sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Do altar ao tribunal - Bernardo Mello Franco

O Globo

A Assembleia Legislativa do Ceará deve aprovar nesta sexta a indicação de Onélia Santana para o Tribunal de Contas do Estado. Às vésperas do Natal, a nova conselheira vai ganhar um presente às custas do contribuinte. Receberá salário de R$ 39,7 mil brutos, fora mordomias e penduricalhos.

Onélia é psicopedagoga com formação em Letras. Deve o cargo vitalício a outro atributo: casou-se com o ministro da Educação, Camilo Santana.

Governador por dois mandatos, o petista é o mandachuva da política no Ceará. Elegeu o sucessor e o futuro prefeito da capital. Agora estende sua influência sobre o TCE, responsável por fiscalizar as contas da turma.

Camilo será o quinto ministro com a mulher no tribunal de contas do estado que já comandou. Waldez Góes e Renan Filho emplacaram as suas em 2022. Wellington Dias e Rui Costa seguiram o exemplo no ano seguinte, quando já estavam na Esplanada.

As nomeações não são ilegais porque usam uma brecha da súmula que proibiu o nepotismo. Mas mostram como o patrimonialismo resiste aos apelos por ética e impessoalidade no serviço público.

Se o presidente Lula nomeasse Janja para o Tribunal de Contas da União, o país iria parar — e com razão. O fato de cinco ministros se sentirem à vontade para emplacar suas mulheres nos TCEs mostra como a sociedade é leniente com desmandos na esfera local.

A indicação de Onélia deve ser sacramentada nesta sexta pelo plenário da Assembleia. Em sabatina na véspera, ela disse que sua condição de mulher num “ambiente político ainda predominantemente masculino” a levou a “quebrar barreiras” e “abrir caminhos para as novas gerações”.

É um desserviço à causa feminina que a desigualdade de gênero, um problema grave, seja usada para justificar o familismo e o aparelhamento dos tribunais de contas.

Sem argumentos para defender o indefensável, o ministro da Educação se esquivou de comentar a nomeação da mulher. Ao ser questionado por um repórter do jornal O Povo, limitou-se a dizer que a escolha da conselheira era “assunto da Assembleia”.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Então tá!

Anônimo disse...

Coluna PERFEITA! É impressionante a cara de pau destes políticos ex-governadores, inclusive de Esquerda e/ou petistas, de aparelharem os tribunais de contas dos estados que já governaram. Absurdo abuso do poder eleitoral...