sábado, 18 de janeiro de 2025

De Adolf a Donald - Luiz Gonzaga Belluzzo*

CartaCapital

Malgrado as diferenças históricas, são inequívocas as semelhanças entre os programas econômicos de Trump e do nazismo

As promessas e ameaças de ­Donald Trump reproduzem episódios já vividos nos labirintos da economia global. Digo reproduzem para exprimir a incompatibilidade do factual imediato com a concepção que advoga a dinâmica das estruturas nas trajetórias das economias de mercado monetário-financeiras capitalistas.

A mais conhecida e dolorosa reestruturação daquilo que, parodiando ­Schumpeter, poderíamos chamar de Ordem Capitalista começou a se desenvolver a partir dos anos 30 e encontrou seu apogeu nas duas primeiras décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Essa reordenação foi uma resposta aos desastres provocados pelas “falhas” do mercado autorregulado, agravadas pelo apego dos governos a políticas fiscais e monetárias conservadoras. Essa miopia liberal-conservadora suscitou violentas reações de autoproteção da sociedade assolada por desgraças como o desemprego em massa, o desamparo, a falência e a bancarrota.

Nesse período, a economia mundial foi palco de rivalidades nacionais irredutíveis, que se desenvolveram sem peias, na ausência de mecanismos de coordenação capazes de conter as desesperadas iniciativas para escapar aos danos da crise. As ações particularistas, tomadas em defesa das economias nacionais ou de grupos sociais, revelaram-se danosas para o conjunto. Este foi o caso, no plano internacional, das desvalorizações competitivas que acabaram provocando uma contração espetacular dos fluxos de comércio e suscitando tensões nos mercados financeiros. Tais forças negativas propagavam-se livremente, sem qualquer providência dos governos, imobilizados pelos fetiches do padrão-ouro e do equilíbrio orçamentário. Assim, a economia global mergulhou numa espiral deflacionária que atingiu indistintamente os preços dos bens e dos ativos. Frações importantes das burguesias europeia e norte-americana tiveram de rever seu patrocínio incondicional ao ideário do livre-mercado e às políticas desastrosas de austeridade na gestão do orçamento e da moeda, diante da progressão da crise social e do desemprego.

Não bastasse, assim que a coordenação do mercado deixou de funcionar, setores importantes das hostes conservadoras aderiram aos movimentos fascistas e à assim chamada “estatização” (sic) impiedosa das relações econômicas como último recurso para escapar à devastação de sua riqueza.

Aqui cabe uma reprodução do artigo já publicado em nossa CartaCapital a respeito do recrutamento dos grandes industriais alemães pela liderança nazista. Reunidos por Hermann Goering no Reichstag, os grandes empresários ouviram o chanceler Adolf Hitler. Disse o führer: há que acabar com um regime fraco de Weimar, afastar a ameaça comunista, eliminar sindicatos e permitir que cada empresário fosse o führer de sua própria empresa. O discurso durou meia hora. Quando Hitler terminou, Gustav ­Krupp levantou-se, deu um passo à frente e, em nome de todos os presentes, agradeceu-lhe por ter finalmente esclarecido a situação política. O chanceler deu uma volta rápida em torno da mesa quando saiu. Eles o parabenizaram cortesmente.

A opinião convencional e conservadora insiste em afirmar a “estatização” da economia alemã na era nazista. Alguém mais atilado poderia argumentar que, na verdade, ocorreu uma brutal privatização da política econômica alemã. Malgrado as diferenças históricas, são inequívocas as semelhanças de inspiração entre o programa de Trump e as políticas econômicas dos regimes nazifascistas dos anos 30 do século XX. As semelhanças abrangem a proclamação da primazia do interesse nacional, a privatização do Estado, ocupado diretamente por um comitê de grupos empresariais, e a politização da economia, administrada despoticamente pelo estatal-privatismo, na contramão da “liberdade de mercado”. A onipresença dos poderosos das plataformas e das finanças no gabinete de Trump mimetiza o poder da Siemens e da Krupp na política econômica do III Reich.

Karl Polanyi, em sua obra A Grande Transformação, escrevendo sobre esse momento da história, mostrou como a revolta contra o despotismo do “econômico” revelou-se tão brutal quanto os males que a economia destravada vinha impondo à sociedade. Estudando o avanço do coletivismo nesta quadra, Polanyi conclui que não se tratava de uma patologia ou de uma conspiração irracional de classes ou grupos, mas da emergência de forças gestadas nas entranhas do mercado destravado.

Com o colapso dos mecanismos econômicos, a superpolitização das relações sociais tornou-se inevitável. O despotismo da mão invisível teria de ser substituído pela tirania visível do chefe. O político e a polícia começaram a invadir todas as esferas da vida social, como se fossem suspeitas quaisquer formas de espontaneidade. •

*Publicado na edição n° 1345 de CartaCapital, em 22 de janeiro de 2025.

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