Nada encarna melhor o espírito dos jogos olímpicos do que os projetos ambientais do Rio de Janeiro. Só têm metas de superação. O governo do estado anuncia agora para 2016 que vai despoluir a baía de Guanabara. Será a segunda despoluição em pouco mais de duas décadas. Um recorde: a Guanabara já é a baía suja mais despoluída do mundo.
A primeira despoluição foi um fiasco retumbante. Previa, nos anos 90, que a baía viraria o milênio com a renda de suas colonias de pescadores duplicada, graças à troca de garrafas PET por cardumes de peixes. O preço dos terrenos em sua orla iria disparar, com a disputa de um lugar na primeira fila diante da vista que tornou famosa a cidade, séculos antes que os cariocas debandassem para a Zona Sul.
Quando venceu o prazo contratado com a Agência de Cooperação Internacional Japonesa e outras fontes de financiamento externo, a despoluição tinha afundado nas transações insondáveis que, logo na largada, em 1993, levaram o governo Leonel Brizola a tirar aquela dinheirama toda da órbita das licitações, convidando empreiteiras de confiança para dividir o bolo.
E assim o programa chegou ao governo Anthony Garotinho reduzido a uma caricatura chamada piscinão de Ramos, um oásis recreativo de água do mar filtrada, no meio do esgoto in natura e do lixo doméstico. Na ocasião, o arquiteto e doutor em administração pública Manuel Sanchez calculou que atender com cerca de 200 piscinões a mesma população que poderia usar diretamente a baía, se ela estivesse limpa e balneável, custaria US$ 1 bilhão.
O estado a essa altura gastara US$ 1 bilhão para convencer 93,6% dos cariocas, no ano 2.000, que a Guanabara continuava “muito suja”. Para isso, abraçou a baía com usinas de tratamento, que aparecem bem nas fotos de inauguração. Mas não ligou com as estações as redes de esgoto, porque obra embaixo da terra não dá voto.
As margens que seriam valorizadas favelizaram-se. Surgiram favelas abaixo da linha de maré alta. Mais de oito milhões de pessoas se habituaram a despejar dez toneladas de lixo por dia nos rios que desaguam nos valões da Guanabara. Sua profundidade média caiu para menos de seis metros.
Em compensação, ao escrever a nova constituição estadual em 1989, os políticos deram à baía o título de Área de Proteção Ambiental e Interesse Ecológico Revelante. E isso ela é. Só falta drenar os canais assoreados por lama tóxica. Tirar da água quase dois milhões de metros cúbicos de depósitos poluentes. Trocar por esgotos os rios moribundos que, em 1502, levaram o navegador Duarte Coelho a anunciar a descoberta de um paraíso cercado de “boas águas” por todos os lados.
Principalmente, segundo o geógrafo Elmo Amador, falta reflorestar suas margens, não só para devolver-lhe uma tênue lembrança da paisagem original, como sobretudo para recompor os filtros naturais dos 100 quilômetros quadrados de restingas e mangues que ela perdeu.
Parece coisa demais para fazer em seis anos. Sobretudo depois de gastar tanto crédito e tanta credibilidade. Mas, como em Olimpíadas o importante é competir, o Rio de Janeiro poderia entrar nesta nova corrida plantando a primeira muda dos 24 milhões de árvores que prometeu para 2016 em outubro do ano passado.
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