terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Míriam Leitão - Consumo sem força

- O Globo

O consumo está perdendo fôlego e ainda não há sinal de forte recuperação. A inflação alta esperada para o mês de janeiro vai corroer mais um pedaço da renda neste início de 2015. Quem olha a série histórica vê, no entanto, que o setor que segurou a economia nos últimos anos já vinha diminuindo a potência há mais tempo. O varejo ampliado está em retração em 12 meses, e o momento é de cautela entre as empresas.

O IBGE divulga amanhã os dados do comércio de novembro, e a expectativa é de alta mensal, mas isso não muda a tendência. A análise mais ampla mostra que a forte aposta feita no consumo provocou, ao fim do período, o efeito contrário. O consultor Enéas Pestana, ex-CEO do grupo Pão de Açúcar e que montou a própria consultoria, a Enéas Pestana & Associados, explica que o apoio ao setor automobilístico acabou sendo nocivo ao varejo. A inadimplência na carteira automotiva provocou queda nas concessões de empréstimos, e a renda comprometida com a prestação do carro restringiu a venda de outros produtos.

- O crédito exagerado para o setor automotivo gerou inadimplência. Isso provocou insegurança nos bancos, que se espalhou para outras modalidades. Os bancos ficaram mais restritivos com todos, o que contaminou o setor varejista - disse Pestana.

Essa cautela dos bancos, pelo menos, já fez cair a inadimplência automotiva, que está no patamar mais baixo dos últimos anos, e a Anfavea, associação das montadoras, aposta na nova legislação de retomada de veículos com atrasos nos pagamentos para destravar o crédito. Ainda assim, 2015 não deve ter alta nas vendas.

A aposta no consumo funcionou por um tempo e depois deu o efeito rebote. A nova equipe econômica herda uma inflação alta, que ficará maior pela necessidade de ajustes de preços represados. A perda de fôlego do consumo é um motor a menos para a economia voltar a crescer. As projeções para o PIB deste ano, pelo mercado, estão em 0,4%.

Muita gente alertava que estimular o consumo teria vida curta. A escolha do setor automotivo para liderar o processo foi um tiro pela culatra. O governo abriu mão de receita com o IPI menor e isso contribuiu para a deterioração fiscal e a ameaça de rebaixamento da nota de crédito do país. As cidades se encheram de carros e a insatisfação com o transporte público cresceu.

As vendas do Natal comprovaram os cenários de um varejo fraco. Houve também o menor crescimento na geração de vagas temporárias dos últimos 5 anos.

- No início de 2014, as pessoas estavam muito otimistas sem motivo. O país vivia uma conjuntura de descontrole fiscal, que agora requer políticas restritivas. A inflação também provoca juros mais altos. O varejo depende de renda e crédito - afirmou Pestana.

O gráfico mostra a desaceleração. Em agosto de 2010, o setor cresceu 12,3% para o varejo ampliado, que inclui automóveis e materiais de construção, e 10,2% para o varejo restrito, em 12 meses. Em outubro de 2014, último dado divulgado, os índices foram -0,5% e 3,1%. Na conversa com as empresas, Pestana aconselha a geração de caixa e o investimento "cirúrgico".

- Sem alta das vendas, tem que cortar custo fixo. O setor depende de ganhos de escala e a despesa com pessoal é a que pesa mais. O momento é de cautela, geração de caixa e investimento bem seletivo. Tudo dando certo, podemos ter um segundo semestre melhor e começar bem o ano de 2016.

O momento é de ter poucas dívidas. Isso vale para as famílias também.

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