemocratização para cá, tinham como traço comum uma espécie de freio interno que os impedia de ultrapassar (em público, ao menos) a risca de giz que determina até onde pode ir um mandatário. O limite de José Sarney era a transição democrática, o de Fernando Henrique, a consciência de que o poder em si limita, o de Lula, o apoio popular e/ou político.
Talvez não haja necessariamente relação de causa e efeito, mas fato é que os dois presidentes mandados de volta à planície antes de completado o tempo regulamentar, Fernando Collor e Dilma Rousseff, não tinham ou não utilizavam essa ferramenta tão essencial ao exercício da governança. Ambos de personalidade impositiva, faziam o gênero “vão ter de me aguentar”.
Má notícia para o senhor Jair, a quem tanto apraz ser do jeito que é, sem intenção de mudar. Disso sabemos, ninguém muda depois dos 60. Patente está também tratar-se de um caso de exibicionismo crônico, cujas causas aos meandros de sua mente pertencem. A dúvida, portanto, recai sobre aonde pensa chegar o presidente com essa pose de valentão old fashioned.
“Parceiros potenciais já tomam prudente distância de Bolsonaro”
É certo que desperta identificação em setores ainda amplos. Verdade também que serve de distração à ausência de qualificação para o exercício do cargo e faz a festa dos ressentidos, tanto os que o aplaudem quanto aqueles que acreditam exercer oposição atuando na mesma sintonia de insultos e fantasias persecutórias.
O dom de distrair, contudo, tende a desviar o autor de seus propósitos, levá-lo ao caminho da incoerência que resulta na quebra de princípios anteriormente defendidos. Daí para a perda de apoios importantes é questão de tempo. Acontece isso com Bolsonaro em seu afã de medir a República pela régua de seus interesses e convicções pessoais.
Quem o elegeu o fez na crença da prometida mudança de paradigmas vigentes nos governos do PT e até antes deles. Pois o que o presidente tem feito é justamente adotar e acirrar velhas práticas como o filhotismo, o mandonismo, o intervencionismo, o histrionismo e demais “ismos” incompatíveis com um ambiente de razoável modernidade e civilidade.
Esbravejou contra o aparelhamento petista, mas tenta aparelhar o Estado quando interfere no funcionamento de órgãos de fiscalização. Condenou roubalheira e desmandos, mas atua para proteger os suspeitos que lhe são caros. Confronta até o eleitorado robusto representado pelo agronegócio quando suas diatribes contra ações de preservação do meio ambiente põem o sustentáculo da pauta de exportações sob o risco de retaliações.
Daí é de perguntar: aonde pensa que vai esse valente? A continuar com a agenda e a conduta regressivas, irá a lugar nenhum, tantas são e serão as barreiras de contenção que encontrará num país que já percebeu as vantagens e se acostumou a viver nos parâmetros da institucionalidade.
Se pensa formatar adiante novo arranjo de alianças, é tarde, pois esses parceiros potenciais já guardam distância e se organizam para tomar rumos próprios.
Publicado em VEJA de 28 de agosto de 2019, edição nº 2649
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