quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O demolidor da República e seus cúmplices – Opinião | O Estado de S. Paulo

Na sua empreitada para arruinar a República, Bolsonaro conta com comerciantes da Ceagesp, policiais, militares e o Centrão

Desde sua posse, mas especialmente em meio à pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro não se comportou em nenhum momento como se soubesse o que fazer com o poder que os eleitores lamentavelmente lhe conferiram em 2018. Bolsonaro não preside a República; depreda-a – e nisso é coadjuvado não somente pelos fanáticos camisas pardas bolsonaristas, mas por muitos brasileiros comuns que, por ignorância do que vem a ser uma República, respaldam a vandalização da Presidência e, por extensão, da própria democracia.

Já não é mais possível saber qual dos atentados de Bolsonaro foi o mais grave nos dois anos de seu tenebroso governo, mas a terça-feira passada é forte candidata a entrar para a história como o dia em que o presidente declarou guerra a seus governados. Jamais houve nada parecido com isso em tempos democráticos.

Bolsonaro deu declarações em que explicitamente desencorajou seus compatriotas de tomar a vacina contra a covid-19, fazendo terrorismo acerca de eventuais efeitos colaterais. No dia anterior, Bolsonaro havia informado que, diante das ressalvas dos laboratórios, exigirá de quem queira tomar a vacina a assinatura de um “termo de responsabilidade”. Ele mesmo anunciou que não tomará a vacina, “e ponto final”.

Desde o início da pandemia, a única preocupação de Bolsonaro é livrar-se de qualquer responsabilidade, seja sobre as mortes, seja sobre os problemas econômicos. Mas atribuir aos próprios cidadãos uma responsabilidade que é inteiramente do Estado constitui desfaçatez inaudita até para este governo. Para ser aplicada, qualquer vacina precisa ser autorizada pelos órgãos sanitários competentes, que nesse ato reconhecem sua responsabilidade. Assim, não há nenhuma base jurídica para exigir dos cidadãos um termo de consentimento diante dos supostos riscos.

Mas Bolsonaro nunca esteve preocupado com bases jurídicas ou quaisquer outros pormenores republicanos. Perdeu-se a conta de quantas medidas provisórias, decretos e projetos de lei produzidos por ordem de Bolsonaro foram ignorados, suspensos ou rejeitados pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal por não atenderem aos requisitos mínimos de legalidade e interesse público.

O desdém de Bolsonaro pela República que lhe coube presidir é tamanho que, para ele, nem mesmo sua assinatura vale o papel em que foi escrita. Seu nome chancela o Decreto 10.045, de 4 de outubro de 2019, que determina a inclusão da Ceagesp no Programa Nacional de Desestatização. Contudo, esse mesmo signatário, em tom de comício, subiu num palanque na Ceagesp, na terça-feira passada, para garantir que “nenhum rato” privatizará a companhia. Referia-se, obviamente, ao governador paulista e principal desafeto, João Doria.

Tampouco o princípio republicano da impessoalidade resistiu à ofensiva bolsonarista para aparelhar o Estado com apaniguados a serviço do presidente e de seus filhos. A Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência são hoje comandadas por leais servidores de Bolsonaro, que parecem empenhados em tranquilizar o chefe e sua prole enrolada na Justiça.

Assim, na sua empreitada para arruinar a República, Bolsonaro conta com vários outros cúmplices – como os comerciantes que se aglomeraram sem máscara e urraram de excitação com o discurso virulento de Bolsonaro na Ceagesp, os policiais e os militares que o tratam como “mito” em eventos País afora e os políticos do Centrão que lhe dão guarida parlamentar em troca de acesso ao butim do Estado. 

Confortável, Bolsonaro abandonou de vez a fantasia reformista que inventou para se eleger e anunciou que retomará sua agenda deletéria, a começar pela nova tentativa de ampliar a excludente de ilicitude para policiais, um projeto já rejeitado pela Câmara por constituir evidente licença para matar. 

Defender que policiais fiquem fora do alcance da lei para que possam matar à vontade, bem como sabotar os esforços para vacinar a população contra a covid-19, são atitudes típicas de um presidente que, hostil aos princípios republicanos, trata todos os cidadãos da República – com exceção dos que levam seu sobrenome – como inimigos em potencial.

Fim da novela – Opinião | O Estado de S. Paulo

Decisão do colégio eleitoral é pá de cal na tentativa de Trump de invalidar resultado das urnas

Em condições normais, a reunião do colégio eleitoral americano para escolher o presidente dos Estados Unidos a cada quatro anos não passa de uma formalidade à qual os americanos não dão muita atenção. Tradicionalmente, os delegados estaduais que formam o colegiado apenas reiteram o que a maioria dos eleitores escolheu na votação popular algumas semanas antes. Em quase todos os Estados, há leis que simplesmente proíbem os delegados de contrariar a vontade dos cidadãos manifestada nas urnas. Mas “normal” é uma palavra que pouco pode ser empregada para descrever a trajetória de Donald Trump na Casa Branca. Daí a importância do ato realizado no dia 14 passado.

Com os votos de 306 dos 538 delegados, Joseph R. Biden Jr. – Joe Biden – foi oficialmente eleito o 46.º presidente dos Estados Unidos. De forma inédita e um tanto constrangedora, Donald Trump se recusa a aceitar o resultado do pleito desde o dia 7 de novembro, quando ficou claro que seu oponente tinha vencido a eleição sem qualquer margem de dúvida. De lá para cá, Trump se lançou em uma cruzada jurídica para invalidar o resultado das urnas aludindo a uma suposta “fraude”, sem apresentar uma só prova de suas alegações.

Um após o outro, tribunais de vários Estados negaram provimento às ações propostas pela equipe de Trump. Nos Estados em que houve recontagem de votos a pedido do republicano, Trump teve de passar pelo dissabor de ver o número de votos dados a seu oponente aumentar, tornando o falatório do presidente americano cada vez mais patético. O retrato fiel de um mau perdedor.

A eleição do democrata Joe Biden no colégio eleitoral, portanto, foi uma pá de cal na tola tentativa de Trump de deslegitimar o que há mais de um mês já era de conhecimento universal: Trump é um presidente de um único mandato, juntando-se a Herbert Hoover (1929-1933), Jimmy Carter (1977-1981) e George H. W. Bush (1989-1993), ex-presidentes que, nos últimos cem anos, também não conseguiram se reeleger.

Após a confirmação de sua eleição pelo colégio eleitoral, Biden se dirigiu aos americanos para afirmar que “a democracia prevaleceu”, que princípios fundadores do país foram “pressionados, testados e ameaçados”, mas, ao final, mostraram-se hígidos como sempre. “Se alguém não sabia disso antes, nós sabemos agora. O que bate no fundo do coração do povo americano é isso: democracia. O direito de ser ouvido, de ter seu voto contado, de escolher os líderes desta nação, de governar a nós mesmos”, disse o presidente eleito. Particularmente importante é a disposição de Biden de ser “o presidente de todos os americanos”, expressão que reitera a cada discurso e seguramente ajuda a cicatrizar as feridas de uma das eleições mais polarizadas da história americana.

Trump, por sua vez, continua a alegar “fraude” e a não reconhecer a derrota, mas isso já não faz diferença alguma. O líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell, veio a público para afirmar que “o colégio eleitoral se pronunciou”, reconhecendo a vitória de Biden e dando a entender que é hora de seu partido virar a página. A transição de governo já está em andamento. No dia 20 de janeiro, o democrata prestará juramento e será empossado presidente, quer Trump queira ou não.

A decisão do colégio eleitoral também levou o presidente Jair Bolsonaro a romper o silêncio e a cumprimentar Biden. Bolsonaro afirmou estar “pronto para trabalhar com o novo governo e dar continuidade à construção de uma aliança Brasil-EUA, na defesa da soberania, da democracia e da liberdade em todo o mundo, assim como na integração econômico-comercial em benefício dos nossos povos”.

Melhor assim. Em que pesem as diferenças entre ambos os presidentes, no que é essencial a relação entre o Brasil e os Estados Unidos não deve mudar. Há muitos interesses comuns às duas maiores democracias das Américas.

Os números do IDH – Opinião | O Estado de S. Paulo

Brasil perdeu cinco posições, e relatório do Pnud ainda não reflete o impacto da pandemia

Embora venha apresentando um crescimento anual médio de 0,77 em seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil tem sido ultrapassado no ranking por países vizinhos que enfrentam uma crise econômica tão grave ou até pior do que a nossa, como é o caso da Argentina. Essa é uma das conclusões do Relatório de Desenvolvimento Humano do ano de 2019, que acaba de ser divulgado. Ele é elaborado desde 1990 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Em 2019, o índice brasileiro subiu de 0,672 para 0,765, com relação ao relatório anterior. Mesmo assim, o Brasil perdeu cinco posições, tendo caído do 79.º para o 84.º lugar, num total de 189 países analisados pelo Pnud. Os primeiros colocados no ranking são países europeus, liderados pela Noruega, seguida pela Suíça, pela Irlanda e pela Alemanha. Na América Latina, o IDH do Brasil é menor do que o do Chile, do Uruguai, do Peru, da Colômbia e da Argentina. Todos esses países tiveram um crescimento superior em indicadores importantes. Entre outros quesitos, o IDH leva em conta expectativa de vida ao nascer, taxa de mortalidade materna, nível de escolaridade, renda média per capita, desigualdade de gênero e índice de participação feminina tanto na força de trabalho quanto na representação das Casas Legislativas.

Entre os principais fatores que explicam a queda de posições do Brasil no Relatório de Desenvolvimento Humano destacam-se a desigualdade de renda, o baixo desempenho do setor educacional no primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro e a ausência de uma política eficiente de preservação ambiental. Neste ponto, o relatório chama a atenção para o peso das emissões de gás carbônico por habitante e da preservação de recursos naturais no IDH. Segundo os técnicos do Pnud, por causa do modo como passou a ser tratada desde a posse de Bolsonaro, a Amazônia está correndo o risco de se converter em savana em decorrência da perda de matas causadas por incêndios e por mudanças do uso da terra. O relatório aponta ainda que, juntamente com a Bolívia, o Brasil teve grandes perdas de florestas primárias em 2018 e 2019.

Ainda na América Latina, o Brasil está à frente apenas do Suriname, Paraguai, Bolívia, Venezuela e Guiana. Já em comparação com os membros do Brics, grupo de países com economias emergentes, o Brasil perde para a Rússia. Contudo, aparece à frente da China, da África do Sul e da Índia. As três últimas posições no IDH de 2019 são ocupadas por países africanos – Chade, República Centro-Africana e Níger. O IDH deste país, o último da lista, é quase três vezes inferior ao índice alcançado pela Noruega.

Como os números do Relatório de Desenvolvimento Humano são relativos somente ao ano de 2019, eles ainda não refletem o impacto causado pela pandemia de covid-19 no desenvolvimento humano dos 189 países avaliados. Mas os responsáveis pelo levantamento deixaram claro que, por ter gerado uma grave crise de saúde pública em todo o mundo, afetado drasticamente o sistema educacional e acarretado uma queda significativa no nível de atividade econômica, o relatório de 2020 registrará pela primeira vez, desde que começou a ser elaborado, uma queda no IDH global.

“Nossas ações estão causando mudanças climáticas, colapso da biodiversidade, acidificação dos oceanos, poluição do ar e da água e degradação da terra. Estamos desestabilizando os próprios sistemas de que precisamos para sobreviver a uma velocidade e escala sem precedentes”, conclui o relatório. Segundo seus autores, pela primeira vez, em 200 mil anos, o planeta será moldado por hábitos humanos – e não o contrário, com os homens se adaptando ao planeta. Por isso, afirma um dos coordenadores do levantamento, Achim Steiner, chegou “a hora de usar o poder de controle humano sobre a natureza para redefinir o que entendemos como progresso”. Sem isso, diz ele, o destino da humanidade estará em risco.

Exceção não pode virar regra na ajuda a estados – Opinião | O Globo

Congresso aprova flexibilização de programa de recuperação fiscal, mas compromissos têm de ser cumpridos

A aprovação pelo Congresso de novas regras para o Regime de Recuperação Fiscal (RFF) é boa notícia para os estados, a começar pelo Rio de Janeiro, único que conseguiu se enquadrar no programa, embora não tenha cumprido à risca todas as contrapartidas exigidas pelo Tesouro. As mudanças — flexibilização de exigências baixadas para governos que estourarem tetos de gastos e a ampliação do prazo de vigência do socorro de seis para dez anos — funcionarão como atrativos para outros estados que desde a criação do RFF, em 2016, queriam aderir ao programa, mas refugaram devido às exigências do Tesouro, caso de Rio Grande do Sul, Minas e Goiás.

A experiência do Rio serve de alerta para o risco de as metas negociadas não serem atingidas. A dívida fluminense foi assumida pelo Tesouro, sob compromissos de ajuste fiscal, descumpridos ou cumpridos apenas em parte. A questão passa pelo comprometimento de governos e assembleias legislativas com o rigor administrativo.

O auxílio a governos estaduais deveria ser exceção. Mas a permissividade virou regra a partir de 2014, com mudanças sucessivas na legislação fiscal. Tanto o Congresso quanto o Supremo têm adotado posturas lenientes em relação às finanças federativas. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) vem sendo desmontada aos poucos, com o reiterado socorro financeiro da União aos estados. Nenhuma das 27 unidades socorridas nos últimos cinco anos alcançou equilíbrio de caixa. Dezessete encerraram o primeiro semestre em situação de progressiva asfixia financeira, segundo o último boletim do Tesouro. Em quase todos os estados, as despesas avançam em velocidade bem superior às receitas. Entre 2004 e 2018, os gastos dos estados cresceram 13% acima do PIB, enquanto as receitas subiram apenas 5%, revela estudo recente do economista Marcos Mendes, do Insper.

 A reforma do RFF pelo Congresso, com amplo apoio (381 votos contra 57 na Câmara e 55 a 1 no Senado), reflete o agravamento da situação fiscal causado pela recessão da Covid-19. A situação do país piorou muito em relação a 2017, quando Luiz Fernando Pezão, ainda no Palácio Guanabara, assinou o RFF. O estado estava sob o impacto da recessão de 2015/16, da queda do preço do petróleo e dos escândalos que atingiram o antecessor, Sérgio Cabral, e outros ex-governadores. O próprio Pezão depois foi preso. O Rio de Janeiro se desorganizou.

Tem agora mais uma chance de aproveitar a ajuda federal para voltar a se aprumar. Com novas regras, outros estados poderão fazer o mesmo. Foi aprovado, ainda, projeto que ajuda municípios, autorizados a obter empréstimos com garantias da União. Mas é preciso aproveitar o fôlego para fazer o necessário: reduzir a folha do funcionalismo, aprovar as reformas previdenciárias e privatizar o que for possível para aliviar o caixa. Não dá para empurrar o problema com a barriga e acreditar que sempre haverá um novo socorro. O descontrole das finanças estaduais ameaça o equilíbrio fiscal da União e a estabilidade monetária.

Novas propostas apertam cerco contra gigantes digitais na Europa – Opinião | O Globo

Ideia de ampliar responsabilidade por conteúdo veiculado deveria inspirar legisladores brasileiros

O cerco às gigantes digitais prossegue no Hemisfério Norte. Enquanto, nos Estados Unidos, a via preferida para atingi-las tem sido a Justiça — Google e Facebook se tornaram alvos recentes de processos por práticas anticompetitivas —, a União Europeia tem adotado o caminho mais sólido do Legislativo. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), em vigor desde 2018, criou regras rígidas para proteção à privacidade e dados pessoais, embora tenham atingido também as empresas pequenas. Nesta semana, a Comissão Europeia propôs para debate duas novas iniciativas que tendem a restringir o poder das grandes plataformas.

O debate no Parlamento Europeu ainda levará tempo (o RGPD foi proposto em 2012 e aprovado só em 2016). Mesmo assim, poderá estabelecer novos parâmetros com impacto nas diretrizes regulatórias de vários países, entre eles o Brasil. As duas propostas se destinam a problemas distintos.

A primeira — Lei de Serviços Digitais — tenta forçar as plataformas a assumir maior responsabilidade pelo conteúdo veiculado e maior transparência, tanto nos critérios para moderar ou suspender posts quanto nas informações sobre anunciantes ou fornecedores. A recusa em se submeter às regras poderá acarretar multas de até 6% do faturamento global.

A segunda proposta — Lei de Mercados Digitais — é mais ambiciosa, mas menos clara. Tenta regular a competição e estabelecer critérios para definir quando existe abuso se uma empresa estende seu domínio de um mercado a outro. Prevê multas de até 10% do faturamento global ou até a quebra das empresas. Entre as regras, estão a proibição de usar dados de rivais para competir contra eles ou a obrigação de adotar padrões de operação que permitam ao usuário trocar de serviço levando todas as suas informações.

Mesmo que a intenção seja louvável, é difícil acreditar que essa segunda proposta tenha chance de prosperar num universo tão dinâmico e sujeito a inovações velozes. Basta lembrar que a Justiça europeia passou dez anos investigando o Google, impôs uma multa de US$ 10 bilhões, mas não surgiu nenhuma competição digna de nota. Na prática, o serviço é tão útil, que ninguém quis saber de abandoná-lo.

A primeira proposta parece mais promissora. É correto o princípio de tornar as redes mais responsáveis pelo que veiculam, ao contrário do que estabelecem as leis em países como Estados Unidos ou Brasil. Embora as novas exigências propostas não sejam tão distantes de mecanismos que já vigoram em alguns países da UE, elas têm a vantagem de estabelecer um padrão. Levantam um debate que deveria inspirar também os nossos legisladores.

 Melhor que nunca – Opinião | Folha de S. Paulo

Pazuello apresenta plano, mas disparates presidenciais fomentam o descrédito

Antes tarde do que nunca. O governo federal anunciou nesta quarta-feira (16), com indesculpável atraso, um plano nacional de imunização contra a Covid-19.

O Ministério da Saúde comandado por Eduardo Pazuello curvou-se aos especialistas. Acataram-se críticas até de pesquisadores que a pasta elencou sem autorização entre consultores da primeira edição do plano, apresentada há quatro dias ao Supremo Tribunal Federal. Assim, a nova versão repara algumas das deficiências apontadas.

Pazuello mencionou expressamente a vacina Coronavac, do Instituto Butantan, entre os imunizantes aos quais o programa oficial pode aderir. Era uma das principais reivindicações dos governadores, presentes à cerimônia.

A Coronavac não figura, entretanto, na lista de fornecedores com compromissos já firmados para 253 milhões de doses. O governo federal fala em 350 milhões, mas isso dependeria de fechar acordos com Pfizer, Janssen, Butantan, Bharat Biotech, Moderna ou Gamaleya.

O mais auspicioso é que agora o governo se propõe a vacinar todos os brasileiros. Mas precisa se empenhar para garantir mais de 400 milhões de vacinas necessárias para cumprir a promessa.

Outras modificações dizem respeito aos grupos prioritários para vacinação. Omissões flagrantes, como empregados em transportes coletivos e estabelecimentos de ensino, foram sanadas. Até obsessões ideológicas do presidente foram postas de lado, com a inclusão de quilombolas e presidiários.

Houve avanço nos prazos para início da vacinação, outro ponto nevrálgico, se bem que ainda falte arrojo ao ministério. Pazuello mencionou meados de fevereiro, dando à Anvisa o mês de janeiro inteiro para analisar pedidos de registro que vierem a ser apresentados.

Não faz sentido marcar um dia específico para a vacinação, como fez o governador João Doria (PSDB-SP), não havendo produto licenciado para tanto. Mas outros países, como EUA e Reino Unido, já deram a largada com autorizações emergenciais.

O anúncio não basta para remover o descrédito do governo Bolsonaro na gestão desse tema vital.

Um dia antes, o presidente repetiu os disparates com que tem sabotado o combate à epidemia: provocou aglomeração sem máscara, propagandeou remédio ineficaz, disse que não tomará vacina, pôs em dúvida sua segurança e defendeu um absurdo termo de compromisso para quem se imunizar.

O país já não sabe em quem acreditar, se no Bolsonaro de terça-feira ou no de quarta-feira. De certo, até agora, após tantas idas e vindas, só se pode dizer que o enfrentamento da Covid-19 sob seu comando é um desastre completo.

 Mais que pirraça – Opinião | Folha de S. Paulo

Delonga de Bolsonaro em reconhecer Biden é sintoma de deterioração da diplomacia

Jair Bolsonaro foi um dos últimos chefes de governo ou Estado a reconhecer a vitória de Joe Biden. Tal atitude tem mais significado para a política doméstica do que para as relações do Brasil com os EUA.

A hostilidade de Bolsonaro deveria ser óbvia para Biden muito antes da eleição, dada a devoção do brasileiro a Donald Trump. As acusações desinformadas de fraude eleitoral e grosseira de cumprimentar o presidente eleito na última hora apenas confirmaram a disposição à picuinha.

Os Estados Unidos podem até se valer desse ato de hostilidade a fim de acentuar um ou outro gesto crítico contra o Brasil, mas sua diplomacia se pauta por objetivos maiores, com crueza pragmática.

Em geral, haverá conflito em temas de interesse americano, como a nova ênfase do país em assuntos ambientais ou o plano de restaurar relações multilaterais, objetos da destruição trumpista.

Por outro lado, aos americanos pode interessar o apoio brasileiro em seu conflito com a China, como no caso da tecnologia de comunicações. De resto, o Brasil é um país grande nas Américas e há muito interesse econômico aqui.

No cenário mais amplo, o Brasil é de relevância secundária para a Casa Branca, desde que o bolsonarismo não promova uma grande desordem regional ou institucional. Tornou-se muito menos importante em tempos recentes.

A força brasileira nas relações internacionais baseava-se na moderação, na capacidade de mediar acordos e de interlocução com países adversários entre si —além de liderar iniciativas ambientais.
Essa obra diplomática de gerações está em ruínas, o que começa a alarmar políticos e até empresários.

A indisposição chegou ao Senado, que acaba de fazer o raro gesto de vetar um indicado do governo para o posto de delegado na ONU.

Talvez o comando vexatório e perigoso de Ernesto Araújo no Itamaraty esteja ameaçado —o desvario do governo em geral, não.

Ao imitar as denúncias trumpistas de fraude eleitoral, Bolsonaro quer disseminar também no Brasil a desconfiança na democracia e em instituições racionais de governança. Nessa visão, elites globalistas comunistas e seus representantes sabotam os valores tradicionais das nações. Conspiraram inclusive para eleger Biden.

A irrelevância do Brasil resulta do projeto de formação de uma internacional reacionária. O ataque a Biden é subproduto desse desvario.

Fed mantém compra de ativos por tempo indeterminado – Opinião | Valor Econômico

A maioria dos membros do Fed acredita que os riscos para a economia estão balanceados

O Federal Reserve americano manteve sua orientação de política monetária, adicionando apenas uma mudança que reforça as condições de enorme liquidez nos mercados. Ele estabeleceu que as compras de títulos mensais - US$ 80 bilhões do Tesouro e US$ 40 bilhões de papéis lastreados em hipotecas - continuarão a ser feitas no mínimo nesses montantes até que a inflação e o nível de emprego se aproximem das metas traçadas pelo banco. O Fed estendeu até setembro de 2021 as linhas de swap em dólar para alguns BCs, entre eles o do Brasil (US$ 60 bilhões disponíveis). A ação mais importante, porém, se desenvolvia no Congresso, onde democratas e republicanos concordaram em fechar um pacote fiscal de cerca de US$ 900 bilhões.

Apesar das incertezas extraordinariamente elevadas que marcam o ambiente no qual o Fed age, as perspectivas para crescimento, inflação e desemprego melhoraram em relação às feitas em setembro. O PIB americano não encolherá 3,7%, mas 2,4% e em 2021 avançará 4,2% e não 4%. O desemprego cairá substancialmente, dos 6,7% de agora para 5% ao fim do ano que vem, até voltar aos 3,7% em 2023. A inflação medida por gastos pessoais de consumo, e seu núcleo, chegará em 2023 a 2%. Portanto, até lá, se o Fed estiver certo, os juros não se moveriam - 13 dos 17 membros do banco mantiveram o fed funds em 0,25% naquele ano.

Mas a pandemia não foi embora, e uma nova onda de mortes e internações já se refletiu nos indicadores de novembro. As vendas no varejo caíram 1,1%, depois de resultado ruim em outubro (-0,1%), embora ainda estejam 3,6% acima do nível pré-pandemia. Mas o setor de serviços vai mal e deve continuar assim - -19% ante fevereiro, segundo estimativas da Oxford Economics. A indústria perdeu fôlego (0,4%) em relação a outubro (1,8%) e a utilização da capacidade produtiva encontra-se 6,5 pontos percentuais abaixo da tendência de longo prazo.

Assim, embora o Fed não tenha indicado o que acontecerá no primeiro trimestre, é bastante provável que o crescimento será contido ou nulo. A vacina é uma esperança, embora o Fed não tenha certeza de quando haverá grau de imunização suficiente que garanta a volta sem inibições dos negócios. “Não temos experiência com isso”, disse Jerome Powell, presidente do Fed. “Os próximos 5, 6 meses, serão cruciais. Na segunda metade do ano a economia pode ter uma performance forte, com as pessoas confiantes e de volta ao trabalho”.

O Fed divulgou ontem uma linha do tempo que mostra a evolução do grau de risco de suas decisões desde o início do século para as quatro principais variáveis de seu mapa de pontos. Para todas elas, a incerteza hoje é a mais elevada da série, mesmo comparada a 2008, ano da grande crise financeira. Agora, a maioria dos membros do Fed acredita que os riscos para a economia estão balanceados, enquanto que em setembro eles pendiam claramente para o lado negativo.

O Fed reafirmou a instância fortemente acomodatícia de sua política monetária. O crescimento da economia nos próximos três anos acima de sua tendência de longo prazo - de 1,8% - não lhe dá garantias, porém, de que a inflação chegará aonde o banco pretende que ela vá. “Isso vai levar um certo tempo”, disse Powell. “Há pressões deflacionárias persistentes, não só nos Estados Unidos, e não é fácil levar a inflação para cima”.

Com a nova onda de contágio, Powell acredita que a política fiscal tem um papel talvez mais importante a jogar no curto prazo. Ele espera ter mais linhas de programas de apoio como as do Care Act, autorizadas e com recursos do Tesouro, como a destinada a pequenas e médias empresas, que serão encerradas em dezembro, por determinação do secretário de Trump, Steven Mnuchin. A mudança de governo lhe é favorável. Janet Yellen, que também presidiu o banco, estará à frente do Tesouro e defende a mesma coisa. “Manter o crédito fluindo faz uma diferença decisiva”, disse Powell, e os números lhe dão razão: o desempenho dos setores dele dependentes, aponta, como imóveis e bens duráveis, vão melhor do que os que derivam da renda ou de contatos sociais, como o de serviços.

Houve certa frustração nos mercados com o fato do Fed não ter ampliado as compras mensais de ativos pelos mercados. O banco viu pouca utilidade no momento de fazer isso, ou mesmo de deslocar sua mira para aquisições de papéis de longo prazo. Talvez porque políticas fiscais de socorro, neste momento, sejam imediatamente mais eficazes.

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