sexta-feira, 20 de maio de 2022

Bernardo Mello Franco: O dia da caça de João Doria

O Globo

O PSDB quer implodir um candidato com 2% de intenções de voto para apoiar outra candidata com 1%. A troca tem pouco a ver com as chances eleitorais de Simone Tebet. O real objetivo dos tucanos é se livrar de João Doria.

O ex-governador paulista venceu as prévias do partido, que custaram R$ 12 milhões aos cofres públicos. Ganhou, mas não deve levar. Empacado nas pesquisas, ele foi abandonado pela cúpula da sigla. O tiro de misericórdia veio de seu sucessor no Palácio dos Bandeirantes.

Candidato à reeleição, Rodrigo Garcia decidiu se distanciar de Doria, de quem foi vice até o mês passado. Teme que a impopularidade do padrinho inviabilize sua própria campanha.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o governador fez elogios a Tebet e endossou a manobra para descartar o correligionário. “O meu candidato a presidente é a terceira via. Simples assim”, declarou.

A operação para rifar o presidenciável foi pouco sutil. PSDB, MDB e Cidadania encomendaram uma pesquisa para definir o rumo da tal terceira via. Puro pretexto para decretar a inviabilidade de Doria, que agora se diz vítima de um golpe.

Segundo dirigentes tucanos, o ex-governador não conseguiu se mostrar um candidato competitivo. Pode ser, mas Tebet foi lançada pelo MDB há seis meses e nunca passou de 1%.

A senadora também está longe de ser unanimidade na própria sigla. No Nordeste, caciques como Renan Calheiros e Eunício Oliveira já fazem campanha pelo ex-presidente Lula. No Sul e no Sudeste, emedebistas não disfarçam o apoio a Jair Bolsonaro.

Filha de uma velha raposa do MDB, Tebet sabe que o partido costuma abandonar seus candidatos à própria sorte. Em 1989, Ulysses Guimarães amargou um humilhante sétimo lugar. Em 1994, Orestes Quércia terminou atrás do nanico Enéas Carneiro. Em 2018, Henrique Meirelles teve 1% dos votos, menos que o folclórico Cabo Daciolo.

Nas outras cinco eleições pós-ditadura, a sigla admitiu sua vocação para o adesismo. Ficou em cima do muro ou apoiou presidenciáveis de outras legendas.

O PSDB cultivava o hábito de levar suas candidaturas a sério. Rompeu a tradição em 2018, quando Geraldo Alckmin foi deixado ao relento. Para surfar a onda da extrema direita, Doria chegou a fundir seu sobrenome ao de Bolsonaro, inventando a chapa “Bolsodoria”. Quatro anos depois, o tucano vive o dia da caça.

 

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