Na
sua empreitada para arruinar a República, Bolsonaro conta com comerciantes da
Ceagesp, policiais, militares e o Centrão
Desde sua posse, mas especialmente em meio à pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro não se comportou em nenhum momento como se soubesse o que fazer com o poder que os eleitores lamentavelmente lhe conferiram em 2018. Bolsonaro não preside a República; depreda-a – e nisso é coadjuvado não somente pelos fanáticos camisas pardas bolsonaristas, mas por muitos brasileiros comuns que, por ignorância do que vem a ser uma República, respaldam a vandalização da Presidência e, por extensão, da própria democracia.
Já
não é mais possível saber qual dos atentados de Bolsonaro foi o mais grave nos
dois anos de seu tenebroso governo, mas a terça-feira passada é forte candidata
a entrar para a história como o dia em que o presidente declarou guerra a seus
governados. Jamais houve nada parecido com isso em tempos democráticos.
Bolsonaro deu declarações em que explicitamente desencorajou seus compatriotas de tomar a vacina contra a covid-19, fazendo terrorismo acerca de eventuais efeitos colaterais. No dia anterior, Bolsonaro havia informado que, diante das ressalvas dos laboratórios, exigirá de quem queira tomar a vacina a assinatura de um “termo de responsabilidade”. Ele mesmo anunciou que não tomará a vacina, “e ponto final”.
Desde
o início da pandemia, a única preocupação de Bolsonaro é livrar-se de qualquer
responsabilidade, seja sobre as mortes, seja sobre os problemas econômicos. Mas
atribuir aos próprios cidadãos uma responsabilidade que é inteiramente do
Estado constitui desfaçatez inaudita até para este governo. Para ser aplicada,
qualquer vacina precisa ser autorizada pelos órgãos sanitários competentes, que
nesse ato reconhecem sua responsabilidade. Assim, não há nenhuma base jurídica
para exigir dos cidadãos um termo de consentimento diante dos supostos riscos.
Mas
Bolsonaro nunca esteve preocupado com bases jurídicas ou quaisquer outros
pormenores republicanos. Perdeu-se a conta de quantas medidas provisórias,
decretos e projetos de lei produzidos por ordem de Bolsonaro foram ignorados,
suspensos ou rejeitados pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal por não
atenderem aos requisitos mínimos de legalidade e interesse público.
O
desdém de Bolsonaro pela República que lhe coube presidir é tamanho que, para
ele, nem mesmo sua assinatura vale o papel em que foi escrita. Seu nome
chancela o Decreto 10.045, de 4 de outubro de 2019, que determina a inclusão da
Ceagesp no Programa Nacional de Desestatização. Contudo, esse mesmo signatário,
em tom de comício, subiu num palanque na Ceagesp, na terça-feira passada, para
garantir que “nenhum rato” privatizará a companhia. Referia-se, obviamente, ao
governador paulista e principal desafeto, João Doria.
Tampouco
o princípio republicano da impessoalidade resistiu à ofensiva bolsonarista para
aparelhar o Estado com apaniguados a serviço do presidente e de seus filhos. A
Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e a Agência Brasileira de
Inteligência são hoje comandadas por leais servidores de Bolsonaro, que parecem
empenhados em tranquilizar o chefe e sua prole enrolada na Justiça.
Assim,
na sua empreitada para arruinar a República, Bolsonaro conta com vários outros
cúmplices – como os comerciantes que se aglomeraram sem máscara e urraram de
excitação com o discurso virulento de Bolsonaro na Ceagesp, os policiais e os
militares que o tratam como “mito” em eventos País afora e os políticos do
Centrão que lhe dão guarida parlamentar em troca de acesso ao butim do
Estado.
Confortável,
Bolsonaro abandonou de vez a fantasia reformista que inventou para se eleger e
anunciou que retomará sua agenda deletéria, a começar pela nova tentativa de
ampliar a excludente de ilicitude para policiais, um projeto já rejeitado pela
Câmara por constituir evidente licença para matar.
Defender
que policiais fiquem fora do alcance da lei para que possam matar à vontade,
bem como sabotar os esforços para vacinar a população contra a covid-19, são
atitudes típicas de um presidente que, hostil aos princípios republicanos,
trata todos os cidadãos da República – com exceção dos que levam seu sobrenome
– como inimigos em potencial.
Fim da novela – Opinião | O Estado de S. Paulo
Decisão
do colégio eleitoral é pá de cal na tentativa de Trump de invalidar resultado
das urnas
Em condições normais, a reunião do colégio eleitoral americano para escolher o presidente dos Estados Unidos a cada quatro anos não passa de uma formalidade à qual os americanos não dão muita atenção. Tradicionalmente, os delegados estaduais que formam o colegiado apenas reiteram o que a maioria dos eleitores escolheu na votação popular algumas semanas antes. Em quase todos os Estados, há leis que simplesmente proíbem os delegados de contrariar a vontade dos cidadãos manifestada nas urnas. Mas “normal” é uma palavra que pouco pode ser empregada para descrever a trajetória de Donald Trump na Casa Branca. Daí a importância do ato realizado no dia 14 passado.
Com
os votos de 306 dos 538 delegados, Joseph R. Biden Jr. – Joe Biden – foi
oficialmente eleito o 46.º presidente dos Estados Unidos. De forma inédita e um
tanto constrangedora, Donald Trump se recusa a aceitar o resultado do pleito
desde o dia 7 de novembro, quando ficou claro que seu oponente tinha vencido a
eleição sem qualquer margem de dúvida. De lá para cá, Trump se lançou em uma
cruzada jurídica para invalidar o resultado das urnas aludindo a uma suposta
“fraude”, sem apresentar uma só prova de suas alegações.
Um
após o outro, tribunais de vários Estados negaram provimento às ações propostas
pela equipe de Trump. Nos Estados em que houve recontagem de votos a pedido do
republicano, Trump teve de passar pelo dissabor de ver o número de votos dados
a seu oponente aumentar, tornando o falatório do presidente americano cada vez
mais patético. O retrato fiel de um mau perdedor.
A
eleição do democrata Joe Biden no colégio eleitoral, portanto, foi uma pá de
cal na tola tentativa de Trump de deslegitimar o que há mais de um mês já era
de conhecimento universal: Trump é um presidente de um único mandato,
juntando-se a Herbert Hoover (1929-1933), Jimmy Carter (1977-1981) e George H.
W. Bush (1989-1993), ex-presidentes que, nos últimos cem anos, também não
conseguiram se reeleger.
Após
a confirmação de sua eleição pelo colégio eleitoral, Biden se dirigiu aos
americanos para afirmar que “a democracia prevaleceu”, que princípios
fundadores do país foram “pressionados, testados e ameaçados”, mas, ao final,
mostraram-se hígidos como sempre. “Se alguém não sabia disso antes, nós sabemos
agora. O que bate no fundo do coração do povo americano é isso: democracia. O
direito de ser ouvido, de ter seu voto contado, de escolher os líderes desta
nação, de governar a nós mesmos”, disse o presidente eleito. Particularmente
importante é a disposição de Biden de ser “o presidente de todos os
americanos”, expressão que reitera a cada discurso e seguramente ajuda a cicatrizar
as feridas de uma das eleições mais polarizadas da história americana.
Trump,
por sua vez, continua a alegar “fraude” e a não reconhecer a derrota, mas isso
já não faz diferença alguma. O líder da maioria no Senado, o republicano Mitch
McConnell, veio a público para afirmar que “o colégio eleitoral se pronunciou”,
reconhecendo a vitória de Biden e dando a entender que é hora de seu partido
virar a página. A transição de governo já está em andamento. No dia 20 de
janeiro, o democrata prestará juramento e será empossado presidente, quer Trump
queira ou não.
A
decisão do colégio eleitoral também levou o presidente Jair Bolsonaro a romper
o silêncio e a cumprimentar Biden. Bolsonaro afirmou estar “pronto para
trabalhar com o novo governo e dar continuidade à construção de uma aliança
Brasil-EUA, na defesa da soberania, da democracia e da liberdade em todo o
mundo, assim como na integração econômico-comercial em benefício dos nossos
povos”.
Melhor
assim. Em que pesem as diferenças entre ambos os presidentes, no que é
essencial a relação entre o Brasil e os Estados Unidos não deve mudar. Há
muitos interesses comuns às duas maiores democracias das Américas.
Os números do IDH – Opinião | O Estado de S. Paulo
Brasil
perdeu cinco posições, e relatório do Pnud ainda não reflete o impacto da
pandemia
Embora venha apresentando um crescimento anual médio de 0,77 em seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil tem sido ultrapassado no ranking por países vizinhos que enfrentam uma crise econômica tão grave ou até pior do que a nossa, como é o caso da Argentina. Essa é uma das conclusões do Relatório de Desenvolvimento Humano do ano de 2019, que acaba de ser divulgado. Ele é elaborado desde 1990 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Em
2019, o índice brasileiro subiu de 0,672 para 0,765, com relação ao relatório
anterior. Mesmo assim, o Brasil perdeu cinco posições, tendo caído do 79.º para
o 84.º lugar, num total de 189 países analisados pelo Pnud. Os primeiros
colocados no ranking são países europeus, liderados pela Noruega, seguida pela
Suíça, pela Irlanda e pela Alemanha. Na América Latina, o IDH do Brasil é menor
do que o do Chile, do Uruguai, do Peru, da Colômbia e da Argentina. Todos esses
países tiveram um crescimento superior em indicadores importantes. Entre outros
quesitos, o IDH leva em conta expectativa de vida ao nascer, taxa de
mortalidade materna, nível de escolaridade, renda média per capita,
desigualdade de gênero e índice de participação feminina tanto na força de trabalho
quanto na representação das Casas Legislativas.
Entre
os principais fatores que explicam a queda de posições do Brasil
no Relatório de Desenvolvimento Humano destacam-se a desigualdade de
renda, o baixo desempenho do setor educacional no primeiro ano de mandato do
presidente Jair Bolsonaro e a ausência de uma política eficiente de preservação
ambiental. Neste ponto, o relatório chama a atenção para o peso das emissões de
gás carbônico por habitante e da preservação de recursos naturais no IDH. Segundo
os técnicos do Pnud, por causa do modo como passou a ser tratada desde a posse
de Bolsonaro, a Amazônia está correndo o risco de se converter em savana em
decorrência da perda de matas causadas por incêndios e por mudanças do uso da
terra. O relatório aponta ainda que, juntamente com a Bolívia, o Brasil teve
grandes perdas de florestas primárias em 2018 e 2019.
Ainda
na América Latina, o Brasil está à frente apenas do Suriname, Paraguai,
Bolívia, Venezuela e Guiana. Já em comparação com os membros do Brics, grupo de
países com economias emergentes, o Brasil perde para a Rússia. Contudo, aparece
à frente da China, da África do Sul e da Índia. As três últimas posições no IDH
de 2019 são ocupadas por países africanos – Chade, República Centro-Africana e
Níger. O IDH deste país, o último da lista, é quase três vezes inferior ao
índice alcançado pela Noruega.
Como
os números do Relatório de Desenvolvimento Humano são relativos
somente ao ano de 2019, eles ainda não refletem o impacto causado pela pandemia
de covid-19 no desenvolvimento humano dos 189 países avaliados. Mas os
responsáveis pelo levantamento deixaram claro que, por ter gerado uma grave
crise de saúde pública em todo o mundo, afetado drasticamente o sistema
educacional e acarretado uma queda significativa no nível de atividade
econômica, o relatório de 2020 registrará pela primeira vez, desde que começou
a ser elaborado, uma queda no IDH global.
“Nossas
ações estão causando mudanças climáticas, colapso da biodiversidade,
acidificação dos oceanos, poluição do ar e da água e degradação da terra.
Estamos desestabilizando os próprios sistemas de que precisamos para sobreviver
a uma velocidade e escala sem precedentes”, conclui o relatório. Segundo seus
autores, pela primeira vez, em 200 mil anos, o planeta será moldado por hábitos
humanos – e não o contrário, com os homens se adaptando ao planeta. Por isso,
afirma um dos coordenadores do levantamento, Achim Steiner, chegou “a hora de
usar o poder de controle humano sobre a natureza para redefinir o que entendemos
como progresso”. Sem isso, diz ele, o destino da humanidade estará em risco.
Exceção não pode virar regra na ajuda a estados – Opinião | O Globo
Congresso
aprova flexibilização de programa de recuperação fiscal, mas compromissos têm
de ser cumpridos
A
aprovação pelo Congresso de novas regras para o Regime de Recuperação Fiscal
(RFF) é boa notícia para os estados, a começar pelo Rio de Janeiro, único que
conseguiu se enquadrar no programa, embora não tenha cumprido à risca todas as
contrapartidas exigidas pelo Tesouro. As mudanças — flexibilização de
exigências baixadas para governos que estourarem tetos de gastos e a ampliação
do prazo de vigência do socorro de seis para dez anos — funcionarão como
atrativos para outros estados que desde a criação do RFF, em 2016, queriam
aderir ao programa, mas refugaram devido às exigências do Tesouro, caso de Rio
Grande do Sul, Minas e Goiás.
A
experiência do Rio serve de alerta para o risco de as metas negociadas não
serem atingidas. A dívida fluminense foi assumida pelo Tesouro, sob
compromissos de ajuste fiscal, descumpridos ou cumpridos apenas em parte. A
questão passa pelo comprometimento de governos e assembleias legislativas com o
rigor administrativo.
O
auxílio a governos estaduais deveria ser exceção. Mas a permissividade virou
regra a partir de 2014, com mudanças sucessivas na legislação fiscal. Tanto o
Congresso quanto o Supremo têm adotado posturas lenientes em relação às
finanças federativas. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) vem sendo
desmontada aos poucos, com o reiterado socorro financeiro da União aos estados.
Nenhuma das 27 unidades socorridas nos últimos cinco anos alcançou equilíbrio
de caixa. Dezessete encerraram o primeiro semestre em situação de progressiva
asfixia financeira, segundo o último boletim do Tesouro. Em quase todos os
estados, as despesas avançam em velocidade bem superior às receitas. Entre 2004
e 2018, os gastos dos estados cresceram 13% acima do PIB, enquanto as receitas
subiram apenas 5%, revela estudo recente do economista Marcos Mendes, do
Insper.
A
reforma do RFF pelo Congresso, com amplo apoio (381 votos contra 57 na Câmara e
55 a 1 no Senado), reflete o agravamento da situação fiscal causado pela
recessão da Covid-19. A situação do país piorou muito em relação a 2017, quando
Luiz Fernando Pezão, ainda no Palácio Guanabara, assinou o RFF. O estado estava
sob o impacto da recessão de 2015/16, da queda do preço do petróleo e dos
escândalos que atingiram o antecessor, Sérgio Cabral, e outros ex-governadores.
O próprio Pezão depois foi preso. O Rio de Janeiro se desorganizou.
Tem
agora mais uma chance de aproveitar a ajuda federal para voltar a se aprumar.
Com novas regras, outros estados poderão fazer o mesmo. Foi aprovado, ainda,
projeto que ajuda municípios, autorizados a obter empréstimos com garantias da
União. Mas é preciso aproveitar o fôlego para fazer o necessário: reduzir a
folha do funcionalismo, aprovar as reformas previdenciárias e privatizar o que
for possível para aliviar o caixa. Não dá para empurrar o problema com a
barriga e acreditar que sempre haverá um novo socorro. O descontrole das
finanças estaduais ameaça o equilíbrio fiscal da União e a estabilidade
monetária.
Novas propostas apertam cerco contra gigantes digitais na Europa – Opinião | O Globo
Ideia
de ampliar responsabilidade por conteúdo veiculado deveria inspirar
legisladores brasileiros
O
cerco às gigantes digitais prossegue no Hemisfério Norte. Enquanto, nos Estados
Unidos, a via preferida para atingi-las tem sido a Justiça — Google e Facebook
se tornaram alvos recentes de processos por práticas anticompetitivas —, a
União Europeia tem adotado o caminho mais sólido do Legislativo. O Regulamento
Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), em vigor desde 2018, criou regras
rígidas para proteção à privacidade e dados pessoais, embora tenham atingido
também as empresas pequenas. Nesta semana, a Comissão Europeia propôs para
debate duas novas iniciativas que tendem a restringir o poder das grandes
plataformas.
O
debate no Parlamento Europeu ainda levará tempo (o RGPD foi proposto em 2012 e
aprovado só em 2016). Mesmo assim, poderá estabelecer novos parâmetros com
impacto nas diretrizes regulatórias de vários países, entre eles o Brasil. As
duas propostas se destinam a problemas distintos.
A
primeira — Lei de Serviços Digitais — tenta forçar as plataformas a assumir
maior responsabilidade pelo conteúdo veiculado e maior transparência, tanto nos
critérios para moderar ou suspender posts quanto nas informações sobre
anunciantes ou fornecedores. A recusa em se submeter às regras poderá acarretar
multas de até 6% do faturamento global.
A
segunda proposta — Lei de Mercados Digitais — é mais ambiciosa, mas menos
clara. Tenta regular a competição e estabelecer critérios para definir quando
existe abuso se uma empresa estende seu domínio de um mercado a outro. Prevê
multas de até 10% do faturamento global ou até a quebra das empresas. Entre as
regras, estão a proibição de usar dados de rivais para competir contra eles ou
a obrigação de adotar padrões de operação que permitam ao usuário trocar de
serviço levando todas as suas informações.
Mesmo
que a intenção seja louvável, é difícil acreditar que essa segunda proposta
tenha chance de prosperar num universo tão dinâmico e sujeito a inovações
velozes. Basta lembrar que a Justiça europeia passou dez anos investigando o
Google, impôs uma multa de US$ 10 bilhões, mas não surgiu nenhuma competição
digna de nota. Na prática, o serviço é tão útil, que ninguém quis saber de
abandoná-lo.
A
primeira proposta parece mais promissora. É correto o princípio de tornar as
redes mais responsáveis pelo que veiculam, ao contrário do que estabelecem as
leis em países como Estados Unidos ou Brasil. Embora as novas exigências
propostas não sejam tão distantes de mecanismos que já vigoram em alguns países
da UE, elas têm a vantagem de estabelecer um padrão. Levantam um debate que
deveria inspirar também os nossos legisladores.
Pazuello
apresenta plano, mas disparates presidenciais fomentam o descrédito
Antes
tarde do que nunca. O governo federal anunciou nesta quarta-feira (16), com
indesculpável atraso, um plano
nacional de imunização contra a Covid-19.
O
Ministério da Saúde comandado por Eduardo Pazuello curvou-se aos especialistas.
Acataram-se críticas até de pesquisadores que a pasta elencou sem autorização
entre consultores da primeira edição do plano, apresentada há quatro dias ao
Supremo Tribunal Federal. Assim, a nova versão repara algumas das deficiências
apontadas.
Pazuello
mencionou expressamente a vacina Coronavac, do Instituto Butantan, entre os imunizantes
aos quais o programa oficial pode aderir. Era uma das principais reivindicações
dos governadores, presentes à cerimônia.
A
Coronavac não figura, entretanto, na lista de fornecedores com compromissos já
firmados para 253 milhões de doses. O governo federal fala em 350 milhões, mas
isso dependeria de fechar acordos com Pfizer, Janssen, Butantan, Bharat
Biotech, Moderna ou Gamaleya.
O
mais auspicioso é que agora o governo se propõe a vacinar todos os brasileiros.
Mas precisa se empenhar para garantir mais de 400 milhões de vacinas
necessárias para cumprir a promessa.
Outras
modificações dizem respeito aos grupos prioritários para vacinação. Omissões
flagrantes, como empregados em transportes coletivos e estabelecimentos de
ensino, foram sanadas. Até obsessões ideológicas do presidente foram postas de
lado, com a inclusão de quilombolas e presidiários.
Houve
avanço nos prazos para início da vacinação, outro ponto nevrálgico, se bem que
ainda falte arrojo ao ministério. Pazuello mencionou meados de fevereiro, dando
à Anvisa o mês de janeiro inteiro para analisar pedidos de registro que vierem
a ser apresentados.
Não
faz sentido marcar um dia específico para a vacinação, como fez o governador
João Doria (PSDB-SP), não havendo produto licenciado para tanto. Mas outros
países, como EUA e Reino Unido, já deram a largada com autorizações
emergenciais.
O
anúncio não basta para remover o descrédito do governo Bolsonaro na gestão
desse tema vital.
Um
dia antes, o presidente repetiu os
disparates com que tem sabotado o combate à epidemia: provocou
aglomeração sem máscara, propagandeou remédio ineficaz, disse que não tomará
vacina, pôs em dúvida sua segurança e defendeu um absurdo termo de compromisso
para quem se imunizar.
O
país já não sabe em quem acreditar, se no Bolsonaro de terça-feira ou no de
quarta-feira. De certo, até agora, após tantas idas e vindas, só se pode dizer
que o enfrentamento da Covid-19 sob seu comando é um desastre completo.
Delonga
de Bolsonaro em reconhecer Biden é sintoma de deterioração da diplomacia
Jair
Bolsonaro foi um dos últimos chefes de governo ou Estado a reconhecer a
vitória de Joe Biden. Tal atitude tem mais significado para a
política doméstica do que para as relações do Brasil com os EUA.
A
hostilidade de Bolsonaro deveria ser óbvia para Biden muito antes da eleição,
dada a devoção do brasileiro a Donald Trump. As acusações desinformadas de
fraude eleitoral e grosseira de cumprimentar o presidente eleito na última hora
apenas confirmaram a disposição à picuinha.
Os
Estados Unidos podem até se valer desse ato de hostilidade a fim de acentuar um
ou outro gesto crítico contra o Brasil, mas sua diplomacia se pauta por
objetivos maiores, com crueza pragmática.
Em
geral, haverá conflito em temas de interesse americano, como a nova ênfase do
país em assuntos ambientais ou o plano de restaurar relações multilaterais,
objetos da destruição trumpista.
Por
outro lado, aos americanos pode interessar o apoio brasileiro em seu conflito
com a China, como no caso da tecnologia de comunicações. De resto, o Brasil é
um país grande nas Américas e há muito interesse econômico aqui.
No
cenário mais amplo, o Brasil é de relevância secundária para a Casa Branca,
desde que o bolsonarismo não promova uma grande desordem regional ou
institucional. Tornou-se muito menos importante em tempos recentes.
A
indisposição chegou ao Senado, que acaba de fazer o raro gesto de vetar um
indicado do governo para o posto de delegado na ONU.
Talvez
o comando vexatório e perigoso de Ernesto Araújo no Itamaraty esteja ameaçado
—o desvario do governo em geral, não.
Ao
imitar as denúncias trumpistas de fraude eleitoral, Bolsonaro quer disseminar
também no Brasil a desconfiança na democracia e em instituições racionais de
governança. Nessa visão, elites globalistas comunistas e seus representantes
sabotam os valores tradicionais das nações. Conspiraram inclusive para eleger
Biden.
A
irrelevância do Brasil resulta do projeto de formação de uma internacional
reacionária. O ataque a Biden é subproduto desse desvario.
Fed mantém compra de ativos por tempo indeterminado – Opinião | Valor Econômico
A
maioria dos membros do Fed acredita que os riscos para a economia estão
balanceados
O
Federal Reserve americano manteve sua orientação de política monetária,
adicionando apenas uma mudança que reforça as condições de enorme liquidez nos
mercados. Ele estabeleceu que as compras de títulos mensais - US$ 80 bilhões do
Tesouro e US$ 40 bilhões de papéis lastreados em hipotecas - continuarão a ser
feitas no mínimo nesses montantes até que a inflação e o nível de emprego se
aproximem das metas traçadas pelo banco. O Fed estendeu até setembro de 2021 as
linhas de swap em dólar para alguns BCs, entre eles o do Brasil (US$ 60 bilhões
disponíveis). A ação mais importante, porém, se desenvolvia no Congresso, onde
democratas e republicanos concordaram em fechar um pacote fiscal de cerca de
US$ 900 bilhões.
Apesar
das incertezas extraordinariamente elevadas que marcam o ambiente no qual o Fed
age, as perspectivas para crescimento, inflação e desemprego melhoraram em
relação às feitas em setembro. O PIB americano não encolherá 3,7%, mas 2,4% e
em 2021 avançará 4,2% e não 4%. O desemprego cairá substancialmente, dos 6,7%
de agora para 5% ao fim do ano que vem, até voltar aos 3,7% em 2023. A inflação
medida por gastos pessoais de consumo, e seu núcleo, chegará em 2023 a 2%.
Portanto, até lá, se o Fed estiver certo, os juros não se moveriam - 13 dos 17
membros do banco mantiveram o fed funds em 0,25% naquele ano.
Mas
a pandemia não foi embora, e uma nova onda de mortes e internações já se refletiu
nos indicadores de novembro. As vendas no varejo caíram 1,1%, depois de
resultado ruim em outubro (-0,1%), embora ainda estejam 3,6% acima do nível
pré-pandemia. Mas o setor de serviços vai mal e deve continuar assim - -19%
ante fevereiro, segundo estimativas da Oxford Economics. A indústria perdeu
fôlego (0,4%) em relação a outubro (1,8%) e a utilização da capacidade
produtiva encontra-se 6,5 pontos percentuais abaixo da tendência de longo
prazo.
Assim,
embora o Fed não tenha indicado o que acontecerá no primeiro trimestre, é
bastante provável que o crescimento será contido ou nulo. A vacina é uma
esperança, embora o Fed não tenha certeza de quando haverá grau de imunização
suficiente que garanta a volta sem inibições dos negócios. “Não temos experiência
com isso”, disse Jerome Powell, presidente do Fed. “Os próximos 5, 6 meses,
serão cruciais. Na segunda metade do ano a economia pode ter uma performance
forte, com as pessoas confiantes e de volta ao trabalho”.
O
Fed divulgou ontem uma linha do tempo que mostra a evolução do grau de risco de
suas decisões desde o início do século para as quatro principais variáveis de
seu mapa de pontos. Para todas elas, a incerteza hoje é a mais elevada da
série, mesmo comparada a 2008, ano da grande crise financeira. Agora, a maioria
dos membros do Fed acredita que os riscos para a economia estão balanceados,
enquanto que em setembro eles pendiam claramente para o lado negativo.
O
Fed reafirmou a instância fortemente acomodatícia de sua política monetária. O
crescimento da economia nos próximos três anos acima de sua tendência de longo
prazo - de 1,8% - não lhe dá garantias, porém, de que a inflação chegará aonde
o banco pretende que ela vá. “Isso vai levar um certo tempo”, disse Powell. “Há
pressões deflacionárias persistentes, não só nos Estados Unidos, e não é fácil
levar a inflação para cima”.
Com
a nova onda de contágio, Powell acredita que a política fiscal tem um papel
talvez mais importante a jogar no curto prazo. Ele espera ter mais linhas de
programas de apoio como as do Care Act, autorizadas e com recursos do Tesouro,
como a destinada a pequenas e médias empresas, que serão encerradas em
dezembro, por determinação do secretário de Trump, Steven Mnuchin. A mudança de
governo lhe é favorável. Janet Yellen, que também presidiu o banco, estará à
frente do Tesouro e defende a mesma coisa. “Manter o crédito fluindo faz uma
diferença decisiva”, disse Powell, e os números lhe dão razão: o desempenho dos
setores dele dependentes, aponta, como imóveis e bens duráveis, vão melhor do
que os que derivam da renda ou de contatos sociais, como o de serviços.
Houve certa frustração nos mercados com o fato do Fed não ter ampliado as compras mensais de ativos pelos mercados. O banco viu pouca utilidade no momento de fazer isso, ou mesmo de deslocar sua mira para aquisições de papéis de longo prazo. Talvez porque políticas fiscais de socorro, neste momento, sejam imediatamente mais eficazes.
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