segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Denis Lerrer Rosenfield* - A extrema direita

O Estado de S. Paulo

A bolha da sua mentalidade furou; resta saber se haverá uma força capaz de reunir os despojos ou se o bolsonarismo ainda tentará se reorganizar

A experiência dos últimos quatro anos foi rica em ensinamentos, em particular o da extrema direita no poder. Embora no início o desenho não estava nítido, ganhou no decurso do tempo contornos precisos. O antipetismo foi a sua bandeira primeira, num amálgama de valores conservadores e liberais, dando progressivamente lugar a pautas antidemocráticas e antiliberais. O estilo bronco e, às vezes, engraçado de Bolsonaro foi se mostrando grotesco e mesmo cruel em sua campanha contra a vacinação, literalmente gozando da morte alheia, expondo sua falta completa de compaixão – algo, aliás, contrário aos valores religiosos que dizia defender.

O “jogo dentro das quatro linhas da Constituição” foi uma mera encenação com o intuito de minar a ordem democrática, de preferência via eleições, como se a democracia pudesse ela própria ser subvertida, paradoxalmente, por instrumentos eleitorais. A campanha contra o sistema eleitoral, o combate insano de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e a contestação das eleições puseram a nu um líder de perfil claramente autoritário. Quem com ele não estava se tornava um inimigo, inclusive seus amigos de ontem. Uma vez que o malogro de seu projeto reeleitoral se esboçava, a tentativa mais explícita de golpe foi se apresentando como uma alternativa real.

Fiou-se ele nas Forças Armadas e, em particular, no Exército, acreditando que elas o seguiriam em quaisquer circunstâncias, mesmo ao arrepio da disciplina militar. Ocorre que, no jogo do poder, a maior parte dos militares só aceitou jogar nas quatro linhas da Constituição, rechaçando qualquer arremedo de legalidade para o emprego da violência. Militares avançados se puseram na consolidação da ordem democrática, dizendo não a qualquer tentativa golpista. Os renitentes terminaram se alinhando, visto que sua formação os colocava na defesa da disciplina e contra qualquer tipo de quebra de hierarquia. Uma instituição hierarquicamente quebrada deixa de ser propriamente uma instituição de Estado. Ali fracassou o golpe.

O estertor deste processo foram as manifestações do dia 8 de janeiro, com a invasão e depredação dos centros do poder republicano: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O simbolismo foi forte. A máscara democrática caiu, entrando em seu lugar a violência própria da extrema direita, embora saibamos que não lhe é exclusiva, haja vista a experiência comunista. A horda bolsonarista agiu sem freios, ainda acreditando em seu líder, o “mito”, que viria a liderar presencialmente este processo, crendo, ademais, que os militares de extrema direita nele a seguiriam. A partida democrática, porém, já estava previamente ganha, seja pelo pleno funcionamento das instituições, seja pelo resultado eleitoral majoritariamente reconhecido, seja pela atuação decisiva dos militares constitucionalistas. E o “mito” sumiu!

O “mito” refugiou-se nos arredores da Disney, como se lá fosse mais divertido do que o seu próprio país, após as arruaças e instabilidades política e institucional aqui produzidas. Contudo, a extrema direita vive de seus líderes, pessoas resolutas em seu processo político, como bem demonstraram figuras como Hitler, Mussolini e Franco. Enfrentaram intempéries até chegarem ao poder e lá se consolidarem. O líder mantém a coesão de seus liderados, uma espécie de cola que a todos une. Sem esse fator agregador, seus apoiadores se dispersam. O que podem hoje bem pensar aqueles que, com chuva, calor e frio, se reuniram na frente dos quartéis, quando contrastam a sua experiência com a do “mito” no aconchego de um condomínio residencial em Orlando, com todas as comodidades materiais?

A questão que se coloca, portanto, é a de se essa experiência eu diria limite da extrema direita tem condições de perpetuar-se, não apenas por causa da derrota do “mito”, mas principalmente pelo seu sumiço. Provavelmente, os que nele acreditaram, num número impressionante de cerca de 50% do eleitorado, vão agora escolher novos caminhos, considerando que muitos que o seguiram o fizeram por rechaço à experiência petista. Agora, as posições se invertem, com Lula tendo sido, por sua vez, eleito por repúdio à experiência bolsonarista. O Brasil continua oscilando neste pêndulo.

A força do bolsonarismo estava em sua coesão sob o seu líder, em campanhas midiáticas baseadas na mentira e no ataque constante a inimigos reais e imaginários, em motociatas cujo perfil se assemelhava, num mundo digital, às milícias nazistas ou fascistas. No caso destas, com organizações próprias e firme apoio partidário. Aqui, seja por falta de tempo, seja por ausência de um projeto totalitário mais firme, a improvisação terminou se impondo.

Em suma, a bolha da mentalidade de extrema direita furou, com a realidade entrando por todos os seus furos, como águas num navio afundando. Resta, agora, saber se haverá uma força de centro, mais à direita ou mais à esquerda, capaz de reunir esses despojos ou se o bolsonarismo ainda tentará reorganizar as suas forças.

*Professor de Filosofia na Ufrgs

4 comentários:

Anônimo disse...

A bolha furou, entretanto a realidade não se impôs, por não terem ainda saído de seu mundo paralelo e as mentiras serem emitidas, ainda, em profusão.

Anônimo disse...

O desenho não estava nítido no início? Só pra quem não queria ver, como o colunista!
O estilo às vezes engraçado de Bolsonaro? Engraçado pra quem? Para os índios e negros, sempre desrespeitados pelo canalha? Para as mulheres, desvalorizadas por ele? Para a deputada Maria do Rosário, ameaçada de estupro pelo anormal?
Para os torturados pela ditadura militar, novamente torturados pela defesa criminosa de torturadores e torturas SEMPRE feita pelo pré-GENOCIDA?
O colunista sempre esteve mais do lado do GENOCIDA do que agora quer mostrar, e de quem quer se distanciar cada vez mais!

Anônimo disse...

Direitista? Gaúcho? Formação mexicana? Filosofia?
Sei não... Parece coisa de viad

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu também achei estranho o colunista dizer ''as vezes meio engraçado''.