Folha de S. Paulo
Trégua em território palestino tem valor
humanitário, mas fica muito aquém de apontar uma saída sustentável para a
região
O acordo
de cessar-fogo em Gaza é uma boa notícia. Dará algum respiro aos
palestinos que vêm há mais de um ano sendo dizimados pelos bombardeios do
Estado judeu e permitirá que os reféns israelenses voltem para casa. Mas o
acerto não toca no ponto essencial. O que será feito de Gaza?
O governo do premiê Binyamin Netanyahu nunca teve um plano para o pós-guerra. Na verdade, Netanyahu poderia ter concordado com um cessar-fogo semelhante ao atual vários meses atrás, o que teria poupado a vida de dezenas de milhares de palestinos e de dezenas de reféns israelenses. Não o fez porque a suspensão da guerra então contrariava seus interesses.
O jogo agora mudou por duas razões. A
primeira é a expectativa de mudança de poder nos EUA. Trump assume dia 20. A
segunda é que a estratégia de Netanyahu de prolongar e ampliar o conflito
aliviou a pressão política sobre seu governo.
O premiê não eliminou o Hamas, o que
sempre foi uma missão impossível, mas o enfraqueceu bastante. Também conseguiu
degradar as capacidades do Hezbollah no Líbano. Tais
feitos representam uma derrota para o Irã, visto por muitos israelenses como o
real inimigo.
Isso teve reflexo nas pesquisas eleitorais.
Logo após os ataques terroristas do Hamas, as sondagens davam a gestão de
Netanyahu como liquidada. Hoje, seu partido, o Likud, vai ganhando pontos. A
aceitação do cessar-fogo até pode levar ao fim do governo, já que desagrada aos
partidos mais à direita da coalizão. Mas não dá para descartar que, após uma
nova eleição, Netanyahu consiga se manter no poder sem esses aliados.
Voltando a Gaza, a solução sustentável é
colocar o território sob administração árabe. Não há como fazer isso sem trazer
para o jogo a Autoridade Nacional Palestina (ANP),
que governa a Cisjordânia.
O problema é que Netanyahu passou toda a sua
carreira trabalhando para enfraquecer a ANP, a fim de evitar a criação do
Estado palestino. O premiê israelense, se não for apeado do poder, estaria
disposto a rever isso?
Ninguém jamais perdeu dinheiro por apostar
contra a paz no Oriente Médio.
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