segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É desejável trazer o Pan de 2031 para o Brasil

O Globo

Independentemente da sede — Rio/Niterói ou São Paulo —, país teria a ganhar com competição esportiva

Depois de sediar por duas vezes os Jogos Pan-Americanos — em São Paulo, em 1963, e no Rio, em 2007—, o Brasil tem todas as condições de repetir o feito em 2031. Experiência não falta para organizar grandes eventos esportivos, depois de duas Copas do Mundo, em 1950 e 2014, e uma Olimpíada, em 2016 no Rio. O país conta com estádios, pistas de atletismo, ginásios e outros equipamentos à altura das múltiplas competições que caracterizam esses jogos.

O Rio deseja voltar a recepcionar os atletas das Américas quase duas décadas depois, agora associado a Niterói. A iniciativa ajudaria a firmar a cidade como referência para grandes eventos esportivos, que costumam atrair turistas do exterior e do próprio país. A prefeitura de São Paulo informou por nota que apresentou ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) sua carta de intenções na Olimpíada de Paris.

As candidaturas de Rio/Niterói e São Paulo precisam acelerar a preparação das propostas para que sejam entregues até 31 de janeiro. Caberá ao COB escolher quem representará o país na disputa pelo Pan de 2031. É necessário apresentar um dossiê até 30 de abril com o detalhamento de onde ocorrerão as competições e o projeto de uma vila olímpica capaz de receber 6,5 mil visitantes, entre atletas, técnicos e árbitros. A proposta vencedora será decidida em assembleia marcada para 6 e 7 de agosto em Assunção, no Paraguai. Se Rio/Niterói ou São Paulo conseguirem sediar o Pan, o Brasil receberá os Jogos pela terceira vez, equiparando-se a México (Cidade do México duas vezes e Guadalajara) e Canadá (Winnipeg duas vezes e Toronto).

Memórias da carne – Fernando Gabeira

O Globo

É necessário compreender com clareza o que é interesse comercial na Europa e o que é preocupação genuína com o meio ambiente

Sou vegetariano, mas não resisto às tentações da carne quando se trata de debate político. Ainda como deputado, enfrentei um deles. Foi quando o Canadá, falsamente, insinuou que havia a doença da vaca louca no gado brasileiro. Criamos uma comissão e fizemos bastante barulho para demonstrar que era injusto.

Não sou favorável à criação de gado que consome a floresta. Os grandes consumidores internacionais também não são. É o caso do McDonald’s, preocupado com seus jovens clientes. Apesar de minhas posições, eu achava que era importante cerrar fileira com os deputados ruralistas. Era um tempo em que, apesar da divergência, havia diálogo. O interesse nacional estava em jogo.

Lembro que, depois de resolver o problema da falsa denúncia, ainda discutimos um pouco a rastreabilidade do gado. Minha posição era que a condição deveria ser preenchida. Alguns ruralistas resistiam por causa dos custos. De que adianta fazer economia, se há o risco de perder o mercado internacional?

A falta que faz a direita clássica – Miguel de Almeida

O Globo

Não foram políticos que concordavam com os assassinatos praticados nos porões militares

Difícil não culpar Lula e sua retórica (e prática) pela calamidade Bolsonaro. Em 2002, ele derrotou José Serra, candidato de centro-esquerda que terminou no córner à direita. Já no cargo, cunhou o acusação da “herança maldita” dos governos do PSDB/PFL, naquele seu redundante trololó deficiente em pronomes. Como suas ideias não correspondem aos fatos, ao fazer uma administração centrista e populista (até Muhammad Yunus lamentou a fórmula petista do Bolsa Família), apareceu com a clivagem do “nós e eles”.

Deixa eu contar: no “eles”, não estava incluída a direita, mas apenas seu despeito e ciúme da figura pública do ex-presidente FH. E da administração que exterminara a inflação — isso, sim, um programa econômico inclusivo — e, pelas mãos de Ruth Cardoso e Vilmar Faria, desenhara diversos e consequentes programas sociais. A ex-primeira-dama nunca precisou ressignificar sua posição. Sempre teve história independente do marido.

Não sei se Lula , ou a própria Janja, conhecem a figura de Carl Schmitt. O jurista alemão, um dos principais teóricos do nazismo, ajudou na construção da clivagem do “nós e eles”, do “amigo e inimigo”. Suas ideias deram subsídios ao regime hitlerista na perseguição e morte dos judeus ainda antes do início da Segunda Guerra Mundial. Schmitt formulou a substituição do adversário pelo inimigo na luta política. Ao mudar o ângulo, deu justificativa teórica à intolerância e aos assassinatos, como ainda à disseminação do ódio sempre repisado nos discursos para as massas sedentas de emoção (sangue?). A filósofa Susan Neiman defende que o modismo das guerras culturais se escora nos conceitos nazistas de Carl Schmitt. Assim, a conversa fiada do identitarismo (Hitler gostava do viés de raça!) não seria de esquerda.

Haddad desafinou e se mostrou frágil - Bruno Carazza

Valor Econômico

Ministro da Fazenda, até quando acertou, pareceu fraco e derrotado no anúncio do pacote

Maldito o dia em que Fernando Haddad aceitou a sugestão de Natuza Nery e dedilhou ao violão diversos acordes de Blackbird, dos Beatles, numa entrevista dada no seu gabinete, na Esplanada dos Ministérios.

A culpa, obviamente, não foi da jornalista, que fez o convite para mostrar um lado mais humano do ministro da Fazenda, posição ocupada por personagens geralmente retratados de forma sisuda.

Haddad tampouco deve ter medido as consequências do seu gesto. Afinal, trata-se de um político, a quem, além da vaidade que emana do exercício do poder, interessa mostrar-se popular e, coerente com seu perfil, cool.

Mas a atitude não condizia com a responsabilidade que repousa sobre seus ombros. A performance aconteceu passados apenas seis meses do início do governo - prazo curto para apresentar-se relaxado ou, pior ainda, para cantar (no caso, tocar) vitória sobre os enormes desafios econômicos confiados à sua gestão.

País poderia ter agido antes contra extremismo, diz Limongi - César Felício

Valor Econômico

Para cientista político, reação às ameaças de ruptura feitas pelo ex-presidente demorou

As instituições demoraram a reagir às ameaças de ruptura que ameaçam a democracia, avalia o cientista político Fernando Limongi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), que lançou neste mês o livro “Democracia Negada: Política Partidária do Brasil na Nova República”, em coautoria com Leonardo Weller. Para Limongi, o ex-presidente Jair Bolsonaro, indiciado pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado em inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), poderia ter tido sua carreira eleitoral interrompida ainda nos anos 90.

“Bolsonaro desde que começou sua carreira política deu inúmeras oportunidades de se agir contra ele. Começou a sua carreira pensando em terrorismo, planejando explodir uma adutora. Passaram o pano para ele entre os militares. Depois ele entrou no Congresso para representar a linha dura, defendeu a tortura, o fuzilamento de presidente, tudo documentado”, disse Limongi ao Valor, fazendo alusão a alguns momentos do início da trajetória do ex-presidente.

Reforma da renda ruma para hibernação após reação de líderes - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Pacote do ajuste fiscal pareceu menos indigesto depois do almoço da Febraban na sexta-feira (29), em São Paulo

O pacote do ajuste fiscal pareceu menos indigesto depois do almoço da Febraban na sexta-feira (29), em São Paulo. Nas falas e conversas dos três ministros (Fernando Haddad, Simone Tebet e Esther Dweck), e do diretor do Banco Central Gabriel Galípolo com banqueiros e executivos do mercado financeiro presentes, o clima parecia mais desanuviado. O dólar, que abriu em R$ 6,10 e recuou para R$ 6, parecia confirmar a descompressão.

E não foi apenas pelo chá de capim santo servido durante o almoço. Pela manhã, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, falaram com Haddad. O que deveria ser dito? “O mesmo que foi dito para o presidente ontem, ora.” Na tarde de quinta, tanto Lira quanto Pacheco estiveram no Palácio do Planalto e disseram a Lula que o ajuste fiscal teria mais chances no Congresso do que a reforma da renda.

BC espera o mercado digerir o pacote fiscal - Alex Ribeiro

Valor Econômico

A banqueiros Galípolo transpareceu esperanças de que essas primeiras reações do mercado a pacote de ajuste fiscal não sejam definitivas

O mercado financeiro reprecificou o cenário para os juros depois do pacote fiscal. Chegaram a 70% as chances de uma alta de juros de 0,75 ponto percentual na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central da semana que vem. A probabilidade de uma nova intensificação no ritmo de aperto em janeiro, para um ponto percentual, já é de 30%. A curva de juros embute uma taxa Selic ao fim do ciclo de aperto monetário superior a 14% ao ano, nos maiores níveis das últimas duas décadas.

O que o BC deverá fazer diante dessa reação do mercado? O futuro presidente da instituição, Gabriel Galípolo, disse na semana passada que não briga com o mercado. Mas transpareceu, num almoço com banqueiros organizado na sexta pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), esperanças de que essas primeiras reações do mercado não sejam definitivas. “Esse processo está sendo digerido”, afirmou Galípolo.

A força da democracia americana - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Se tentar minar a democracia, Trump enfrentará maiores obstáculos do que outros caudilhos

Para cientistas políticos, a volta de Donald Trump é um experimento fascinante: o republicano, que se assemelha a caudilhos como Viktor Orbán, na Hungria, ou Recep Erdogan, na Turquia, vai seguir o exemplo dos dois (e de vários outros pelo mundo) e enfraquecer os freios e contrapesos, fundamentos da democracia americana? E, se tentar, conseguirá?

Há poucas dúvidas sobre as convicções não muito republicanas de Trump, confirmadas em livros e artigos publicados por numerosos ex-integrantes de seu primeiro governo, a maioria dos quais se recusou a apoiá-lo na campanha de 2024.

Bolsonaro traído - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Gabinete de crise teria dificuldade de construir sua legitimidade sem o então presidente

Enquanto Jair Bolsonaro lança apelos públicos por anistia, a defesa do ex-presidente dedica-se a construir uma nova versão dos fatos envolvendo uma suposta tentativa de golpe de Estado. O advogado Paulo Cunha Bueno disse que uma junta militar a ser criada no dia 16 de dezembro em 2022, conforme plano encontrado pela PF nos arquivos do general Mário Fernandes, é que seria a beneficiada de um golpe, não Bolsonaro. Os integrantes desse grupo assumiriam o governo no lugar dele, segundo Bueno.

A versão de que os militares tramaram uma ruptura institucional pelas costas de Bolsonaro e que pretendiam traí-lo em seguida não é crível por três motivos. Primeiro, porque não é isso que está escrito na planilha do general Fernandes. O documento detalha a estrutura e as funções de um gabinete de crise (a tal “junta militar”) a ser instalado no dia seguinte ao golpe.

O fiasco do golpe - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

A ocupação da Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro não pode ser vista seriamente como uma tentativa de golpe

A tentativa de golpe de Estado, liderada por um grupo de bolsonaristas, fiéis ao ex-presidente da República, com envolvimento de militares, alguns deles generais, redundou em um exuberante fiasco. Parece coisa de aloprados ideologizados, cujo amadorismo contrasta com a formação de alguns deles nos “kids pretos”: as Forças Especiais. Em todo caso, parte da cobertura jornalística e midiática tem dado destaque ao Exército enquanto instituição, visando a atingir a sua própria imagem. Ora, tal tentativa é divorciada ideologicamente da realidade. Se a tentativa de golpe não prosperou, é porque a maioria absoluta do Alto Comando, conforme relatório da Polícia Federal, impediu que esse empreendimento tivesse êxito. Logo, se golpe não houve, isso se deve aos militares. Manchete que poderia ter sido escrita: Alto Comando do Exército impede o golpe!

Democracia esfarrapada - Roberto Livianu

O Estado de S. Paulo

Cenário de terra arrasada nos permite compreender a ascensão vertiginosa do golpismo dos últimos anos

A construção do Estado moderno, com a inerente separação dos Três Poderes, foi uma forma de evolução do contrato social, tendo o bem-estar da sociedade como foco das atenções, depois de séculos de absolutismo dos reis.

A tomada da prisão da Bastilha, em 1789, pelos franceses é símbolo dessa transição e foi um dos momentos mais sublimes e inspiradores da história da civilização. Significou a subida de degraus na escada evolutiva da luta contra o arbítrio. Representou divisor de águas singular para o humanismo, para a ruptura daquele injusto e despótico esquema de poder até então prevalente.

Entretanto, passados mais de dois séculos da Independência e quase 150 anos da República no Brasil, o compadrio político, o patrimonialismo, a corrupção, a lenta e difícil assimilação e sedimentação dos valores republicanos e democráticos nos têm condenado a viver em estado de alerta permanente, em que milhões sobrevivem marginalizados (40% nem sequer têm acesso a saneamento básico), diante da estratosférica desigualdade social.

Autocratização ou democratização - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Nas últimas três décadas, as autocracias transformaram-se em regimes democráticos melhores do que os que as precederam

Ao longo dos oito anos em que venho atuando como colunista aqui na Folha critiquei análises sobre crises e ameaças à democracia bem como índices de qualidade da democracia produzidos pelo VDEM e Freedom House. É reconfortante saber que estas instituições reconheceram as insuficiências apontadas por muitos analistas. A ideia de uma "recessão democrática" no mundo foi em parte produto da ascensão de Trump em 2016. Sua reeleição, em 2024, tem efeito similar, magnificando simbolicamente a narrativa de uma crise global da democracia. Já houve vieses no sentido contrário: quando a Argentina saía do regime militar e Menem, que havia sido encarcerado pelo regime, assumiu o poder, não se detectou nenhum retrocesso nos índices em seu mandato; Menem, no entanto, aumentou o número de juízes da Suprema Corte de 5 para 9, garantindo de imediato maioria na casa. Conscientes ou não, os analistas "torciam" para que a transição desse certo.

Celeste dos cravos – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Uma mulher ofereceu um cravo a um soldado; era a Revolução dos Cravos, que libertou Portugal

Foi no dia 25 de abril de 1974, em Lisboa, e eu estava lá. Em meio da manhã, todo mundo na rua já sabia que o golpe militar desfechado naquela madrugada viera derrubar a ditadura de 48 anos em Portugal. Lá por meio-dia, na praça do Marquês de Pombal, alguém me espetou um cravo vermelho na lapela do casaco. Em minutos, jovens, velhos, muita gente ao meu redor, tinha um cravo como aquele na mão, na boca, atrás da orelha. Ao fim do dia, já se a chamava de a Revolução dos Cravos. E, assim como eu, ninguém se perguntou de onde eles vinham ou como aquilo começara.

Nunca fomos leitores = Jaime Pinsky*

Correio Braziliense

Que tal nossas autoridades da área de educação criarem projetos corajosos, ousados, como os de países que, em diferentes fases da história e em diferentes lugares do planeta, praticando diferentes regimes políticos, fizeram grandes revoluções educacionais e mudaram radicalmente para melhor?

Toda vez que comento notícias, lamentando o decréscimo do hábito de leitura no Brasil, tenho a sensação de estar perdendo tempo e enganando meu interlocutor. É elementar: só podemos perder um hábito que temos, não um que nunca tivemos. Quem nunca fumou não tem como parar de fumar. Quem nunca leu não pode deixar de ser leitor. E, com as devidas desculpas aos que afirmavam o contrário, no Brasil o hábito de leitura, como se diz, "não pegou". Nunca. 

Com exceção de meia dúzia de leitores teimosos, entre os quais se inclui o punhado de amigos que me leem, no Brasil não se lê. Estou falando, evidentemente, de ler como hábito, como vício, como dependência, estou falando de ler livros inteiros e entender o que se lê, de absorver, assimilar o escrito, como falava Antonio Cândido, e só, então, questionar o escrito, não passar os olhos e redigir um comentário idiota, demonstrando despreparo e ignorância. Falo de ler sendo letrado, não apenas alfabetizado. Desse tipo de leitores, temos poucos. Apesar dos esforços de meia dúzia de valentes batalhadores pela democratização do saber. O fato é que não somos um país de letrados. E, como sempre, a história ajuda a explicar por quê.

Adolescentes australianos banidos das redes - Marcus Cremonese

Sexta-feira passada, 29 de novembro, na sua última reunião de 2024, o parlamento australiano aprovou uma lei banindo no país o uso de redes sociais por crianças e adolescentes menores de 16 anos.

O fato foi abordado pela imprensa de praticamente todo o mundo como uma grande novidade (a world-first). A reação das bigtechs foi imediata e não causou surpresa. A Meta, dona do Facebook e Instagram, disse que "a lei foi votada às pressas e é difícil de ser aplicada". O Snapchat adevertiu que a aplicação dessa lei pode ter "consequências inesperadas". A mais feroz oposição veio do X, em postagem de Elon Musk. Ele a define como "um caminho pela porta dos fundos para controlar o acesso à internet por todos os australianos."

Esta lei, no entanto, não foi criada de uma hora para outra. Nem foi um impulso imediato em resposta a casos recentes de danos físicos e mentais sofridos por adolescentes por estarem expostos ao conteúdo de certas plataformas. Meses antes, sintomas já eram bem visíveis de que isso iria ocorrer.

Poesia | Receita de Ano Novo, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Dia Nacional do Samba: Jair Rodrigues & Alcione - Não deixe o samba morrer

domingo, 1 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É imoral e custoso restaurar quinquênio pago aos juízes

O Globo

Depois de fracasso de PEC, tribunais tentam ressuscitar os aumentos automáticos por via administrativa

No momento em que o país precisa conter os gastos públicos para equilibrar suas finanças, ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) ressuscitaram, a pedido da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), o pagamento de reajustes automáticos de 5% aos magistrados a cada cinco anos, conhecido como quinquênio. Extinta em 2006, essa benesse não obedece a nenhum parâmetro de mérito e deixa de considerar a situação fiscal crítica do país. O salário dos magistrados — uma das categorias mais privilegiadas do funcionalismo público — sobe por inércia com o passar do tempo, mesmo que a Justiça seja conhecida por lentidão e burocracia.

A decisão deixa dúvida se será obedecido o teto salarial do setor público, estabelecido pela Constituição em R$ 44.088,52, remuneração de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A bolada que juízes receberão com os atrasados e o próprio quinquênio, oficialmente chamado de Adicional por Tempo de Serviço (ATS), é considerada “indenizatória” e não se submete ao limite constitucional. Por enquanto, apenas o TST determinou o pagamento dos atrasados. É difícil, porém, que o STJ resista a pressões e não siga a Justiça do Trabalho. E é evidente que o sucesso incentivará juízes e desembargadores dos demais tribunais a tentar obter o mesmo privilégio.

Falta de convicção - Merval Pereira

O Globo

Um governo que anuncia aumento de gastos junto com medidas que supostamente cortarão esses gastos para equilibrar as finanças não sabe o que faz

Nossa situação política é tão incerta que qualquer especulação ganha ares de verdade. Achar que a aparição do ministro da Fazenda Fernando Haddad em cadeia nacional, para anunciar corte de gastos, seria uma maneira de o governo lançá-lo como possível candidato em 2026 à presidência da República caso Lula não concorra, demonstra que a parte forte do pacote de corte de gastos foi mesmo o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, por paradoxal que seja.

Foi justamente por isso que o dólar bateu os R$ 6,00, mexendo com os nervos do mercado financeiro. Um governo que anuncia aumento de gastos junto com medidas que supostamente cortarão esses gastos para equilibrar as finanças não sabe o que faz. Além de reafirmar a tendência para um populismo que é a marca registrada do PT. Fernando Haddad não é um populista, e tentou evitar essa confusão de objetivos, mas foi vencido pelo presidente Lula e a ala mais populista do PT, temerosos de que o corte de gastos se transformasse em arma contra o governo. A falta de convicção foi sentida pelo mercado.

Os desafios de cada lado - Míriam Leitão

O Globo

A dificuldade do governo é vencer dúvidas sobre as contas públicas, a direita tem que explicar ataque à democracia

No país das muitas urgências, ocorreram na mesma semana a divulgação de um relatório de 880 páginas sobre a tentativa de golpe de Estado liderada pelo ex-presidente da República e o anúncio de medidas de corte de gastos. Formulado para aumentar a solidez das metas fiscais, o pacote detonou uma crise de pessimismo no mercado financeiro. Não está fácil para ninguém. O governo tem que restabelecer a confiança no comando da economia. Mas quem está de fato encurralado é Jair Bolsonaro e seus muitos cúmplices.

Na economia, o conjunto das medidas foi proposto para mostrar compromisso com o controle das contas públicas, foi visto pelo avesso. O câmbio disparou e visitou o nível de R$ 6 por dólar. As projeções dos economistas pioraram muito. Há bancos estimando juros a 15% e alta de até um ponto percentual na próxima reunião do Copom. Os dados e as falas do mercado financeiro descrevem um país na véspera de uma crise de insolvência. Está assim? Não.

Os golpes de 2022 e de 2023 - Elio Gaspari

O Globo

As mil páginas dos dois relatórios da Polícia Federal provaram à exaustão que Jair Bolsonaro e um punhado de oficiais palacianos armaram um golpe de Estado em 2022 para cancelar o resultado da eleição vencida por Lula.

Caberá à Justiça estabelecer as responsabilidades pela trama de dezembro de 2022 e dos possíveis atentados contra Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.

Outra questão será estabelecer a responsabilidade desses golpistas no 8 de Janeiro de 2023.

Os relatórios da Polícia Federal não cuidam dos acontecimentos desse dia. Mostram apenas como a turma do golpe tentou jogar o 8 de Janeiro no colo de Lula e do então ministro da Justiça, Flávio Dino. É pouco.

Àquela altura, Lula já estava no governo. Todas as armações de 2022 ficaram no condicional. Bolsonaro não instaurou o estado de defesa, a campana de Alexandre de Moraes foi abortada e os kids pretos ficaram no quartel.

Os generais e o Estado de Direito - Arthur Trindade*

O Globo

Não precisamos de militares legalistas. Precisamos de militares submetidos à força da lei, ao poder da toga

Há uma enorme diferença entre Estado de Direito (Rule of Law) e legalismo (rule by law). O Estado de Direito implica a ideia de que todos são iguais perante a lei e de que o poder público será limitado por ela. É o governo da lei, sendo a Constituição a lei fundamental. O legalismo refere-se à ideia de que os governos agem por meio de leis, decretos e portarias. O Estado de Direito diz respeito ao conteúdo das normas, e o legalismo está relacionado a sua forma.

Nem sempre as leis propostas pelos governantes estão de acordo com o Estado de Direito e a Constituição. Cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) avaliar os casos de conflito entre as leis propostas e a Carta.

Esses dois conceitos nos ajudam a entender a postura de alguns militares envolvidos na tentativa de golpe de Estado. A revelação das conversas dos conspiradores mostra que os generais Mário Fernandes, Estevam Theophilo e Freire Gomes tinham visões distintas sobre o tema.

Bernardo Mello Franco – O sonho de Erundina

O Globo

Aos 90 anos, deputada diz que Congresso nunca foi tão ruim e que esquerda precisa recuperar utopias: ‘A esperança é revolucionária

Aos 8 anos de idade, Luiza Erundina foi acomodada no lombo de um jegue para fugir da seca em Uiraúna, no interior da Paraíba. A menina teve vontade de chorar, mas segurou as lágrimas para não agravar o sofrimento dos pais. “Minha família era pobre e numerosa. Quando não vinha chuva, tinha que arribar para escapar da fome”, lembra.

A pequena retirante aprendeu cedo a se indignar com as injustiças. Batalhou para estudar, chegou à universidade, virou assistente social. Entrou para a juventude católica e se envolveu na luta pela reforma agrária. “Gostaria de ter feito política na minha terra, mas fui perseguida pela ditadura ”, conta. Tachada de subversiva, ela teve que mudar de ares. Por vias tortas, a repressão dava um impulso à sua trajetória.

Erundina migrou para São Paulo, onde passou a militar em movimentos por moradia. Com a redemocratização, ajudou a fundar o PT e se elegeu vereadora e deputada estadual. Em 1988, tornou-se a primeira mulher a conquistar a prefeitura da maior cidade do país.

“Minha vitória foi absolutamente inesperada. Nem meu partido acreditava”, recorda. “Enfrentei preconceito por ser mulher, por ser nordestina, por ser solteira. E por ousar disputar o poder com a burguesia paulistana. Mas nunca me intimidei”, orgulha-se.

Robin Hood e o pacote fiscal de Haddad - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A primeira especulação contra a proposta de reforma no imposto de renda é de que a medida é eleitoreira e tem por objetivo pavimentar a reeleição de Lula

Ao anunciar o pacote de ajuste fiscal simultaneamente a mudanças no imposto de renda, que isentam quem recebe até R$ 5 mil e sobretaxam os acima de renda de R$ 50 mil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva libertou o gênio que estava preso na garrafa e, agora, gera toda sorte de especulações sobre as eleições de 2026. Seu propósito era mitigar os desgastes provocados pelos cortes de gastos preparado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como uma espécie de Robin Hood, que tira dos ricos para dar aos mais pobres.

Pedido errado na hora errada – Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Militares defendem anistia para golpistas e alívio no corte de gastos, ou é só para inglês ver?

Apesar de generais, coronéis e capitães estarem no centro do inquérito do golpe de Estado, o atual comando legalista do Exército lidera dois movimentos das Forças Armadas junto ao presidente Lula. Um para defender o indefensável: anistia dos golpistas, para “zerar o jogo” e “desanuviar o ambiente político”. Outro para aliviar a cota militar no corte de gastos. Esses “pedidos” são para valer, ou só encenação para agradar às tropas?

O ministro da Defesa, José Múcio, e os três comandantes militares – general Tomás Paiva (Exército), almirante Marcos Olsen (Marinha) e brigadeiro Marcelo Damasceno (Aeronáutica) – se reuniram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste sábado, 30. Nenhum dos dois pedidos faz sentido, e não só porque as Forças Armadas não estão no seu melhor momento, após o apoio além do institucional ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a inclusão (até agora) de 25 militares, seis deles generais, entre os 37 indiciados por um golpe com detalhes sórdidos.

O preço político do pacote - Celso Ming

O Estado de S. Paulo       

Ao contrário do que o ministro Fernando Haddad vinha assegurando, não foram critérios técnicos que serviram de inspiração para o presidente Lula definir o pacote fiscal, que deveria dar sustentação às contas públicas. Foram critérios preponderantemente eleitorais.

Tanto foram eleitorais que o presidente fez questão de enxertar no meio de um galho de decisões destinadas a cortar gastos um broto que nada tem a ver com o cumprimento do arcabouço fiscal. Trata-se da proposta de isenção do Imposto de Renda para contribuintes que ganham até R$ 5 mil mensais.

A ideia aí foi conquistar a classe média, hoje arredia às causas das esquerdas, de maneira a garantir votos para as eleições de 2026. A contrapartida para essa renúncia tributária, que deve ultrapassar os R$ 40 bilhões por ano, foi a de taxar quem ganha acima de R$ 50 mil por mês, incluídos aí os retornos em dividendos e aplicações financeiras.

O Congresso contra isenção do IR - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pacheco, do Senado, e Lira, da Câmara, fizeram papel de bombeiros improváveis da crise

Os líderes do Congresso, quem diria, jogaram pelo menos um balde d´água no incêndio do dólar e das taxas de juros. O fogo forte ao menos parava de se alastrar, na tarde da sexta.

Gente do ministério da Fazenda, do Planejamento e do Banco Central esperava essa mãozona: tirar o elefante brabo da isenção do IR da sala da discussão do pacote fiscal. Era o que autoridades econômicas diziam na manhã de sexta, nas internas, quando o dólar ia ao exagero de R$ 6,11.

isenção do Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5.000 mensais subiu no telhado. Foi o que disseram Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, e Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.

Sem tal ajuda e sem reforço dos planos de Fernando Haddad, o serviço de conter o estrago da desvalorização do real e da degradação feia das expectativas econômicas ficaria apenas a cargo do Banco Central. Isto é, Selic em alta acelerada, para não se sabe onde. Na manhã de pânico desta sexta, as taxas de mercado sugeriam Selic indo a 15%. Crise.

Programa de Haddad vai na direção certa - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Torço para que o Congresso só o mude se for para melhor

Lula surpreendeu o mercado anunciando o pacote fiscal e a reforma do Imposto de Renda no mesmo dia. Do ponto de vista econômico, criou ruído em um momento em que o quadro internacional é instável. Do ponto de vista político, faz sentido.

O pacote fiscal trouxe medidas que sacrificam o eleitorado pobre que venceu as últimas eleições presidenciais com Lula e, ao fazê-lo, livrou o Brasil do autoritarismo.

Pelas novas regras, o salário mínimo vai continuar tendo crescimento acima da inflação (só no governo Bolsonaro não teve), mas crescerá mais lentamente. O abono salarial, atualmente disponível para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, será pago apenas para os que, após um período de transição, ganharem 1,5 salário mínimo.

A costura a inferno aberto do golpe - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Conspiração às claras é estranho fruto de uma realidade paralela

Quando do atentado do Riocentro, 40 e tantos anos atrás, dirigíamos a TV-E, ao lado de um colega universitário. Recebemos então visitas, uma delas do coronel-ministro. Ele recomendou cautela no noticiário, pois "agimos abertamente, enquanto a direita age embuçada". A conversa, jogo de cena para encobrir censura, valeu uma resposta sorrateira: "Será mesmo, ministro, é difícil validar essa hipótese..." E ele "como assim, então não acham que seja coisa da direita?" Retrucamos: "se estão embuçados, como saber o que são?"

Camilo Santana: ‘Partido precisa se preparar e construir novas lideranças’

Paula Ferreira, Caio Spechoto / O Estado de S. Paulo

Em papel de destaque no PT após as eleições municipais deste ano, ministro da Educação, diz que sigla precisa pensar no pós-Lula

Considerado um vitorioso das eleições municipais, o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), evita se colocar como um candidato a sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Camilo indica que o PT não está preparado para a aposentadoria do seu principal líder e alerta que o partido precisa se preparar para formar novos quadros.

Nas eleições deste ano, Camilo foi o cabo eleitoral da principal vitória petista: Evandro Leitão foi eleito em Fortaleza (CE), o único prefeito do partido entre as capitais. Para aliados, a vitória empoderou o ministro, cujo trabalho é considerado positivo por Lula. Em entrevista ao Estadão, na última quarta-feira, Camilo afirmou que sua missão é no Ministério da Educação, mas deu recados ao partido.

Trump monta um gabinete de guerra - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Republicano explora valores divisivos não apenas para chegar ao poder, mas para mantê-lo

Donald Trump montou um gabinete de guerra para o próximo mandato. Alguns dos políticos, doadores de campanha e aliados fiéis escolhidos para sua equipe terão como prioridades os conflitos culturais tradicionalmente explorados pela direita populista para agitar suas bases.

Trump 2 terá uma abordagem mais prática do que em seus quatro anos anteriores. A formação do futuro governo sugere que o presidente eleito encara as guerras culturais —baseadas no desafio de consensos e na exploração de valores divisivos— tanto como ferramenta para chegar ao poder como para mantê-lo.

Democratas perderam bússola para o futuro - Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

Mudança de rumo e na base eleitoral pode ter produzido um custo político alto demais ao partido

Ao longo das décadas, apoio ao Partido Democrata entre classe trabalhadora se despedaçou

Quase toda vez que foi bem-sucedido, o Partido Democrata representou uma visão otimista e progressista dos EUA, orientada para o futuro. Pensem em Franklin D. Roosevelt garantindo aos americanos nas profundezas da Depressão que eles não tinham nada a temer a não ser o próprio medo, ou no espírito da Nova Fronteira de John F. Kennedy enquanto os EUA almejavam a Lua.

O refrão da música de campanha de Bill Clinton era “Não parem de pensar no amanhã”. Barack Obama era infalivelmente descolado, prometendo uma nova era de esperança e mudança. Mas em algum ponto da década recente os democratas parecem ter perdido essa sensibilidade, e me pergunto se isso lhes terá impingido um custo político alto demais.

Considerem a maneira que, nesta eleição, Donald Trump foi o candidato que recebeu apoio de tecnologistas como Elon Musk e Marc Andreessen.

Trump compareceu a uma conferência sobre criptomoedas e recebeu uma série de salvas de palmas. Celebrou a disposição de assumir riscos e falou a língua da ruptura e da reforma radical.

Poesia | Pátria Minha - Vinicius de Moraes

 

Música | Aurora de amor - Bloco da Saudade