sexta-feira, 20 de maio de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

PSDB e MDB tentam pôr fim à candidatura Doria

Valor Econômico

Sem um arranque entusiasmado de uma chapa, tanto Doria quanto Tebet devem continuar no último pelotão das pesquisas eleitorais

A terceira via foi rapidamente minguando desde que surgiu a ideia de unir partidos para romper a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, e o ex-presidente Lula, do PT, favorito nas eleições de outubro. Partidos invertebrados, chefiados por caciques locais e regionais, não ajudaram na montagem de uma opção que já seria difícil de concretizar de qualquer maneira. Agora, no estágio final, sobraram três partidos que podem se aliar em torno de um candidato único e nem isso é certo. Divergências paralisantes atormentam o PSDB e o MDB.

Pelo passado, o PSDB, que por duas décadas disputou com o PT a primazia do eleitorado nas disputas presidenciais, tinha tudo para ser o polo galvanizador de centro com chances de chegar à Presidência. Mas o PSDB é hoje uma pálida sombra do que foi. Os tucanos conseguiram a façanha de realizar uma convenção partidária, vencida por João Doria, então governador de São Paulo, apenas para que a partir daí suas lideranças, novas e velhas, passassem a se empenhar com afinco em não ter um candidato presidencial. Fato inédito desde a criação do partido, o ato parece ser o coroamento patético de uma decadência que talvez seja irreversível.

Ontem, a liderança dos três partidos decidiu encaminhar para a executiva das legendas uma pesquisa, quantitativa e qualitativa, sobre as perspectivas eleitorais de Doria e da senadora Simone Tebet, indicando que Tebet seja a escolhida para encabeçar a chapa presidencial. A pesquisa não foi divulgada e o próprio Doria disse que não a recebeu. As conclusões mencionadas são todas óbvias, prescindindo de pesquisas. Doria foi preterido, entre outros motivos que se desconhece, porque seu grau de rejeição é alto, logo suas chances são menores. Tebet, por ser menos conhecida, tem mais possibilidade de crescimento. Baseado nestas generalidades, a cúpula tucana pretende afastar de vez a candidatura de Doria.

Doria fez bom governo, com o trunfo político inequívoco de ser o primeiro mandatário a trazer vacinas contra a covid-19 para o país e obrigar o governo negacionista de Jair Bolsonaro a tomar providências a respeito. Sua ambição, afoiteza e pendor irresistível pelo marketing, no entanto, não lhe angariaram confiança da população, assim como, antes, na campanha eleitoral, sua adesão oportunista a Bolsonaro. Como governador do Estado mais rico do país, sua postulação à candidatura era natural, ainda mais em um partido onde a antiga cúpula paulista, com Fernando Henrique, Serra e depois Alckmin, seguiu esse caminho.

Mas o partido perdeu o rumo após ficar longe do Planalto por 20 anos. A saída de cena da velha guarda tucana e a ausência de novas lideranças com densidade intelectual e programática descaracterizaram a legenda. A ponte entre gerações, que seria Aécio Neves (MG), afundou sob o impacto de inquéritos por corrupção e oportunismo, quando aceitou de bom grado, por exemplo, votar a favor de pautas bomba contra o governo de Dilma Rousseff. A legenda vive, como quase todas as outras, do bom dinheiro dos fundos públicos, disputado por lideranças sem credos políticos discerníveis. Geraldo Alckmin, cuja candidatura em 2018 mostrou o atoleiro tucano (4,7% dos votos), saiu do partido e tornou-se socialista, e vice na chapa de Lula.

Coube às alianças eleitoreiras retirar nacos do poder do núcleo paulista, o mais forte da legenda. Para disputar o governo de São Paulo, José Serra entronizou o vice-prefeito, Gilberto Kassab e deu ao PFL uma representação que nunca teve na cena política da capital. Doria escolheu como vice Rodrigo Garcia, vice-presidente nacional do DEM, que apenas em 2021 se filiou ao PSDB para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes. Garcia não moverá palha por Doria, do qual quer manter-se distante na campanha.

Mas muita coisa pode mudar até outubro. O que se tem da terceira via até agora é um candidato, Doria, rejeitado pelo partido, que terá um desgaste enorme para ser oficializado. Simone Tebet pode ter apoio de PSDB e Cidadania, mas velhos caciques do MDB tramam para que mais uma vez a legenda não tenha candidato e assim possam apoiar Lula à vontade, enquanto os bolsonaristas da legenda sigam seus instintos.

A esperança de Doria é chegar até a convenção, onde lutará pelo que julga ser seu direito. Tebet não reuniu todos contra si no MDB, como Doria no PSDB, mas tem uma “oposição qualificada” de velhas raposas da política. Sem um arranque entusiasmado de uma chapa a esta altura, tanto Doria quanto Tebet devem continuar no último pelotão das pesquisas eleitorais, onde estão.

Sinal verde

Folha de S. Paulo

Apesar de falhas, venda da Eletrobras pode ser marco do programa de privatização

O Tribunal de Contas da União enfim deu sinal verde para a privatização da Eletrobras, num processo que diluirá a participação da União no capital da empresa de 72% para 45%. Trata-se de uma rara vitória do governo Jair Bolsonaro (PL) capaz de redundar em benefícios de longo prazo para a sociedade.

Mesmo prejudicada por injunções políticas e dúvidas regulatórias, a medida pode interromper uma relação viciosa entre a prestação de um serviço essencial e interesses que se aproveitam da estatal para empreguismo, investimentos sem lógica econômica e mesmo corrupção pura e simples.

Em 2016, a própria Eletrobras entregou à SEC, o órgão que regulamenta o mercado de capitais nos Estados Unidos, documentos atestando que os prejuízos causados por irregularidades envolvendo políticos e servidores haviam somado R$ 300 milhões somente no período de 2014 a 2015.

O controle privado precisa abrir caminho para a estruturação de uma empresa mais eficiente, com fôlego para a realização de novos investimentos, algo que se tornou difícil sob o comando do Estado.

Em 2011, a companhia detinha 36% de participação na oferta de energia e 58% da rede de transmissão. Em 2021, os percentuais haviam caído para 30% e 40%, respectivamente —por falta de caixa e visão de mercado para acompanhar a mudança estrutural em curso do setor de energia elétrica.

Há problemas de monta a considerar na desestatização. Primeiro, a Eletrobras privada terá expressivo poder de mercado, o que exigirá atenção dos órgãos reguladores.

Segundo, o Tesouro Nacional permanecerá como importante acionista da companha, com capacidade de influenciar nos rumos do negócio, para o bem e para o mal.

Terceiro, o Congresso impôs condições custosas para aprovar a operação, em particular a construção de térmicas a gás onde não há combustível para ligá-las ou linha de transmissão para retirar a energia que possa ser produzida. Tudo isso será pago pelos consumidores.

Desde que foi proposta em 2017, no governo Michel Temer (MDB), a privatização enfrentou resistências ideológicas, clientelistas e corporativistas. As mais vistosas ainda partem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência.

Trata-se de roteiro conhecido. Na Presidência, Lula deixou de lado as diatribes dos tempos de candidato contra a venda de estatais, oriundas das bases sindicalistas, e valeu-se de bom senso na economia.

Embora nem sempre bem executada, a política de desestatização iniciada nos anos 1990 —visível em telefonia, bancos, rodovias, aeroportos e outros— mantém-se como imposição da realidade.

Lidando com a ditadura

Folha de S. Paulo

Biden acerta ao buscar pragmatismo e diplomacia ante catástrofe na Venezuela

Em um novo passo da aproximação com a Venezuela iniciada em março, o governo dos EUA deve começar a promover uma paulatina flexibilização das sanções econômicas impostas nos últimos anos contra o regime de Nicolás Maduro.

O movimento tem por objetivo viabilizar a retomada do diálogo entre os representantes da ditadura e da oposição. Ocorre na mesma semana em que a Casa Branca anunciou também um alívio de restrições impostas a Cuba.

No caso da Venezuela, uma das principais medidas seria a autorização para que a empresa petrolífera Chevron restabeleça negociações com o regime, vetadas por Washington desde 2019 como resposta do governo de Donald Trump à reeleição de Maduro no ano anterior, vista como fraudulenta.

Embora ainda tímida, a iniciativa da gestão Joe Biden não deixa de ser um reconhecimento da pouca eficácia da política de linha dura implementada por seu antecessor. Nos últimos anos, a catástrofe econômica e humanitária na Venezuela só fez aprofundar-se.

Diante de uma tragédia social que encontra poucos paralelos no mundo, mais de 5 milhões de venezuelanos já foram forçados a deixar o país, segundo a Agência das Nações Unidas para Refugiados —um contingente só menor do que o de deslocados por guerras.

Como se a barbárie fosse pouca, a Venezuela vem também mergulhando no terror e na repressão promovidos pelo Estado. Investigações conduzidas pelo Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU identificaram milhares de casos de abusos por parte de agentes do governo.

Além disso, de janeiro de 2018 a maio de 2019, quase 7.000 pessoas foram mortas no país após supostamente resistir à prisão —boa parte dos episódios, segundo o órgão, seriam execuções extrajudiciais perpetradas por razões políticas.

Nova rodada de negociações entre ditadura e oposição foi encetada em meados do ano passado no México, sob mediação da Noruega, mas interrompida em outubro.

Retomar a agenda de distensão entre as duas partes com vistas a promover eleições presidenciais justas em 2024 é uma das principais metas do gesto americano.

Se o malogro das tratativas anteriores recomenda cautela quanto ao sucesso da nova empreitada, a opção do governo Biden pela senda do pragmatismo e da diplomacia constitui o caminho mais viável para lidar com a ditadura.

A corrida para vender a Eletrobras

O Estado de S. Paulo

Sem ter completado sua primeira grande privatização, o Executivo deveria evitar precipitação quanto à venda da Petrobras

Se correr muito e conseguir vender a Eletrobras, o presidente Jair Bolsonaro poderá pelo menos atenuar um dos maiores fracassos de seu mandato. Reduzir o tamanho do Estado com privatizações foi uma de suas bandeiras eleitorais em 2018. Pouco antes de se tornar ministro da Economia, Paulo Guedes prometeu conseguir R$ 1 trilhão em pouco tempo com a venda de estatais. Em março de 2019, já no Ministério, ele apresentou novo cálculo, mencionando uma receita possível de R$ 1,25 trilhão. Não houve grande avanço, no entanto, durante a maior parte dos três anos seguintes. Em agosto de 2020, o secretário Especial de Desestatização, Salim Mattar, pediu demissão.

Com muito atraso, o Executivo tem a possibilidade, agora, de executar pelo menos um projeto de privatização. O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou na segunda-feira, por sete votos a um, o processo de venda do controle da Eletrobras. O plano é reduzir a participação de 60% para cerca de 45% da parcela da União no capital da empresa. Ações serão oferecidas no mercado e trabalhadores poderão comprá-las com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Seis bilhões de reais poderão ser liberados para essa destinação.

O poder central terá de trabalhar com rapidez, se quiser concluir a privatização antes da campanha eleitoral.Também se fala em encerrar a operação antes das férias de verão no Hemisfério Norte, porque os planos incluem a oferta de ações a investidores do mundo rico. Internamente, convém à equipe de Bolsonaro evitar, tanto quanto possível, o confronto com candidatos contrários à desestatização da Eletrobras e de outras companhias controladas pela União. O Executivo terá de exibir, portanto, uma eficiência raramente mostrada em quase três anos e meio do atual mandato presidencial.

Cuidar desse processo será uma das principais missões do novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida. Ele acompanhou a análise do projeto pelos ministros do TCU e empenhou-se na obtenção de apoio à pretensão do presidente. Além disso, já sugeriu uma destinação, provavelmente parcial, para a receita conseguida com a venda: restringir ou evitar o aumento da conta de luz.

Se essa ideia for aprovada, haverá algum alívio para os consumidores, já atormentados pela alta de muitos preços, e uma preocupação política do presidente será afastada. Dinheiro obtido com uma operação de caráter estrutural, a desestatização de uma grande empresa, será usado, nesse caso, para resolver um problema conjuntural – um aumento de tarifa – e para servir a um propósito eleitoral. Historiadores terão mais um episódio de chanchada para tornar seus livros um pouco menos sisudos.

Mas nem o resultado financeiro dessa privatização é garantido. Durante a tramitação no Congresso, o projeto de venda da Eletrobras ficou sujeito à inclusão de jabutis. O maior deles, a criação de um conjunto de gasodutos, poderá custar, segundo as estimativas até agora conhecidas, cerca de R$ 100 bilhões ao poder público.

O ministro Sachsida está encarregado também de outras tarefas consideradas importantes, em termos eleitorais, para seu chefe. O presidente Jair Bolsonaro continua empenhado em evitar aumentos de preços de combustíveis. Esse empenho já resultou na demissão de presidentes da Petrobras e do ministro Bento Albuquerque, antecessor de Sachsida. Além de dar atenção a esses preços, o ministro de plantão deve manter no ar a ideia de privatização da Petrobras. Muito complicada politicamente, essa pretensão pode servir pelo menos, durante a campanha, para animar o eleitorado bolsonarista.

Mesmo com sentido apenas eleitoral, esse debate será inoportuno e perigoso. Pode-se defender a privatização da Petrobras, mas será irresponsabilidade tratar do assunto sem um exame cuidadoso de suas implicações estratégicas. Exames desse tipo nunca foram empreendidos pela atual cúpula do poder, avessa às ideias de governo, de planejamento e de objetivos nacionais. Esquecer a privatização da Petrobras será a melhor contribuição do ministro Sachsida. 

Desrespeito ao STF e ao País

O Estado de S. Paulo

Plenário do Supremo determinou transparência em relação ao orçamento secreto, mas 190 parlamentaresnem sequer responderam à solicitação de informações

Se há um princípio elementar no Estado de Direito é que as decisões judiciais devem ser cumpridas. Afinal, o que caracteriza o Estado de Direito é a submissão de todo e qualquer cidadão ao império da lei, isto é, ao que determina a legislação em vigor no País. O papel do Legislativo é formular e aprovar as leis. Ao Judiciário, por sua vez, cabe interpretá-las, sempre que provocado, a fim de dirimir conflitos. Proferida a decisão judicial, resta cumpri-la, sem prejuízo, claro, da possibilidade de recurso à própria Justiça para tentar mudar o veredicto. Que, de resto, deverá ser igualmente acatado.

Eis que princípio tão elementar vem sendo afrontado por ninguém mais, ninguém menos que o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que até aqui não fez cumprir a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de dar transparência total ao chamado orçamento secreto. Instado pelo plenário do STF a revelar os nomes dos parlamentares que fizeram uso desse mecanismo bilionário de liberação de verbas, Pacheco resistiu o quanto pôde. Por fim, no último dia 9 de maio, após tentativa frustrada de prorrogar o prazo, atendeu parcialmente à decisão, enviando ao Supremo ofícios com informações fornecidas por 340 deputados e 64 senadores.

O descompromisso do presidente do Congresso com uma de suas obrigações precípuas − a de seguir à risca ordens judiciais − ficou evidente na maneira como ele conduziu o assunto entre seus pares. Sob a alegação de que não haveria registros sistematizados dos parlamentares que fizeram uso das emendas de relator nem obrigação legal prévia nesse sentido, Pacheco solicitou a deputados e senadores que “colaborassem” com o levantamento, listando as emendas de relator que apadrinharam em 2020 e 2021. Para isso, foi dado prazo de dez dias e, ao final desse período, o Congresso remeteu ao STF o conjunto de respostas individuais, aparentemente sem nem mesmo tabular os dados.

A postura do presidente do Congresso, devidamente alinhada com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), parece ter deixado os colegas tão à vontade que 190 parlamentares simplesmente nem sequer responderam ao pedido. Isso mesmo: 173 deputados (do total de 513) e 17 senadores (do total de 81), conforme noticiou o Estadão, ignoraram a solicitação para prestar informações demandadas pelo plenário do Supremo. É praticamente um terço (32%) do Congresso Nacional. Sem falar nos parlamentares que responderam à solicitação de Pacheco de forma genérica, sem detalhes sobre emendas e valores.

O orçamento secreto foi revelado pelo Estadão no ano passado. Trata-se de mecanismo turbinado no governo Bolsonaro para liberar verbas públicas sem revelar o deputado ou senador responsável pela indicação. Como tudo que é feito às sombras, o orçamento secreto se presta a todo tipo de barganha. Em geral, envolve projetos e redutos eleitorais de aliados fiéis ao governo − embora até mesmo parlamentares do PT e da oposição, em menor monta, tenham sido contemplados. 

O dinheiro é liberado sem transparência: o que consta nas respectivas emendas é o nome do relator-geral do Orçamento, função desempenhada por um deputado ou senador diferente a cada ano. Não será surpresa se a mera divulgação de nomes e valores enseje cobranças dentro da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro. O orçamento secreto, como se sabe, é peça-chave no acordo do presidente com os partidos do Centrão. E alguns parlamentares talvez queiram saber por que seus pedidos receberam menos verbas do que os de outros colegas. Em 2022, as emendas de relator contarão com R$ 16,5 bilhões. 

A simples ideia de um “orçamento secreto” atropela o princípio republicano da transparência, além de não figurar no arcabouço legal do País. A decisão do Supremo busca abrir essa caixa-preta e não pode ser desrespeitada por quem, acima de tudo, tem o dever de cumprir a lei − e as decisões judiciais dela derivadas. 

A contrarreforma administrativa

O Estado de S. Paulo

Retomada do quinquênio para juízes e procuradores expõe grau de desconexão de governo e Congresso com o Brasil real

Já não surpreende mais ninguém o fato de que o presidente Jair Bolsonaro vai encerrar o mandato sem aprovar uma reforma administrativa que contenha e reduza o tamanho dos gastos da União com o funcionalismo público. É, de certa forma, até um alento, dada a baixa qualidade das proposições de sua administração desde o início de 2019, como a recriação da inesquecível Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e as malfadadas tentativas de retirada de direitos trabalhistas. Mas o casamento entre governo e Centrão acaba de render uma inacreditável reviravolta nessa temática. Com apoio do Palácio do Planalto, o Senado quer recriar o anacrônico quinquênio, benefício que havia sido extinto para juízes, em 2005, e para servidores do Executivo, em 1999. Pelos termos de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em discussão na Casa, juízes e procuradores teriam um reajuste de 5% a cada cinco anos de atuação, sem qualquer meta de atuação ou compromisso atrelado ao índice. É praticamente uma contrarreforma administrativa.

O texto, que repousava havia nove anos no fundo dos escaninhos do Congresso, conta agora com apoio explícito do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e encontra amparo no governo, em particular no ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, de acordo com reportagem do Estadão. O custo da benesse seria de ao menos R$ 7,5 bilhões anuais, considerando ativos e inativos do Judiciário e do Ministério Público, apontam cálculos da Consultoria Legislativa do Senado.

Paradoxalmente, Pacheco defendeu a aprovação do retorno do penduricalho. No programa Roda Viva, o senador disse que a benesse representa uma “valorização” da carreira da magistratura e uma compensação por “privações”. Em nome de tal sacrifício, cada juiz representa um custo médio mensal de R$ 48,2 mil aos cofres públicos, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), enquanto no Brasil real o salário mínimo no setor privado é de R$ 1.212 e o desemprego atinge quase 12 milhões de brasileiros.

A movimentação despertou a cobiça de um funcionalismo já mobilizado e em greve. Já há, entre os senadores, iniciativas para garantir o quinquênio a toda sorte de servidores federais civis e militares, ativos e aposentados, tais como defensores públicos, membros do Tribunal de Contas da União e integrantes da Receita Federal, Polícia Federal e Banco Central, justificadas pelo “princípio da isonomia”. Ainda não estimado, o rombo anual, evidentemente, seria excluído do arruinado teto de gastos.

Propostas como essa se tornaram praticamente uma tradição no País pela referência ao suntuoso Baile da Ilha Fiscal, também conhecido como O Último Baile do Império, realizado poucos dias antes da Proclamação da República. Neste ano, a farra tem durado semanas – basta lembrar a aprovação dos pisos para agentes comunitários e enfermeiros. Mas há ao menos um ponto positivo a ser destacado nessa comparação: a certeza de que esse tipo de ideia floresce apenas em governos próximos do fim. 

Privatização da Eletrobras é passo na direção correta

O Globo

Foi positiva a aprovação da privatização da Eletrobras pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O governo agora corre para reduzir a participação da União no capital da empresa e diluir seu controle entre investidores privados. Se continuasse estatal pelos próximos 15 anos, a capacidade de investimento anual não passaria de R$ 6 bilhões. Nas mãos do capital privado, poderá chegar a R$ 14 bilhões, segundo cálculos da própria Eletrobras.

O medo de intervenções políticas nas estatais é tão grande que os investidores costumam exigir desconto nos papéis dessas empresas na Bolsa. O valor de mercado médio de uma companhia privada do setor de energia gira em torno de uma vez e meia o valor patrimonial. A Eletrobras, nas mãos do Estado, vale na Bolsa apenas 80% do patrimônio. Uma vez privatizada, terá capacidade financeira e de gestão muito maior. Haverá ganhos para acionistas e consumidores.

Entre o sinal verde do TCU e a privatização, deverá haver ainda muito ruído. Não faltarão gritos contra a “entrega do patrimônio público”, lamentos sobre os danos ao “projeto de desenvolvimento nacional” e a inevitável choradeira sobre o preço de venda das ações. Curioso que as mesmas vozes tenham se calado durante os anos em que a Eletrobras foi um cabide de empregos e quase sucumbiu ao endividamento. Como resumiu a economista Elena Landau, que presidiu o conselho da Eletrobras no governo Michel Temer, haverá uma enxurrada de mentiras para tentar evitar a privatização, “um jogo de narrativas que darão base a liminares e questionamentos”.

Para desarmá-las, basta analisar os fatos. Quando o governo Temer começou a preparar a Eletrobras para a privatização, há seis anos, havia 26 mil funcionários. Hoje são 12 mil, número que deverá cair mais, com ganhos de produtividade e automação. Em 2016, o endividamento era tão alto que a Eletrobras só não corria o risco de entrar em recuperação judicial porque a União bancava as perdas. Que tipo de projeto de desenvolvimento nacional se faz com uma empresa zumbi?

O trabalho de saneamento foi suficiente para tirar o balanço do prejuízo e resgatar o lucro. Permitiu à Eletrobras voltar a executar obras atrasadas ou paradas, mas não ganhar os leilões de novas usinas e linhas. Para a maior empresa de energia da América Latina manter sua fatia de mercado (30% da geração e 45% da distribuição), teria de investir R$ 14 bilhões por ano, bem mais que a capacidade atual (R$ 4 bilhões). É por isso que a gestão privada é desejável e a saída mais sensata.

O governo conseguiu aprovar a privatização, mas não sem problemas. O principal é o proverbial “jabuti das térmicas”, incluído pelo Congresso na lei de privatização: a obrigação de instalar termelétricas onde não há gás nem alto consumo de energia, em benefício de um grupo de empresários. A Justiça já foi instada a se manifestar sobre a constitucionalidade da medida.

Entre os percalços adiante está também a promessa do pré-candidato do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de evitar a privatização se vencer a eleição. As atuais negociações sobre o congelamento dos preços das tarifas de energia também podem desestimular investidores. Mesmo com todos esses riscos, é possível que a venda da Eletrobras ao setor privado aconteça nas próximas semanas ou meses. Se confirmada a previsão, será um passo na direção correta para o Brasil.

Senado precisa barrar o projeto absurdo sobre ensino doméstico

O Globo

Ao aprovar em regime de urgência a regulamentação do ensino doméstico, a Câmara deu demonstração de profunda falta de sintonia com as carências da educação básica e com os problemas reais do Brasil. A proposta, que ainda irá ao Senado, estava empacada havia mais de três anos devido ao conteúdo de escassa relevância, a não ser para um grupo exíguo de ideólogos conservadores e para o presidente Jair Bolsonaro. Deslanchou agora em razão da proximidade da eleição.

O ensino doméstico é uma bandeira de campanha de Bolsonaro, cuja implantação estava prometida para os primeiros cem dias de governo. É uma obsessão dele e de seus seguidores, que veem as escolas como redutos da esquerda e focos de doutrinação política. Daí a sanha por afastar as crianças da sala de aula.

Considerando a realidade brasileira e os índices educacionais indigentes, isso é um absurdo. A educação doméstica, chamada pelos seus defensores de homeschooling, em nada contribui para a qualidade do ensino. As carências da educação são de outra natureza: precariedade das escolas, falhas na formação de professores e deficiências provocadas pelo fechamento prolongado na pandemia. O projeto é apenas mais um round na batalha ideológica travada cotidianamente pelo bolsonarismo.

É verdade que, por pressão da oposição, o texto aprovado contém restrições. Exige que pelo menos um dos responsáveis pela educação doméstica tenha curso superior — imposição que os governistas tentam derrubar —, que o aluno esteja matriculado numa escola regular, que seja submetido a avaliações anuais por ela e que o conteúdo siga a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Mas isso não o torna melhor, nem mais aceitável.

O maior problema do projeto é afastar a criança do convívio escolar. O papel da escola não é apenas ensinar o conteúdo didático, mas também habilidades sociais e, acima de tudo, expor os alunos a gente que é e pensa diferente. A escola é essencialmente um meio plural. Manter a criança numa bolha não ajudará a prepará-la para o mundo real. Na pandemia, quando as escolas permaneceram quase dois anos incompreensivelmente fechadas, o estrago ficou evidente. Inúmeros estudos constataram aumento de problemas psicológicos e violência doméstica, para não falar na óbvia evasão escolar.

É certo que o ensino domiciliar é adotado noutros países. Pode até ser importante em casos específicos, como famílias itinerantes. Mas, diante da realidade do Brasil, jamais deveria ser prioridade. Há outras urgências. Os índices educacionais, que já eram ruins, ganharam contornos dramáticos com a pandemia. O ministro da Educação, Victor Godoy, o quinto no atual governo, prometeu apresentar um plano de recuperação do aprendizado. Ora, isso deveria ter sido feito há muito tempo. A grande tragédia do ensino brasileiro é a perda de energia com um projeto irrelevante e equivocado como o do ensino doméstico, enquanto se despreza o que realmente precisa ser feito para melhorar a educação. Faria bem o Senado em rejeitá-lo ou simplesmente esquecê-lo.

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