quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Golpismo bolsonarista vem dos porões da ditadura - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Tramas reveladas pela PF expõem necessidade de cordão de isolamento entre a política e as Forças Armadas

As investigações da Polícia Federal acerca das tramas golpistas no entorno de Jair Bolsonaro vão confirmando o que já se sabia: o ex-presidente é um filhote dos porões da ditadura militar, discípulo e admirador de Carlos Brilhante Ustra e da facção de torturadores e fanáticos que viviam nos subterrâneos tenebrosos do regime e acabaram derrotados durante seu processo de decadência.

Mentiroso contumaz, sádico e inimigo da democracia, Bolsonaro foi acusado de indisciplina em campanhas por ganhos salariais no Exército e de tramar explosões de bombas para desestabilizar os comandos. Foi considerado culpado por uma junta de três coronéis e depois absolvido por 8 a 4 pelo Superior Tribunal Militar, numa decisão acochambrada, que antecedeu sua saída da Força.

Os que não viveram para ver – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Tom Jobim, Millôr e Cony já não levavam muita fé no Brasil e não viveram para ver Bolsonaro

A realidade não para de desmoralizar a ficção. A ficção científica, então, nem se fala —longe vão os tempos em que, para nosso deleite e admiração, seus romancistas viajavam a planetas impossíveis, aboliam o espaço/tempo e bolavam as piores formas de destruir a Humanidade. Hoje, Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Robert Heinlein não seriam admitidos nem como estagiários na Altair, filial da sueca Morbius dedicada à substituição dos neurônios no cérebro humano por impulsos algorítmicos pela inteligência artificial.

Antes da meia-noite na segurança pública - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Não faltam sinais de que estamos mergulhando na treva, enquanto o crime organizado muda de escala

Alejandro Arcos foi morto e decapitado seis dias depois de se eleger prefeito de Chilpacingo, no estado mexicano de Guerrero. O crime escancarou a força de cartéis da droga, estrategicamente ali instalados, às margens do oceano Pacífico. Os estudiosos da questão debatem quando a situação saiu do controle no país. No livro "Midnight in Mexico" (Meia-Noite no México), o jornalista Alfredo Corchado narra o que chama de descida do país rumo às trevas com as mudanças das políticas do governo federal em relação às drogas –da tolerância mutuamente proveitosa entre os políticos do PRI (Partido da Revolução Institucional) e os chefões dos cartéis à fracassada guerra às drogas quando o PAN (Partido de Ação Nacional) chega ao poder. Ao mesmo tempo, o autor vai acompanhando as trágicas transformações da cidadezinha onde nasceu, na fronteira dos Estados Unidos, trazidas pela chegada do narcotráfico.

O Brasil e o capital chinês - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pressionada por EUA e cia., China dirige mais investimento para países em desenvolvimento

Brasil e China divulgaram um desses comunicados café com leite de encontros bilaterais —aqueles acordos de cooperação vagos. Mas pode ter carne nesse cardápio.

A China tem mudado o endereço de seus investimentos. Em 2017, 3 dos 10 maiores destinos de capital chinês eram "países em desenvolvimento". De 2018 a 2022, passaram a ser algo em torno de 5. Em 2023, 9 de 10. Os dados foram compilados pela Câmara Empresarial Brasil-China.

Em 2018, Donald Trump declarou guerra comercial contra a China. Como é sabido, as restrições americanas e do Ocidente a negócios com os chineses vão além.

Não estamos à beira de receber jorro de capital chinês. Para começar, esse fluxo amainou em anos recentes, por causa da epidemia, de Jair Bolsonaro e porque o PIB brasileiro se arrastava na poeira. Além do mais, o dinheiro não virá por graça política. A condição necessária é a de sempre: estabilidade econômica, perspectiva de crescimento e barganhas.

Lula recupera a posse da bola - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Êxitos na política externa e constrangimento da extrema-direita favorecem o governo na preparação do terreno para o segundo biênio

A primeira-dama queimou a largada acocorando-se para ofender Elon Musk, e 34 chefes de Estado, o maior quórum de uma reunião do G20, acordaram com a notícia de que a segurança do evento estava sendo provida por militares que chegaram a fazer planos para envenenar o colega anfitrião. Parecia que tudo ia dar errado para um presidente que pretendia fazer uma retumbante estreia na trilha dos grandes eventos mundiais que presidirá - COP30 e Brics acontecerão em 2025-, mas a emenda saiu melhor que o soneto.

Janja da Silva recebeu uma reprimenda pública inédita do marido ao mesmo tempo em que o Brasil anunciava entendimentos com a China para buscar alternativas à Starlink de Musk. A notícia de que o G20 estava salvaguardado por golpistas se provaria falsa e a operação policial que ameaçava ofuscar o evento acabou trazendo dividendos externos e internos para o governo.

Busca de monitoramento com a China no comércio - Assis Moreira

Valor Econômico

Exportações da China para o Brasil cresceram 24,9% de janeiro a outubro deste ano, a maior alta nas vendas para grandes parceiros

A criação de um mecanismo de diálogo rápido com a China para monitorar disrupção nos fluxos de comércio entrou no radar, em Brasília, refletindo a preocupação com uma escalada de guerra comercial a partir de 2025.

As conversas com os chineses ganharam força no pós-eleição de Donald Trump, com as suas ameaças de impor sobretaxas de 60% sobre produtos chineses e de 20% sobre os de outros países e o risco de que sejam reproduzidas por outros mercados relevantes. Não se esperava algo concreto, ainda, na visita de Xi Jinping ao Brasil, ontem.

Se os Estados Unidos frearem a entrada de parte dos US$ 430 bilhões em produtos que importam da China a cada ano, as empresas chinesas tentarão, evidentemente, vendê-los para outros países, repetindo uma estratégia bem-sucedida quando Trump deflagrou a primeira guerra comercial, em 2018.

Quem fez a cabeça de quem - William Waack

O Estado de S. Paulo

Politização das Forças Armadas é o pano de fundo de esquema de golpe apontado pela PFs

A frase para se entender como oficiais de alta patente se envolvem em esquemas de golpe como o que a Polícia Federal afirma ter desvendado seria aquela de Bolsonaro: “o Exército é meu”. Não era nem nunca foi, mas os comandantes militares deixaram parecer que fosse.

Está nessa complacência a raiz da indisciplina e insubordinação, que sempre acompanham a politização de forças armadas. Contudo, a complacência de chefias militares diante da erosão da própria instituição não foi uma atitude deliberada ou talvez sequer consciente.

Já tinham perdido a mão quando decidiram não punir o general Pazuello por participar de ato político em 2021. O comando formal da arma manteve-se intacto mas a autoridade do comando esvaiu-se.

A economia à espera de Godot - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

O (futuro) pacote fiscal soa quase tão enigmático quanto o insondável personagem de Beckett. Mas há diferenças essenciais

Na peça Esperando Godot, de Samuel Beckett, uma dupla espera Godot num esforço quase descomunal, além de confuso. O pacote de cortes de gastos do ministro Fernando Haddad não é Godot, tampouco o mercado financeiro deveria exasperar-se e confundir-se tanto. Cabe ao governo apresentar medidas concretas para reequilibrar as contas públicas.

O compromisso político em torno de uma regra fiscal bastante razoável, o chamado novo arcabouço fiscal, veio no ano passado com a aprovação e promulgação da Lei Complementar n.º 200/2023. O desafio, agora, é providenciar as ações necessárias para que as receitas e as despesas se comportem de acordo com a lei.

Do lado das receitas públicas, o Ministério da Fazenda conseguiu aprovar uma série de ações, no Congresso, incluindo a revisão de um iníquo benefício fiscal baseado no ICMS, antes abatido pelas empresas na hora de apurar o lucro.

Para ter claro, aquele regime erodia a arrecadação de tributos federais com incidência sobre o resultado das empresas. Formadores de opinião que costumam criticar os chamados gastos tributários exibiram um silêncio ensurdecedor ao não elogiar essa ação. Curioso.

Salário mínimo não é a maravilha que Lula imagina - Roberto Macedo

O Estado de S. Paulo

Presidente ignora o efeito do salário mínimo na ampliação do mercado de trabalho informal

Escrevi este texto na última terça-feira e ainda não havia sido divulgado o pacote fiscal que o governo federal pretende anunciar. Mas já havia uma novidade, pois vieram várias notícias, inclusive num editorial deste jornal na segunda-feira passada, de que o governo desta vez pretende estabelecer alguma restrição sobre a regra de reajuste anual do salário mínimo, que é a de um aumento pela inflação passada mais a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Essa segunda parte da regra foi instituída por Lula da Silva, mas tem um custo muito alto. Nesse editorial é apontado que “cada R$ 1 a mais no salário mínimo gera um aumento de despesas de R$ 422 milhões no Orçamento”. Lembro-me de ter lido em algum lugar que essa segunda parte teria anulado boa parte da poupança obtida com a reforma previdenciária de 2019.

A necessidade de superar o capitalismo - Cláudio Carraly*

O sistema capitalista, que tem sido o motor econômico dominante por séculos, está atualmente sob intenso escrutínio devido aos seus impactos cada vez mais negativos na sociedade. Esses impactos vão desde a crescente degradação ambiental até a desestabilização do bem-estar social, portanto, é imperativo explorar a urgente necessidade de transcender o sistema capitalista em prol do avanço e prosperidade da comunidade global. Isso requer uma abordagem inclusiva, que não apenas aponte os problemas inerentes ao modo de produção capitalista, mas também destaque alternativas viáveis e soluções para uma sociedade mais justa e sustentável.

Sob qualquer perspectiva realista, a disparidade econômica e social exacerbada pelo capitalismo é considerada inaceitável, a concentração de riquezas e poder nas mãos de poucos contradiz os princípios de igualdade e dignidade para todos os indivíduos. Surge, então, a pergunta: como podemos equilibrar a busca pela eficiência econômica com a necessidade de garantir justiça social e equidade?

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

G20 traz mistura de celebração e resignação

O Globo

Ainda que declaração final tenha sido tímida, é essencial haver espaço onde líderes globais possam dialogar

Quando foi criado, em 2008, o G20 — grupo que reúne as 19 maiores economias do planeta, mais União Europeia e União Africana — se revelou um fórum crucial para debelar a crise financeira sem precedentes que abalava o mundo. Reunindo 85% do PIB global e 75% do comércio mundial, o grupo tinha legitimidade para pôr em marcha decisões que teriam custo alto demais para cada país individualmente, mas eram necessárias coletivamente. Passada a crise aguda, porém, a diversidade de regimes políticos e interesses econômicos passou a impor dificuldades crescentes às decisões de impacto do grupo. Nem na pandemia o G20 teve papel de destaque. De lá para cá, cada reunião tem produzido um misto de celebração quando se alcança algum consenso e resignação com seu caráter necessariamente limitado e insatisfatório.

Não foi diferente no encontro realizado nesta semana no Rio de Janeiro. No entender do Itamaraty, o documento final foi um sucesso. Incorporou a ideia brasileira da aliança contra a fome e a pobreza, mencionou a necessidade de reforma na governança global, defendeu a taxação sobre grandes fortunas, reconheceu a gravidade da mudança do clima e a necessidade de elevar a participação das mulheres na economia e na vida pública. Certamente a deslumbrante paisagem carioca contribuiu para impressionar os chefes de Estado e suas delegações, e a cooperação da população local com os transtornos inerentes ao encontro resultaram num evento sem sobressaltos. Mas os efeitos práticos serão pequenos.

Poesia | Evocação do Recife, de Manuel Bandeira

 

Música | Evocação Nº 2 - Coral Edgar Moraes

 

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O barulho dos ausentes - Bernardo Mello Franco

O Globo

Donald Trump e Vladimir Putin não saíram na foto diante do Pão de Açúcar nem provaram as caipirinhas oferecidas aos líderes globais no Museu de Arte Moderna. Mesmo assim, encontraram suas maneiras de tumultuar a reunião do G20 no Rio.

O presidente da Rússia cancelou a viagem por um motivo singelo: poderia ir em cana se pisasse em solo brasileiro. Putin é alvo de mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional. Para evitar uma surpresa indesejada, preferiu ficar em Moscou.

Apesar da distância de 11 mil quilômetros, o mandachuva do Kremlin se fez notar no Parque do Flamengo. Às vésperas do encontro, autorizou um bombardeio a centrais elétricas da Ucrânia. A ofensiva irritou países europeus e quase melou a declaração conjunta do G20.

Imigrantes e patriotas – Roberto DaMatta

O Globo

O estrangeiro não é apenas um intruso ilegal. Ele é um intrometido que idealiza e admira o país que o acolhe

Espanta-me o signo-lema que elegeu Donald Trump. O mote isolacionista e literalmente reacionário “Make America Great Again” (Torne a América grande novamente) — um slogan agressivo, explicitamente nacionalista e exclusivista no melhor estilo autocrático. O Maga (na sigla em inglês) de Trump é, sem sombra de dúvida, o primeiro degrau de um neofascismo cujo sintoma é a cruel deportação em massa de imigrantes “ilegais”. Como se fosse “legal” largar nosso lugar de nascimento — a terra por onde entramos como atores passageiros neste terrivelmente maravilhoso Vale de Lágrimas. Este vale que a ideologia trumpista quer transformar num inferno, pois imigrar é um movimento dramático, que suplanta escolhas turísticas.

O fantasma da guerra está no ar – Elio Gaspari

O Globo

Discursando no G20, Lula foi genérico:

— Não é preciso esperar uma nova guerra mundial ou um colapso econômico para promover as transformações de que a ordem internacional necessita.

Há duas semanas, o jornalista americano George Will foi específico em sua coluna no Washington Post:

— A Terceira Guerra Mundial já começou.

Will é um veterano conservador, independente e erudito. Ele lembra que a Segunda Guerra começou cronologicamente em setembro de 1939, com a invasão da Polônia pela Alemanha, depois de uma “cascata de crises”.

Àquela altura, o Japão já havia ocupado a Manchúria (1931). Some-se a isso que o Terceiro Reich já havia engolido a Áustria (março de 1938) e um pedaço da Tchecoslováquia (dezembro de 1938). A Itália atacou a Abissínia em 1935 e invadiu a Albânia em abril de 1939.

Custos e benefícios da reforma tributária - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Primeiro boleto da reforma tributária já vai chegar no ano que vem

Os efeitos mais visíveis da reforma tributária sobre a economia brasileira ainda vão demorar a aparecer, mas o primeiro boleto já chegou. No ano que vem, a União terá de aportar cerca de R$ 9 bilhões no Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, criado para viabilizar o fim da “guerra fiscal”. Será o primeiro pagamento para um conjunto de quatro novos fundos, numa conta que ultrapassará a marca de R$ 1 trilhão nos próximos 20 anos. É muito? Pode não ser, se forem levados em consideração os ganhos esperados na arrecadação a partir das mudanças.

Os R$ 9 bilhões deveriam estar previstos no Orçamento de 2025, que está em análise no Congresso. Mas não estão. Além disso, os projetos de lei que vão regular o funcionamento dos fundos ainda nem foram enviados ao Legislativo.

O cerco se fecha - Vera Magalhães

O Globo

Apurações sobre plano para matar autoridades se aproximam um pouco mais a cada etapa de nomes do círculo mais próximo do ex-presidente, como Braga Netto e Augusto Heleno

Se, na semana passada, o ataque de um extremista à Praça dos Três Poderes foi o ato tresloucado que explodiu as conversas para uma anistia aos golpistas do 8 de Janeiro, as revelações estarrecedoras desta terça-feira sepultam qualquer tentativa de minimizar as tentativas de supressão da democracia naquele dia e nos meses que o antecederam. Os subordinados diretos de Jair Bolsonaro urdiram o assassinato de autoridades de primeiro escalão da República para manter o ex-capitão no poder.

A gravidade do que se tem até aqui é inaudita. Mas, como as investigações insistem em demonstrar, não é possível assegurar que tenhamos chegado a todos os fatos e a todos os envolvidos na trama. Os novos depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid — personagem que permitiu que se desenrolasse o fio da meada da tentativa de melar a eleição e empastelar a democracia — e também dos cinco presos ontem mostrarão quem mais estava no plano, a mando de quem e com que grau de anuência e deliberação de Bolsonaro e de seus ministros mais próximos.

Efeitos colaterais da Operação Contragolpe - Fernando Exman

Valor Econômico

Detalhes da trama golpista emergiram quando os principais líderes do mundo ainda estavam reunidos no Rio de Janeiro para o último dia da cúpula do G20

Deflagrada nas primeiras horas dessa terça-feira (19) pela Polícia Federal, a Operação Contragolpe tem a implicação prática e imediata, que converge com os interesses do Ministério da Defesa, de dar mais um passo na direção de separar os CPFs dos militares supostamente envolvidos na trama golpista dos CNPJs das Forças Armadas. Mas ela tem efeitos colaterais que não devem ser desprezados.

Não foi algo corriqueiro. A operação revelou uma estratégia para matar em 2022 o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Quatro militares do Exército foram presos por envolvimento na trama, além de um agente da própria PF.

Criou-se um constrangimento para os militares, em meio às discussões conclusivas sobre o pacote que será adotado pelo governo para controlar as despesas públicas.

Preparação do golpe foi do envenenamento ao atentado de táxi - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Elo entre o Planalto e os acampamentos, general Mario Fernandes coloca Bolsonaro dentro do 8/1

Os autos da Operação Contragolpe, deflagrada pela Polícia Federal na terça, relatam a preparação de um golpe de Estado dentro do Palácio do Planalto em atos que vão da ousadia do envenenamento de um presidente eleito ao amadorismo de um atentado contra ministro do Supremo Tribunal Federal por um agente que se deslocava de táxi.

O eixo da operação é o general de brigada Mario Fernandes. A recuperação de seus diálogos e das planilhas do golpe que lhe foram atribuídas mostra a degradação a que chegou o Exército nos anos que precederam a chegada do ex-presidente Jair Bolsonaro ao poder. O descompromisso com a institucionalidade foi de um oficial que comandou o batalhão de Operações Especiais, um grupo de elite do Exército, destinado a missões de alto risco.

‘Quatro linhas da Constituição é o cacete’ - Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo

Militares golpistas queriam acabar com o Alto-Comando do Exército por sua oposição à ruptura

A história do golpe bolsonarista ganhou uma nova face: a das mensagens entre o general Mário Fernandes e o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, seu chefe de gabinete. Elas mostram detalhes cruciais para entender a empreitada, como a resistência do Alto-Comando do Exército.

Vieira escreveu a Fernandes, em 19 de dezembro de 2022: “Cinco (generais) não querem, três querem muito e os outros, zona de conforto. É isso. Infelizmente”. Ambos reclamavam do Alto-Comando do Exército (ACE). Queriam mudar a forma como as decisões são tomadas no colegiado, estabelecer uma chefia de Estado-Maior Conjunto, como nos EUA, e acabar com o ACE. “A lição que a gente deu para a esquerda é que o Alto-Comando tem que acabar. Se cria um general de cinco estrelas (...), mexe na promoção dos generais e só se promove, nos próximos oito anos, só um general quatro estrelas. Aí acaba essa palhaçada de unanimidade.”

Plano era matar Lula, Alckmin e Moraes – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

As evidências colhidas por STF e PF apontam que segundo documento-chave do plano, intitulado "Punhal Verde Amarelo", foi elaborado pelo general Mario Fernandes

O plano para matar o presidente Luiz Inácio lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, revelado, nesta terça-feira, pela Polícia Federal (PF), roubou a cena do último dia de reunião do G20 e tornou-se o principal assunto político de Brasília. As investigações mostram que havia, sim, um plano golpista, que seria iniciado no dia 15 de dezembro de 2022, com o sequestro e/ou assassinato de Moraes, mas foi abortado em razão de um imprevisto: a suspensão da sessão do Supremo marcada para aquele dia.

O plano para envenenar ou executor o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e assassinar o vice Geraldo Alckmin com objetivo de manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder, foi descoberto com recuperação de mensagens do celular do tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens da Presidência da República. A localização dos contatos incrimina também o ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, general de quatro estrelas, que foi escolhido como candidato a vice na chapa de Bolsonaro e era um dos chefes do grupo que pretendia impedir a posse de Lula. Uma das reuniões para traçar o plano, segundo a PF, teria sido realizada na casa do militar.

O Congresso e o golpe de Bolsonaro – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Parlamentares vão continuar cozinhando projeto de anistia de ex-presidente?

ataque terrorista da semana passada teria "enterrado" as tentativas de dar cabo do plano de anistia de Jair Bolsonaro e de quem atacou as sedes dos Poderes no 8 de Janeiro —o movimento maior mesmo é de livrar Bolsonaro, da inegibilidade e do inquérito do golpe.

Talvez não enterrasse. Sem novidades, com o passar dos meses e a depender dos acordões do Congresso, sempre se pode tentar dar um jeito. O acordão de enterro da Lava Jato levou meia dúzia de anos para dar certo, de resto com a colaboração da repulsiva República de Curitiba.

Nesta terça-feira (19), o acordão para livrar a cara de Bolsonaro e comparsas levou mais um tombo. Segundo a PF, a gangue de militares do golpe planejava assassinar a cúpula da República e organizava parte da coisa sob as barbas do general Braga Netto, braço forte de Bolsonaro.

DNA militar do golpe de Bolsonaro dificulta vida da Defesa - Igor Gielow

Folha de S. Paulo

Ação da PF ocorre em meio à pressão por cortes, que atiçam antipetistas da ativa

A operação da PF que revelou o indiscutível DNA militar da trama urdida para tentar manter Jair Bolsonaro (PL) no poder no fim de 2022, incluindo ali nada menos que execuções de autoridades, atinge a área da Defesa em um momento delicado.

O ministro José Múcio está tentando driblar a demanda da Fazenda pelo ingresso da pasta no pacote de corte de gastos, e foi pressionado pelo colega Fernando Haddad, que disse que só falta a parte dos fardados para fechar a conta.

Não que uma coisa tenha a ver com a outra, é óbvio, mas no caldo de difícil cozimento que é a relação Lula-militares, tudo se retroalimenta.

Plano do golpe vestia farda dos pés à cabeça - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Preparativos de ruptura e instalação de regime de exceção foram uma operação essencialmente militar

O planejamento de um golpe para manter Jair Bolsonaro no cargo foi uma operação essencialmente militar. Integrantes das Forças Armadas fizeram preparativos para anular as eleições, sequestrar autoridades e assassinar o futuro presidente. Armaram a instalação de um regime de exceção que seria controlado pelos generais que haviam patrocinado a ascensão do capitão em 2018.

As investigações reveladas nesta terça (19) são mais uma prova de que o envolvimento de militares na trama do golpe jamais foi um fato isolado. O plano tinha a participação de integrantes das Forças Especiais do Exército. As ideias eram discutidas com generais influentes e foram levadas para dentro do Palácio da Alvorada.

Bolsonaro acabou? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Revelações sobre trama golpista pioram situação política de ex-presidente

O tempo fechou para Jair Bolsonaro e seus acólitos. As novas revelações sobre a trama golpista mostram que o movimento avançou bem mais do que se imaginava, estava muito mais próximo do Alvorada do que se supunha e tinha características bem mais radicais também, tendo chegado a arquitetar os assassinatos de Lula, Alckmin e Moraes.

Haverá consequências em três planos, o político, o jurídico e o institucional. Na esfera política Bolsonaro já foi atingido. Não digo que está liquidado, porque em política nada é tão definitivo (vide Trump), mas acho que a partir de agora será muito difícil que ele consiga apoio para uma anistia.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Operação contra golpistas contribui para a democracia

O Globo

PF aponta vínculo entre militares de alta patente e plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes

São extremamente graves os fatos narrados pela Polícia Federal na investigação do plano de militares das Forças Especiais do Exército (apelidados “kids pretos”) para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, depois da vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro em 2022.

Foram presos pela PF quatro militares de alta patente e um policial federal. A prisão do general da reserva Mário Fernandes, secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro, leva as investigações à antessala da Presidência da República. Fernandes foi ministro interino e, diz a PF, imprimiu dentro do gabinete da Secretaria no Planalto um documento com o sugestivo nome Punhal Verde Amarelo, em que se tramava envenenar Lula e Alckmin.

Poesia | A uma mulher que passa, de Charles Baudelaire

 

Música | Paulinho da Viola - Dança da Solidão

 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lei Antiterrorismo deveria incluir motivação política

O Globo

Omissão, resultado de pressão de movimentos sociais, torna legislação mais branda com a barbárie

Investigações sobre o atentado na Praça dos Três Poderes na semana passada mostram que o autor premeditou meticulosamente suas ações. Saiu de Rio do Sul (SC), alugou uma quitinete onde foram encontrados explosivos, instalou um trailer perto das sedes dos Poderes, comprou fogos de artifício, anunciou nas redes sociais seu intuito e se explodiu na frente do prédio do Supremo Tribunal Federal. Em suas redes, foram encontradas críticas ao Supremo, aos presidentes da República, da Câmara e do Senado. Foi um ato com todas as características de terrorismo. Mas não para a legislação brasileira.

O diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirma que não há respaldo jurídico para enquadrar o caso como ato terrorista. Isso porque a Lei Antiterrorismo não prevê motivação política ou ideológica. Aprovada pouco antes da Olimpíada do Rio em 2016, ela define terrorismo como prática que visa a atingir um grupo em razão do preconceito de raça, etnia, cor, religião ou xenofobia. “Não se aplica a conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe, ou de categoria profissional, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais”, diz o texto.

O mundo multipolar das potências médias - Dani Rodrik*

Valor Econômico

Cenário mais provável é um mundo em que as potências médias exerçam uma força compensatória considerável, impedindo assim que EUA e China imponham seus interesses aos outros

A ascensão da China desafiou a hegemonia incontestável dos Estados Unidos sobre a economia mundial - status do qual os EUA desfrutam desde o colapso da União Soviética. Enquanto algumas elites americanas de segurança nacional buscam manter a primazia dos EUA, outras parecem resignadas a um mundo cada vez mais bipolar. Um resultado mais provável, no entanto, é um mundo multipolar em que as potências médias exerçam uma força compensatória considerável, impedindo assim que EUA e China imponham seus interesses aos outros.

As potências médias incluem a Índia, a Indonésia, o Brasil, a África do Sul, a Turquia e a Nigéria - todas grandes economias com presença significativa na economia global ou em suas regiões. Elas estão longe de ser ricas - na verdade, representam uma parcela significativa das pessoas mais pobres do mundo -, mas também têm classes médias grandes e voltadas para o consumo e capacidades tecnológicas consideráveis. O PIB combinado (em termos ajustados pelo poder de compra) dos seis países mencionados acima já supera o dos EUA e a projeção é de que cresça 50% até 2029.

‘O mundo está pior’? - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Mesmo envolvendo o combate à fome, tema impossível de divergir, cenário internacional é desafiador

O presidente Lula, presidindo a cúpula do G20 num maravilhoso dia de sol no Rio de Janeiro e com a presença dos principais líderes mundiais, inaugura uma nova aliança global de combate à fome. Uma notícia assim, 20 anos atrás, seria a consagração máxima de um líder que ruma para a apoteose.

Neste fim de 2024, no entanto, o sentimento é outro. Apesar do dia de sol, o clima é sombrio. Foi o próprio Lula que, com muito realismo, reconheceu em seu discurso de abertura: "Estive na primeira reunião de líderes do G20, convocada em Washington no contexto da crise financeira de 2008. Dezesseis anos depois, constato com tristeza que o mundo está pior."

E por que piorou? Em primeiro lugar, porque está mais dividido. Isso faz com que seja difícil chegar a consensos sobre qualquer tema. Como falar algo relevante sobre guerras num grupo que reúne RússiaChinaEUA Europa? Melhor manter apenas um genérico apelo pela paz. Lula tem o mérito de abraçar um dos poucos temas dos quais (ainda) é impossível divergir: o combate à fome.

Salvando o mundo num feriadão - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Com sensação temporária de segurança no feriadão, cúpula internacional discute taxação dos super-ricos

O esquema em vigor no G20, com policiais estaduais e federais e tropas das Forças Armadas, foi usado pela primeira vez na Eco-92. Na época pareceu uma panaceia. Com blindados, metralhadoras e lança-morteiros apontados para a Rocinha, o carioca jamais havia desfrutado de maior sensação de segurança –expressão que virou lugar-comum na imprensa e na boca de políticos.

Depois se verificou que os registros de violência caíram na zona sul e permaneceram altos no resto da cidade. No fundo era só uma sensação regional e com prazo de validade, a qual se repete agora. Se bobear, nem isso: dois carros a serviço da Presidência foram roubados, um na quinta (14), outro no sábado (16). Foi mais ou menos assim na Rio+20, em 2012; na Jornada Mundial da Juventude, em 2013; na Copa do Mundo, em 2014; nas Olimpíadas, em 2016.

Ditos e feitos de Janja - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Atitudes de quem não tem cargo público podem, por vínculos familiares, atrapalhar ações de um governo

Rosângela Lula da Silva, a Janja, soltou um f**k you para Elon Musk, criando uma dor de cabeça para o Itamaraty. O próprio Lula, que tenta driblar vários touros ao mesmo tempo nas negociações para a declaração final do G20, teve de vir a público para pedir que ninguém xingue ninguém.

Estou terminando de ler "O Mundo", de Simon Sebag Montefiori, livro ao qual ainda dedicarei uma coluna. O autor mostra com muitos exemplos que um ponto fraco dos regimes hereditários é a variação geracional. O filho de um grande monarca pode ser e frequentemente é um completo imbecil (casamentos consanguíneos ampliam essa possibilidade).Mesmo quando o contraste não é tão gritante, um bom governante pode ter como herdeiro um sujeito sem gosto ou aptidão para o poder. Sistemas políticos em que o líder é escolhido por um seletorado estão menos sujeitos aos caprichos da loteria cósmica. E quanto mais amplos o seletorado e o rol dos candidatos, menores as chances de interesses individuais, familiares ou setoriais darem as cartas.

Descontração tem limite – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Janja ainda encarna o papel de militante que não condiz com sua atual posição

A informalidade em figuras públicas pode ser um ativo, fator de identificação popular, se bem aplicada. Ou pode deslizar para o terreno da inconveniência quando seus autores não observam os limites da compostura adequada ao lugar que ocupam.

Tem sido o caso de repetidos excessos da mulher do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) em situações oficiais. Rosângela da Silva demonstra não ter desencarnado do papel de militante de esquerda do qual precisaria se desvincular antes de criar um problema mais sério para o governo e ao país.

Pragmatismo tomou posse antes de Trump - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Lula e Milei produzem frieza para as redes sociais e acordos para os interesses nacionais

Ao subir a rampa do Museu de Arte Moderna no Rio para ser recebido pelo anfitrião, o presidente argentino protagonizou a troca de cumprimentos mais fria da abertura do G20. Nos 20 segundos em que durou a cena, coube apenas um aperto de mão e uma foto sem sorrisos dos quatro, Javier Milei e a irmã, Karina, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama, Janja da Silva. Contrastou com os demais chefes de Estado. Joe Biden posou de mãos dadas com Lula e Emmanuel Macron deu até uma corridinha na rampa para abraçar o presidente brasileiro. Foi uma frieza moldada para as redes. Milei não apenas assinou tudo o que o Brasil queria como ainda fechou um acordo que Lula não conseguiu arrancar de Alberto Fernandez.

Ufa! A diplomacia venceu – Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

G-20 e Aliança Global contra a Fome e a Pobreza são ‘gol de placa’ do Brasil

Depois de escorregões na política externa e apesar do voluntarismo juvenil da primeira-dama Janja, a cúpula do G-20, que reúne as maiores economias do mundo, e a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que nasce com adesão de 82 países, estão sendo um grande momento e uma vitória do Brasil, portanto, do governo e de Lula.

“A Aliança Global e a própria Cúpula são um gol de placa do Brasil”, comemorou o embaixador aposentado Rubens Barbosa, que nunca foi identificado com o PT e o lulismo, mas, sim, como um diplomata profissional e pragmático, que foi embaixador em Washington no governo FHC. O mérito do gol é do Itamaraty, mas é preciso reconhecer o empenho e a habilidade política do presidente.

O pacote quase-lá - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Falta pouco. Mais um detalhezinho. Mais um mais um detalhezinho. E então será. “Brevemente”, comunica Fernando Haddad, teremos o pacote de corte de gastos estruturais do governo Lula. Uma resposta ao aumento estrutural de gastos que o governo Lula acelerou. Estamos quase lá.

Evoluiu-se. Faltavam “dois detalhes” em 6 de novembro, “coisas realmente muito singelas para decidir” – projetava Haddad. Tinham se encerrado as conversas com os ministros, aquelas das quais saíam disparando, e havia “consenso em torno de um princípio”.

Minha primeira anotação sobre o plano para essa nova rodada de contenção de despesas é de 15 de outubro. Viria depois do segundo turno das eleições municipais. Seria um “pacote relevante”. Simone Tebet definira até a faixa dentro da qual transitaria o corte, entre R$ 30 bilhões e R$ 50 bilhões – em 2025.

Estava em curso uma blitz de propaganda para acalmar os fazedores de preços. Anunciava-se o anúncio – com o que se esperava segurar o dólar. Negativo.

No dia 17 de outubro, anotei a curiosidade de Lula ser simpático, assim se plantava, a um conjunto de medidas que – estava dito – desconhecia. Não poderia conhecer o que (ainda) inexistia.