sábado, 18 de janeiro de 2025

A primeira crise - André Barrocal

CartaCapital

Sidônio Palmeira assume a Secretaria de Comunicação em meio às mentiras sobre o Pix

Lula teve três marqueteiros diferentes nas eleições que venceu, todos baianos. Só o último deles se tornou ministro. Sidônio Palmeira, de 66 anos, assume a Secretaria de Comunicação Social da Presidência com o desafio de melhorar o ibope de Lula e do governo. Em suma, mostrar à população as realizações presidenciais desde 2023, e de modo convincente. “O objetivo primeiro é fazer que a comunicação chegue na ponta”, diz Palmeira, que se diz preocupado com o tamanho da expectativa depositada sobre seus ombros. No discurso de posse na terça-feira 14, citou outra missão: enfrentar o “faroeste digital”. “A mentira nos ambientes digitais, fomentada pela extrema-direita”, declarou, “cria uma cortina de fumaça da vida ­real, manipula pessoas inocentes e ameaça a humanidade.”

Na manhã seguinte, Palmeira entrou no gabinete presidencial para sua primeira gestão de crise. Uma prova de fogo causada justamente pelo “faroeste”. A decisão da Receita Federal de incluir, a partir de 2025, transações via Pix entre aquelas que o sistema financeiro tem de relatar ao “Leão” para fins fiscalizatórios foi retratada de maneira mentirosa nas redes sociais. “O Pix não será taxado, mas não duvido que possa ser”, bradava o ­deputado federal mineiro Nikolas Ferreira, do PL de Jair Bolsonaro, no Instagram. O vídeo passava de 100 milhões de visualizações nas redes quando Palmeira chegou à sala de Lula. Na véspera, o ministro era a favor de uma campanha publicitária para o governo esclarecer a verdade sobre a medida do Fisco. Batalha perdida. Segundo um colaborador presidencial, chegaram relatos ao governo de que a mentira havia transbordado as redes e chegado à vida real, com impacto em pequenos negócios e trabalhadores informais. “O estrago está feito”, reconheceu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao revogar a portaria, após ter sido chamado pelo presidente na quarta-feira 15.

Alvo de muitas fake news na eleição de 2018, Haddad “homenageou” o primogênito de Bolsonaro, outro propagador de engodo sobre o Pix. Em vídeo de 12 de janeiro, o filho do capitão havia dito que o governo iria “monitorar até quem pede dinheiro em sinal de trânsito”. A mesma “ideia” de que os pobres pagariam o pato foi propalada por Ferreira no vídeo que, na noite de 15 de janeiro, acumulava 200 milhões de visua­lizações. “As ‘rachadinhas’ do senador Flávio foram combatidas porque a autoridade identificou uma movimentação a­bsurda nas contas do Flávio Bolsonaro. Agora o Flávio Bolsonaro está reclamando da Receita? Ele não pode reclamar da Receita, ele foi pego pela Receita”, afirmou Haddad. “Rachadinha” é o nome folclórico do crime de peculato imputado a Flávio pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por ele ter, segundo a acusação, embolsado verba de funcionários quando era deputado estadual.

Além do golpe político, a medida do “Leão” sobre o Pix foi alvo de golpe comum. A Fazenda soube que contribuintes receberam pelo correio carta com o logotipo da Receita e um boleto de cobrança pelo uso do método de pagamento. Eis um caso de transbordamento da mentira para o mundo real. Daí a equipe econômica ter resolvido baixar uma Medida Provisória para deixar claro na lei que o Pix é isento de taxas. A Polícia Federal e a Secretaria Nacional do Consumidor vão investigar o crime contra a economia popular. A PF, que desde 2023 tem uma diretoria de combate a crimes cibernéticos, também vai atrás dos autores de fake news nas redes sociais.

A crise do Pix havia sido precedida por outra mentira nas redes. Um vídeo criado com Inteligência Artificial mostrava ­Haddad a dizer na porta da Fazenda coisas que nunca falou sobre impostos. É o que se chama de deep fake, ou mentira profunda. O vídeo surgira no Instagram. A Advocacia-Geral da União notificou a empresa para que o tirasse do ar, o que ocorreu no dia 11. O avanço sem controle adequado da Inteligência Artificial é um dos dez riscos globais em 2025, segundo a consultoria internacional Eurasia. De olho na eleição municipal de 2024, o Tribunal Superior Eleitoral tinha vetado as deep fakes no ano passado. O Senado havia aprovado um projeto de regulamentação da Inteligência Artificial. Falta a Câmara votar.

“A desinformação é o grande mal da humanidade (atualmente), é isso que tem feito proliferar a extrema-direita no mundo, ela que esteve sumida desde a queda do nazifascismo”, disse na posse o novo chefe da Comunicação Social. Que não esconde ter “lado”, o do campo democrático e popular. Não usou a palavra, mas poderia: é progressista. No início dos anos 1980, foi da direção do diretório acadêmico da Universidade Federal da Bahia, onde cursou Engenharia. A diretoria era ligada ao PCdoB. Dela faziam parte Lídice da Mata, atual deputada federal pelo PSB, e a socióloga Clara Araújo, ex-presidente da UNE.

Palmeira estreou como marqueteiro, palavra da qual não gosta e considera pejorativa, na campanha vitoriosa de Lídice à prefeitura de Salvador em 1992, quando a candidata estava no PSDB. Depois esteve à frente das quatro campanhas ao governo da Bahia vencidas pelo PT desde 2006 (duas com Jaques ­Wagner, o líder de Lula no Senado, e duas com Rui ­Costa, chefe da Casa Civil). Em 2022, coordenou o marketing de Lula, após desavenças no PT sacrificarem o jornalista Franklin Martins, ministro da Comunicação Social no segundo mandato lulista. “A verdade, por mais lenta que pareça, é o único antídoto contra a velocidade da mentira”, discursou na posse.

“Por vários ângulos, o absurdo é uma ferramenta organizacional mais eficaz que a verdade”, escreveu certa vez o blogueiro norte-americano de extrema-direita Mencius Moldbug, conforme o livro Os Engenheiros do Caos, de 2019. “Qualquer um pode crer na verdade, enquanto acreditar no absurdo é uma real demonstração de lealdade – e que possui um uniforme, e um exército.” Fraude na eleição de 2022 talvez seja o maior absurdo unificador do “exército” bolsonarista.

O absurdo deita e rola nas redes sociais, com a conivência, quando não incentivo, das plataformas. Palmeira apoia a briga do governo com a empresa de ­Mark Zuckerberg, a Meta, dona do ­Facebook, do Instagram e do WhatsApp. Crê que as plataformas têm de respeitar a soberania brasileira, seguir a legislação local e restringir a difusão de discursos de ódio, misóginos, racistas, homofóbicos. E, claro, de fake news. Em 7 de janeiro, Zuckerberg anunciou o liberou geral em suas redes. Três dias depois, Lula reuniu ministros para discutir o assunto. O governo vai montar um grupo de trabalho para debater a regulação das big techs, lei parada na Câmara. Pode nascer um texto novo, da lavra do Palácio do Planalto, inclusive com regulação econômica. Na Europa, há duas legislações, uma sobre conteúdo, outra sobre poder de mercado das plataformas digitais.

Nos próximos dias, o governo também promoverá uma audiência pública sobre a decisão da Meta. Não gostou das explicações dadas pela empresa após tê-la notificado, em 10 de janeiro, para que esclarecesse se os rumos anunciados nos Estados Unidos valerão aqui. Parte desses rumos, por ora não chegará ao Brasil. É o caso do fim da checagem de conteúdos mentirosos feita por empresas independentes. Outra, a de vale-tudo opinativo, chegou. Por exemplo: está permitido chamar homossexual de anormal e doente mental.

As redes sociais são dominadas pela extrema-direita aqui e no mundo. A avaliação popular sobre Lula reflete como o brasileiro se comporta no tema “onde se informar sobre política”. As tevês são o canal principal para 36% da população e as redes, para 34%, segundo pesquisa ­Genial/Quaest de dezembro. Entre aqueles que votaram em Lula, os números são 44% e 28%, respectivamente. No eleitorado de Bolsonaro, o contrário: 42% para as redes e 29%, para as tevês. Esse hábito de mídia é um pepino extra para o presidente. As plataformas são a mídia preferida dos mais jovens. Na faixa de 16 a 34 anos, metade tem nas redes sociais sua principal fonte de informação política e só 22%, nas tevês. Nesse segmento, Lula é mais desaprovado (50%) do que aprovado (48%), de acordo com o levantamento Genial/Quaest.

Na segunda-feira 13, o presidente sancionou a lei que proíbe alunos da educação básica, do ensino infantil ao médio, de utilizar celular nas escolas, públicas ou privadas. A lei tinha sido proposta em 2015 por um deputado gaúcho que hoje é bolsonarista, Alceu Moreira, do MDB. Câmara e Senado a aprovaram a toque de caixa em dezembro. É uma tentativa de impedir que o celular atrapalhe o aprendizado e a interação social de crianças e adolescentes e os exponha a conteúdos impróprios para a idade. Há uma preocupação mundial com o impacto do mundo online na juventude. No fim de 2024, uma lei australiana vetou o uso das redes sociais por menores de 16 anos. Aqui, o Ministério da Educação deve lançar uma campanha nos próximos dias, a fim de explicar a nova lei. Ideia de Palmeira.

Na luta para melhorar a imagem de Lula, uma das prioridades do ministro é reforçar a atuação nos meios digitais. Em dezembro, de acordo com a pesquisa Genial/Quaest, o presidente era aprovado por 52% e desaprovado por 47%. Já o governo tinha avaliação positiva de 33%, negativa de 31% e regular de 34%. Esses são os piores índices desde a volta do petista ao poder. É como se dois anos de mandato tivessem sido insuficientes para mudar a percepção das ruas. Lula, recorde-se, bateu Bolsonaro por 50,9% a 49,1%. No mesmo levantamento, 46% acham que o País está na direção errada (43%, na certa) e 41% dizem ter visto mais notícias negativas do que positivas sobre o governo (para 32%, é o contrário).

“Há um erro no governo na questão da comunicação e eu sou obrigado a fazer as correções necessárias”, havia dito Lula publicamente em dezembro. Era a senha de que o deputado Paulo Pimenta, do PT gaúcho, estava com os dias contados no cargo agora ocupado por Palmeira. O trabalho do governo, na visão do novo ministro, “não está sendo percebido por parte da população”, e uma das explicações está nas redes sociais. Pimenta tinha preparado em 2024 uma licitação de 200 milhões de reais para selecionar quatro empresas de comunicação digital, suspensa pelo Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Congresso na vigilância do governo, em razão da suspeita de vazamento prévio dos vencedores. Em 9 de janeiro, o TCU arquivou o caso e liberou a licitação. Palmeira não pretende retomá-la. Reiniciará o processo.

O prefeito do Recife, João Campos, do PSB, é uma referência sobre o que Palmeira pretende fazer em termos de comunicação nas redes. O ministro tem recrutado integrantes da equipe de Campos e articulou um encontro do pernambucano com Lula nos últimos dias. O pessebista é desenvolto e bastante presente nas plataformas. Lula será também? 

*Publicado na edição n° 1345 de CartaCapital, em 22 de janeiro de 2025.

 

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