quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Míriam Leitão - Duas realidades da economia

O Globo

As previsões pessimistas criadas por conta de um cenário com nuvens fiscais podem esconder os bons resultados que o país teve neste ano

O Brasil foi o país que teve o maior aumento da previsão de crescimento do FMI. Num grupo de 17 países, apenas cinco tiveram revisão positiva da projeção, mas o número do Brasil subiu mais: 0,9 ponto percentual, passando de 2,1% para 3%. Ontem, o Fundo alertou para o aumento do endividamento e dos riscos fiscais. O Brasil vive entre essas duas realidades. Sim, o país está encerrando o segundo ano de crescimento em torno de 3%, quando as projeções iniciais eram bem menores, surpreendendo positivamente. E, sim, existem problemas fiscais rondando, ainda que sejam um despropósito as análises feitas por alguns economistas que dizem haver risco de a atual gestão fiscal repetir o que houve no período Guido Mantega.

Há uma série de boas notícias na economia e esta semana saiu mais uma: um crescimento forte da arrecadação em setembro. Comparado ao mesmo mês do ano passado o aumento real foi de 11,61%, o acumulado em nove meses aponta uma alta de 9,68% e os dois são recordes. A lista das boas notícias na economia é longa. O desemprego caiu, a renda subiu, a inflação está dentro do espaço de flutuação da meta, ainda que esteja se distanciando dos 3%. A Moody’s, como se sabe, elevou a nota do Brasil.

Ainda assim, os juros futuros sobem para níveis muito altos, o dólar está acima do que deveria estar e a previsão de inflação do Boletim Focus bateu no teto da meta. Hoje, o IPCA-15 vai confirmar essa proximidade com o teto. Não é desprovida de sentido a preocupação fiscal em um país que tem tanta despesa obrigatória, tanta dificuldade para flexibilizar qualquer gasto e muita pressão expansionista. A diferença é como reage a equipe econômica. A do ministro Fernando Haddad e ministra Simone Tebet tem enfrentado pressões, virado jogos perdidos, formulado reformas e propostas de corte de gastos. Nada a ver com truques e pedaladas fiscais que ocorreram, por exemplo, no governo Bolsonaro, com coisas como a PEC dos Precatórios.

O economista José Roberto Mendonça de Barros publicou no domingo um artigo no jornal “Estado de S.Paulo” dizendo que “o pessimismo anda excessivo”. Depois de citar a projeção de uma Selic de 13,5% e a NTN longa a 6,5% de juro real, escreveu: “ao contrário do que esses números sugerem nossa economia não está à beira do colapso”. Falei ontem com ele e José Roberto citou algumas boas notícias.

— Os climatologistas que ouvimos são unânimes em admitir que a chuva está atrasada, mas quando chegar não vai parar. Não que vá chover demais, mas não vai ter veranico. Se for assim, o plantio será bom e a safra será realmente boa. Com a alta de juros, a economia vai crescer menos no ano que vem, mas o balanço das famílias melhorou e isso se vê na venda de imóveis. A faixa 3 do Minha Casa, Minha Vida, de imóveis de R$ 200 mil a R$ 350 mil, que exige uma poupança prévia e tem menos subsídio, está vendendo bem. Há investimentos parrudos nos segmentos ligados aos recursos naturais, celulose, alguns minerais, e também em descarbonização. Não é pequeno o que tem por aí.

O mesmo FMI, no relatório divulgado ontem, o Monitor Fiscal, não trouxe um cenário animador. O Fundo achava que o déficit zero que o governo promete para este ano só aconteceria em 2026 e agora passou para 2027. Projetou que a dívida pública chegará a 97,6%, em 2029. A maneira como o Fundo faz a conta da dívida é diferente da metodologia seguida pelo Brasil. Eles contam como dívida os papéis do Tesouro que estão em carteira do Banco Central. Na verdade, esses papéis não são dívida. Foram emitidos para serem usados para o manejo da política monetária. Nossa forma de fazer a conta é mais lógica, mas de qualquer maneira o país está passando de 80% de dívida bruta. O governo, qualquer governo, prefere apresentar a conta da dívida líquida, que desconta o que o país tem em reserva cambial.

Seja qual for o número ou o método, a dívida ainda não está estável. Isso é que preocupa. E o custo dessa dívida crescerá um pouco mais no dia 6 de novembro, quando a Selic será elevada. A maioria do mercado aposta em 0,5 ponto percentual de aumento.

O excesso de pessimismo fortalece os cenários em que alguns começaram a prever, e agora quase todos estão apostando, de alta mais forte dos juros. Mas olhando os dados com objetividade, o fato é que existem nuvens fiscais sobre o país, mas a economia vive um bom momento.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente! Há 2 anos os colunistas mercadófilos reverberam e repetem o que seus amigos do mercado financeiro dizem nos seus ouvidos e nas suas redes sociais sobre a política econômica de Lula. Blá-blá-blá... A inflação vai voltar... Blá-blá-blá... Tem que manter os juros altos... Blá-blá-blá... Agora tem que elevar os juros (os que já são os mais altos do mundo! - mas isto não é dito por eles!!)... Blá-blá-blá... Não pode criticar o bolsonarista presidente do Banco Central... E o governo federal tem obtido os bons resultados descritos aqui pela colunista e ignorados pelo mercado financeiro e pelos papagaios deste que assinam colunas na grande mídia !

ADEMAR AMANCIO disse...

Ainda bem!